Panorama da Estereoscopia, da Animação e da Animação Estereoscópica

Leonardo A. de Andrade1

Tiago E. dos Santos2

Resumo

A capacidade do homem em interpretar pares de ilustrações ou fotos de uma mesma cena, visualizados por ângulos ligeiramente diferentes, é chamada de estereoscopia, e teve seus fundamentos lançados no século XIX. De forma análoga, no mesmo século a exploração de imagens em movimento através de diversas invenções deu inicio a arte conhecida como animação. Com o surgimento do cinema e seu desenvolvimento no século XX, a animação utilizou-se das técnicas estereoscópicas para apresentar realidades fantásticas na qual a sensação da profundidade foi explorada. Este trabalho apresenta um breve histórico da estereoscopia e da animação, assim como da animação estereoscópica, mostrando como a evolução tecnológica possibilitou a ampliação dos horizontes artísticos de imagens em movimento, onde a percepção da profundidade passou a ser explorada.

Palavras-chave: Animação, Estereoscopia, 3D.

Abstract

Man’s ability to interpret pairs of illustrations or photos of the same scene, viewed by slightly different angles, is called stereoscopy, and had its foundations laid in the nineteenth century. Similarly, in the same century exploitation of moving images through various inventions marked the beginning of art known as animation. With the emergence of cinema and its development in the twentieth century, the animation was used stereoscopic techniques to present realities in which the fantastic sensation of depth was exploited. This paper presents a brief history of stereoscopy and animation, and stereoscopic animation, showing how technological developments allowed the expansion of the artistic horizons of moving images where depth perception began to be exploited.

Keywords: Animation, Stereoscopic, 3D.

1. Introdução

O ser humano perseguiu por quase toda sua história uma maneira de poder visualizar e dar vida à sua imaginação, vê-la acontecendo, seja pela forma de pinturas, esculturas ou literatura. Representar e interpretar sua própria percepção, sua visão do mundo, contar história, este desejo humano impulsionou a arte durante séculos.

A animação foi uma das formas encontradas para se dar vida ao movimento que residia na imaginação dos artistas tendo em sua criatividade uma das únicas barreiras. Tudo pode ganhar vida e personalidade nesta arte: objetos, bonecos, modelos virtuais ou desenhos revelam-se capazes de exprimir sentimentos, de manifestar vontades, de agir e de reagir. O inorgânico torna-se orgânico, a imaginação torna-se palpável.

Contudo, para que a animação se tornasse possível, foi necessária uma série de equipamentos que possibilitassem sua confecção e visualização, para que o artista se apropriasse dos meios de produção e transformasse sua capacidade em arte. Vários inventos e experimentos de imagens em movimento foram realizados ao longo do século XIX, até que em 1900 a animação passa a ser desenvolvida com equipamentos cinematográficos.

Em paralelo à evolução da animação, a possibilidade de utilizar uma técnica de representação da informação e sua posterior visualização com a sensação de profundidade, foi descoberta em 1838 por Wheatstone, inicialmente utilizando um par de ilustrações. Não tardou para que a fotografia, cuja descoberta data de meados do século XIX, portanto posterior à descoberta de Wheatstone, passasse a utilizar essa técnica para produção de imagens fotográficas estereoscópicas. Tal invenção tornou-se mesmo uma espécie de padrão popular para a fotografia entre os anos de 1850 e 1880; e muitos dos ícones fotográficos do século XIX, eram na verdade estereogramas. Cartões fotográficos estereoscópicos, com seus respectivos visores eram comercializados e tomaram conta do mercado nas classes média e alta (ADAMS, 2001). Os estereogramas entraram em declínio comercial a partir do final do século XIX, mas encontraram aplicações científicas na fotogrametria e fotointerpretação (GODOY, 2005).

A técnica estereoscópica proporcionou um modo de utilizar uma tela plana de duas dimensões para visualizar as obras audiovisuais em três dimensões, utilizando-se de uma particularidade da visão humana. Através dela, tornou-se possível a representação e exploração do espaço de forma única, impulsionando explorações artísticas inicialmente em ilustrações e fotografias, e posteriormente no cinema. Curtas como “Plastigrams” (1923), “Lumiere 3D tests” (1934) e o filme “The Power of Love” (1922) contribuíram muito para o desenvolvimento do cinema 3D, pois estão entre as primeiras obras que se apropriaram dos fundamentos do aparelho estereoscópico aplicando-o a câmeras de filmagem.

No final da década de 1930 a estereoscopia começa a ser utilizada com a animação, criando assim um espaço midiático com visualização tridimensional, onde a exploração das realidades do imaginário artístico pudesse ser realizada explorando a percepção da profundidade. Neste trabalho será apresentado um panorama histórico do surgimento da animação, da estereoscopia e enfim da animação estereoscópica, desde seu início no século XIX até a atualidade, que inclui a utilização de recursos computacionais para seu desenvolvimento. A seção 2 descreve um breve histórico da estereoscopia e apresenta seus fundamentos. As seções 3 e 4 apresentam o histórico da animação e da animação estereoscópica e por fim a seção 5 apresenta as conclusões do estudo realizado.

2. Breve Histórico e Fundamentos da Estereoscopia

A questão da representação do espaço tridimensional foi talvez a mais importante contribuição do período renascentista às artes plásticas. A descoberta do método de representação do espaço tridimensional no espaço bidimensional vem de Filippo Brunelleschi (1387–1446) e Leon Batista Alberti (1404 – 1472), denominada de perspectiva artificiallis. A técnica de representação teve sua origem em projetos de arquitetura desenvolvidos pelos dois autores. Está ligado à origem da perspectiva um pequeno aparato denominado tavolleta, que servia ao desenvolvimento daqueles projetos (GODOY, 2001).

Durante o século XIX, foi inventado o primeiro aparato de visualização que permitia a sensação de profundidade da visão binocular humana. Data de 1838 a invenção de Sir Charles Wheatstone, o estereoscópio, constituído de um jogo central de espelhos que refletiam dois desenhos de um objeto, cada qual retratando ângulos ligeiramente diferentes um do outro, de modo que a observação através dos espelhos permitia a sensação de profundidade, um esquema do aparelho pode ser observado na Figura 1.

Figura 1 – Aparelho Estereoscópico concebido por Charles Wheatstone

A visão tridimensional que temos do mundo é resultado da interpretação, pelo cérebro, das duas imagens bidimensionais que cada olho capta a partir de seu ponto de vista e das informações sobre o grau de convergência e divergência dos olhos. Os olhos humanos estão em média a 65 milímetros um do outro e podem convergir de modo a cruzar seus eixos em qualquer ponto a poucos centímetros à frente do nariz, ficando estrábicos; podem também divergir ou ficar em paralelo quando se foca algo no infinito.

Além de receber as imagens, o cérebro também coordena os movimentos dos músculos dos globos oculares e recebe informações sobre o grau de convergência ou divergência dos eixos visuais, o que lhe permite auferir a distância em que os olhos se cruzam em um determinado momento (FONTOURA, 2001). O cérebro usa as informações que recebe dos olhos para auferir distâncias e perceber a profundidade.

Podemos dizer que “um visor estereoscópico é um sistema óptico cujo componente final é o cérebro humano” (STEREOGRAPHICS, 1997). Isto porque, é o cérebro que faz a fusão das duas imagens (o par estéreo) resultando em noções de profundidade, como é ilustrado na Figura 2. São capturadas duas imagens ligeiramente diferentes relativas à mesma cena, da mesma maneira que vemos o mundo real.

Figura 2 – Visões de cada olho da mesma cena.

Uma conseqüência imediata da diferença das imagens capturadas pelos dois olhos é o espaçamento entre o mesmo ponto projetado nas duas retinas, chamado de disparidade na retina. Na Figura 3, o olho da esquerda vê a árvore (marrom) à esquerda do pinheiro (verde), enquanto o olho direito a vê à direita.

Figura 3 – Visões da mesma cena pelos dois olhos.

Estas duas imagens chegam ao cérebro, onde é feita uma superposição, resultando na sensação ilustrada pela Figura 4. A disparidade é interpretada pelo cérebro para a fusão de apenas uma imagem, resultando na sensação de profundidade.

Figura 4 – Superposição das imagens e a disparidade na retina.

A paralaxe é a distância entre os pontos correspondentes das imagens do olho direito e do esquerdo na imagem projetada na tela. Em resumo, disparidade e paralaxe são duas entidades similares, com a diferença que paralaxe é medida na tela do computador e disparidade, na retina. É a paralaxe que produz a disparidade, que por sua vez, produz a sensação da profundidade. Os três tipos básicos de paralaxe são:

Paralaxe zero: conhecida como ZPS (do inglês Zero Paralax Setting). Um ponto com paralaxe zero se encontra no plano de projeção, tendo a mesma projeção para os dois olhos (Figura 5(A)).

Paralaxe negativa: significa que o cruzamento dos raios de projeção para cada olho encontra-se entre os olhos e a tela de projeção, dando a sensação de o objeto estar saindo da tela (Figura 5 (B)).

Paralaxe positiva: o cruzamento dos raios é atrás do plano de projeção, dando a sensação de que o objeto está atrás da tela de projeção (Figura 5 (C)).

Figura 5 – Tipos de paralaxe: a) Paralaxe zero (ZPS), b) Paralaxe negativa e c) Paralaxe positiva.

A sensação de profundidade é obtida devido à disparidade nas duas imagens. Com isso, para criar a sensação de profundidade, é necessário que cada olho receba uma imagem de uma perspectiva diferente da cena.

Na próxima seção, são apresentadas as invenções que permitiram o surgimento da animação, além dos artistas pioneiros nessa forma de arte, antes e depois de sua exploração cinematográfica.

3. O Início da Animação

Podemos dizer que umas das primeiras invenções importantes para o surgimento da animação seja o taumatrópio criado entre 1820-1825. Um cartão com uma ilustração na frente e outra distinta no verso, amarrada por dois cordões que quando manipulados fazem o cartão girar gerando uma combinação das duas imagens.

Alguns anos depois, em 1832, Joseph Antoine Ferdinand Plateau cria um aparelho que além de combinar imagens, também propiciava a ilusão de movimento, o fenaquistoscópio. Este invento seria o predecessor de outros dois inventos muito importantes, que seriam a base da animação por muito tempo: o zootrópio e o praxinoscópio. Esses se utilizavam de um círculo com imagens sequenciais que, quando em movimento a certa velocidade, produziam uma pequena animação. Na Figura 6 podemos ver uma representação dos três equipamentos.

A                                                         B                                                           C

Figura 6 – A: Fenaquistoscópio; B: Zootrópio; C: Praxinoscópio.

É com base no praxinoscópio que Charles Emile Reynaud desenvolverá o seu Teatro Óptico, com o qual consegue projetar animações mais ou menos extensas se utilizando de uma combinação de equipamentos para tal (cerca de um minuto de apresentação, em alguns casos). A figura 7 ilustra esse equipamento,

Figura 7 – Ilustração que demonstra o funcionamento do Teatro Óptico.

Quando os irmãos Lumière apresentam o cinematógrafo, em 1895, todos os equipamentos anteriores já haviam criado uma nova forma de pensar, a qual tinha na compreensão, simulação ou análise do movimento o seu intuito e a suas preocupações fundamentais. Porém, é apenas com o cinematógrafo que as condições para o surgimento do cinema de animação como o conhecemos são criadas.

A história da animação propriamente dita é também uma história de pioneiros que aqui relataremos resumidamente.

J. Stuart Blackton, um inglês erradicado nos EUA, pode ser considerado um dos primeiros animadores, realizando pequenos filmes animados como “Enchanted Drawing”, de 1900. No entanto, esta animação recorre ainda à filmagem convencional se utilizando em conjunto de momentos animados. É apenas em 1906, com “Humorous Phases of Funny Faces”, que Blackton consegue realizar uma obra completamente animada, considerada o primeiro desenho animado.

Entretanto, na Europa, outros realizadores também se empenharam em desenvolver esta nova forma de arte. Na França, Émile Cohl, desenhista de tiras de quadrinhos se utilizando de papel arroz e nanquim, faz suas experimentações, sendo que um dos mais conhecidos é o curta “Fantasmagorie” de 1908, no qual recorre ao desenho de figuras que se metamorfoseiam das mais diversas maneiras e nas mais diversas situações, não sendo jogadas de forma irresponsável na tela, pois Émile Cohl integrava desde 1880 o grupo “Os Incoerentes” (de filosofia iconoclasta, antiburguesa, antiacadêmica e violentamente antirracional). Na Rússia, Ladislas Starevich concebia animações em stop-motion (técnica de animação que consiste em fotografar um objeto ou boneco em uma posição, alterando-a gradativamente, para que quando projetada sequencialmente construa a ilusão de movimento) de grande sofisticação como “The Cameraman’s Revenge”, de 1911.

Para as primeiras plateias, o desenho que se movia era parte da nova magia do cinema, porém em dez anos (de 1908 a 1917), a animação deixa de ser um feito técnico e torna-se uma arte autônoma.

Winsor McCay é outra figura chave deste período inicial da animação, conceituado ilustrador, foi ousado ao manter seu estilo de desenho com muitos detalhes na animação. Suas principais obras são: “Little Nemo in Slumberland”, de 1907; “The Story of a Mosquito”, de 1912 e “Gertie the Dinossaur”, lançado em 1914, onde ele redesenhou o cenário mais de cinco mil vezes, sendo um marco da animação. McCay aplicou personalidade a seus personagens, abrindo assim caminho para uma lógica de antropomorfização que determinaria em grande medida o sucesso da animação daquele que seria uma das maiores figuras da história desta arte, Walt Disney.

Definitivamente é Walt Disney quem realiza a maior evolução na animação seja estética ou industrial, mesmo que outros nomes como John Bray (inventor do processo de animação em acetato, chamado originalmente cel animation, que se tornaria o processo dominante ao longo dos anos) ou os irmãos Fleischer (criadores, entre outros, de personagens como Betty Boop e Popeye, cujo estúdio seria um dos primeiros a experimentar a rotoscopia) devem ser igualmente considerados nestas primeiras décadas da animação. No entanto, foi Walt Disney o responsável por elevar os patamares da animação a níveis antes inimagináveis, em parte devido à produção de grande qualidade que o seu estúdio, criado em 1923, apresentaria ao longo do século XX.

Com Disney a animação atingiu a sua maturidade e entrou naquilo que muitos veem como a sua época de ouro, os anos 1940. A ele se devem a criação do chamado pencil test (que consiste em desenhar a lápis, em papel, uma sequência de animação antes de avançar para a sua representação e pintura em acetato), o primeiro curta-metragem de animação com som sincronizado, em 1928, “Steamboat Willie”, a introdução do technicolor (processo de colorização), em 1932, em “Flowers and Trees”, e a criação da câmera de múltiplos planos, em “The Old Mill”, em que figuras e fundos são desenhados em superfícies de vidro diferentes que se colocam umas atrás das outras, desse modo criando uma impressão de perspectiva mais realista e permitindo trabalhar de forma autônoma sobre os diversos elementos, uma representação desta câmera pode ser vista na Figura 8.

Figura 8 – Representação da Câmera de Múltiplos Planos.

Estavam então criadas as condições para o surgimento do primeiro longa-metragem da Disney, “Branca de Neve e os Setes Anões”, em 1937, que se tornaria um marco decisivo desta arte. Nas décadas posteriores o estúdio Disney continuou lançando sucesso atrás de sucesso e contribuindo decisivamente para a evolução da animação, até os dias de hoje, quando o estúdio adota em parte a Computação Gráfica para suas animações.

Ressaltamos que paralelamente à produção da Disney ao longo do século XX, houve uma enorme diversidade de autores que, recorrendo à vasta pluralidade de técnicas, concretizaram suas visões. Para eles, um dos pontos fundamentais era gerar e concretizar formas de expressão e perspectivas artísticas bem pessoais, trabalhando conceitos e temas das mais distintas naturezas de uma forma inédita.

4. Animação Estereoscópica

O próprio Wheatstone juntamente com Plateau e Duboscq fazem experimentos com animação e o estereoscópio, entre 1849 e 1852, porém somente em 1939 é que a animação estereoscópica alcança o público em geral, na feira mundial de Nova Yorque, que apresentava inovações tecnológicas em várias áreas, da ciência a arte. Nesta feira John Norling lança um curta animado (“In Tune with Tomorrow”) feito com o processo de stop-motion, que se utiliza de bonecos fotografados quadro a quadro e posteriormente colocados em sequência. A animação representa um carro sendo construído peça a peça e captado com uma câmera estereoscópica. A animação fez tanto sucesso na feira que em 1940 foi refeita em cores e lançada mais tarde, em 1953, sob o nome de “Motor Rhythm”. Na Figura 9 podemos observar um quadro desta animação estereoscópica, para a visualização 3D é necessário a utilização de um óculos vermelho/ciano.

Figura 9 – Quadro da animação “Motor Rhythm”

Ao final do período em que o cinema estereoscópico era novidade, os fundamentos técnicos tinham se tornado amplamente conhecidos e inúmeras câmeras já estavam à disposição dos cineastas.

Porém o desenvolvimento da aplicação estereoscópica na animação aconteceu somente quando Norman McLaren, animador conhecido pela sua exploração e criação de novas técnicas de animação, aplicou os fundamentos da estereoscopia a seus trabalhos, criando assim a base para a animação 3D.

Durante a década de 1950 este animador fez explorações fundamentais para que anos mais tarde a animação acompanhasse o estouro de produções 3D que houve no cinema como um todo.

O aclamado estúdio Walt Disney lança “Melody” em 1953. Também nesse ano, personagens que se consagrariam mais tarde na televisão são lançados em 3D, como Pica-Pau, com o curta “Hick Hypnotic”, de Don Patterson e Popeye, com “Popeye, The Ace of Spades”, de Seymour Kneitel. Na Figura 10 podemos ver um cartaz que anuncia a animação “Melody”. Podemos observar que erroneamente, como forma de propaganda, o estúdio Disney divulga ser a primeira animação em 3D.

Figura 10 – Cartaz de Divulgação da animação “Melody”.

Após o boom da década de 1950, as audiências diminuíram e o 3D entrou em uma espécie de calmaria durante os anos de 1960 e 1970, retomando algumas produções na década de 1980, porém em menor número das vistas em 1950. Alguns autores argumentam que a diminuição da audiência do 3D se deve as obras que começaram a “exagerar” na aplicação da estereoscopia de forma a causar tonturas e mal estar nas plateias.

Paralelamente a evolução da estereoscopia, na década de 1950, a animação 2D contou com a popularização da televisão, pois diversas animações tomaram este veículo como forma de expressão.

E com a introdução da técnica de animação digital o horizonte de possibilidades se ampliou consideravelmente, pois o apoio computacional para a técnica tradicional e as facilidades de manipulação da imagem digital permitiram inicialmente seu uso em animações bidimensionais, e a partir dos anos 1990 para animações tridimensionais.

Com o advento da técnica computacional de animação, a estereoscopia começa a ganhar novo fôlego, e isso facilita de diversas formas a aplicação de seus fundamentos. Podemos destacar como precursor desta nova fase do cinema estereoscópico o longa de animação “Starchaser: The Legend of Orin” de Steven Hahn, lançado em 1985, além de retomar o uso da estereoscopia na animação foi também um dos primeiros filmes animados a misturar a técnica tradicional com a técnica computacional de animação. Na Figura 11 podemos conferir um quadro da animação, para a visualização do 3D é necessário o uso de óculos vermelho/ciano.

Figura 11 – Quadro da animação “Starchaser: The Legend of Orin”.

Com a popularização da exibição em 3D, surge um novo boom de produções a partir do início do século vinte e um. E as animações são parte fundamental e precursora do crescente número de produções que se utilizam da estereoscopia.

Parece evidente que a quarta era do cinema estereoscópico começou em 4 de novembro de 2005, com o lançamento de Chicken Little 3-D em 84 cinemas digitais 3D, em simultâneo com seu lançamento em 2.500 cinemas convencionais. (ZONE, 2007, p.4)

Temos o curta “Shrek 4-D” lançado em 2003 e os filmes da continuação dessa franquia sendo lançados com versões estereoscópicas, tendo grande sucesso e aceitação por parte do público e da crítica.

Filmes estereoscópicos, juntamente com alguns outros fatores estão conduzindo a uma proliferação de cinemas digitais. Em novembro de 2006, havia 250 cinemas 3-D nos Estados Unidos. Espera-se que hajam mais de 1.000 no verão de 2007. (ZONE, 2007, p.4)

Com a utilização da técnica computacional de animação a aplicação estereoscópica ganha novo fôlego, pois sua aplicação se torna mais fácil e explorável se comparada a técnica tradicional de animação. Uma vez que possibilita a utilização de câmeras virtuais, na qual os ajustes de parâmetros da estereoscopia podem ser feitos com mais liberdade e precisão, possibilitando experimentar varias paralaxes e posições de câmera sem maiores trabalhos.

Lançados em 2009 “Coraline” de Henry Selick, captado com a técnica de stop-motion e “Monstros vs. Alienígenas” de Rob Letterman e Conrad Vernon, realizado através de animação digital, são exemplos do casamento de técnicas digitais com a estereoscopia (é importante observar que em “Coraline” somente a pós-produção é digital – o que incluí cenas de paralaxe negativa). Apesar de alguns diretores não apreciarem a estereoscopia em suas obras[1], nos últimos anos parece evidente que a estereoscopia chegou a um novo ápice, com o lançamento de quase todas as grandes produções se utilizando deste tipo de visualização.

5. Conclusão

Na história da animação observa-se que esta forma de arte tem certa facilidade em conviver com o irrealismo, em contraponto ao cinema convencional, no qual a impressão de realidade tende a ser bem mais comum. Este irrealismo pode ser identificado na facilidade que a animação parece ter em suspender, manipular, subverter ou desafiar leis e convenções do mundo como o conhecemos. Porém a animação sempre buscou por uma representação que se assemelhasse mais a percepção humana, mesmo que esta fosse posteriormente subvertida ou essa tendência ao irrealismo buscasse formas de instigar e emocionar como o cinema convencional faz. E a estereoscopia foi a forma encontrada para se trabalhar com mais verossimilhança a profundidade, ganhar novos campos de representação e levar de volta as plateias para a sala de cinema.

A aplicação estereoscópica não é uma novidade técnica, pois conta com mais de 180 anos de exploração e esteve presente no cinema e na animação ao longo de sua história. É importante o conhecimento de suas obras para que possamos conhecer e compreender sua aplicação. Muito já foi explorado e parte de sua linguagem está baseada em fortes alicerces.

O cinema estereoscópico ganhou novo impulso nas últimas duas décadas, ultrapassando em número de produções o boom da década de 1950. Esse novo entusiasmo da indústria cinematográfica em elaborar filmes para exibição estereoscópica, bem como o crescente número de salas de exibição digital que incorporam esta tecnologia, colocam o tema em evidência mais uma vez. E um olhar acerca de seu desenvolvimento ao longo da história, assim como as especificidades técnicas e de linguagem da estereoscopia e da animação se faz necessário.

Bibliografia

ADAMS, G. O passe de mágica do turismo fantástico: o sistema de viagem estereoscópica de Underwood & Underwood. Anais do XXIV Congresso Brasileiro da Comunicação. Campo Grande, MS. Setembro de 2001. Disponível em: <http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4646/1/NP7ADAMS.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2007.

ANDRADE, L. A.; Difusão de Filmes Estereoscópicos. Revista RUA – Especial 1 – A Era Digital e seus Desdobramentos Estéticos. ISSN 1983-3725. Disponível em: http://www.ufscar.br/rua/site/?p=657 em 19 de setembro de 2011.

FOUNTURA, F. N. F. Estereoscopia – Curso de Especialização em Informática com ênfase em internet e aplicações de ensino. Universidade Católica de Pelotas. 2001.  Disponível em <http://atlas.ucpel.tche.br/~magic/compgraf/estereoscopia.html>. Acesso em 18 de Janeiro de 2012.

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Coraline. Henry Selick. E.U.A.: Focus Features, 2009.

Hick Hipnotic. Don Patterson. E.U.A.: Walter Lantz Produtions, 1953.

In Tune with Tomorrow. John Norling. E.U.A.: Polaroid, 1953.

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Monstros vs. Alienígenas. Rob Letterman e Conrad Vernon. E.U.A.: DreamWorks, 2009.

Motor Rhythm. John Norling. E.U.A.: Polaroid, 1953.

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Popeye, The Ace of Spades. Seymore Kneitel. E.U.A.: Paramount, 1953.

Shrek 4-D. Simon J. Smith. E.U.A.: DreamWorks, 2003.

Starchaser: The legend of Orin. Steven Hahn. E.U.A.: Young Sung Productions, 1985.

The Power of Love. Nat G. Deverich e Harry K. Fairall. E.U.A.: Haworth Pictures, 1922.


[1] Como exemplo, o diretor Chris Nolan afirmou não aprecia a estereoscopia em seus filmes

<http://screenrant.com/christopher-nolan-3d-batman-3-dark-knight-rises-rob-95386/>

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