Reencontrando a Felicidade (John Cameron Mitchell, 2010)

Samuel Douglas Farias Costa*

Cartaz do filme "Reencontrando a Felicidade".

Famoso por seus filmes polêmicos que abordam questões de gênero e sexualidade (Hedwig – Rock, Amor e Traição e Shortbus) o diretor estadunidense John Cameron Mitchell opta por um outro caminho em Reencontrando a Felicidade, e o resultado não deixa a desejar, o filme é uma bela obra com harmonia de seus elementos. O dificílimo tema da perda e de como conviver com ela, no caso do filme, de um filho, é tratado de forma delicada e pouco a pouco somos inseridos no clima melancólico que impera durante todo o filme. Com uma péssima adaptação para o português, o título brasileiro é superficial e sua versão original (Rabbit Hole) vem a ser muito mais original e interessante para este ótimo trabalho de Mitchell que conta com dois pontos fortíssimos, as atuações e o roteiro.

A trama do filme se desenvolve ao redor do casal Becca (Nicole Kidman) e Howie (Aaron Eckhart) que perderam um filho de 4 anos de idade em um acidente à oito meses atrás. A perda fez com que surgisse um imenso distanciamento entre o casal, ambos sofrem, mas cada um busca uma forma diferente de lidar com a dor dessa tragédia. A princípio ambos participam de um grupo de casais que passaram por experiências parecidas, mas o que não funciona na medida em que Becca não suporta ficar ouvindo os discursos religiosos e a respeito de Deus como uma forma de superar a dor da perda. Becca tenta se desfazer de tudo o que pertencia a Danny (seu filho) como uma forma de fugir e esquecer do que aconteceu e Howie ao contrário tenta passar por isso recordando do filho através de vídeos entre outras coisas que evocam lembranças dele. Para tornar essas relações mais complicadas ainda Izzy (Tammy Blanchard), irmã mais nova de Becca, está grávida e Nat (Dianne Wiest), a mãe das duas, tenta ajudar a filha mais velha, mas acaba deixando-a chateada quando compara Danny com Arthur, seu filho que morreu aos 30 anos idade com uma overdose.

Cena do filme "Reencontrando a Felicidade".

Um filme muito difícil de realizar e assistir por conta de seu tema delicado. O seu ápice está na incorporação dos personagens pelos atores e na forma como o roteiro desenvolve a trama. Nicole Kidman está espetacular em um papel que merecidamente a levou a indicação do Oscar de melhor atriz deste ano. Sua personagem oscila entre força e fragilidade e é de uma intensa complexidade psicológica que ela consegue transmitir seja com lágrimas, olhares, movimentos ou a simples forma de falar. Destaque especial também para Dianne Wiest que rende cenas incríveis com Kidman. Não há ator no filme que esteja fora de sintonia, devemos mencionar também os ótimos trabalhos de Aaron Eckhart, que consegue transmitir toda a sensibilidade que o papel exige, da belíssima Sandra Oh, que interpreta uma das frequentadoras do grupo de casais, e do novato Miles Taller em um papel nada fácil. Jason, o personagem deste último, estava envolvido no acidente que tirou a vida de Danny, depois de oito meses voltar a se encontrar com a mãe do garoto que morreu naquela tragédia pode ser um caminho para lidar com esse peso em sua vida. E Taller da conta do recado ao interpretar com Kidman uma relação pura e sincera. O título original, Rabbit Hole, se refere a uma história em quadrinhos criada por Jason, o tema é um filho que procura pelo pai em universos paralelos.

Em harmonia com as atuações, o roteiro de David Lindsay-Abaire é baseado em uma peça sua e é genial por nos aproximar dos personagens através do cotidiano e de certo suspense sobre o que vem pela frente. Vemos personagens em contrastes e por mais que cada um sofra de uma maneira, nenhum é capaz de saber exatamente o que o outro sente, o que não impede que eles compartilhem sentimentos. (Modafinil) Seria um equívoco pensar que esta é apenas uma história triste e pessimista, pois nela há um caminho que segue em direção para valorização das relações humanas, é delas que vem a força para conviver com essa dor, que nunca será esquecida. Há também alguns pequenos clichês que já vimos em outros filmes sobre o tema como nos ótimos 21 Gramas (2003) de Alejandro González Iñárritu e Marcas da Vida (2006) de Andrea Arnold, mas o final foge de qualquer clichê e conclui como uma ótima obra cinematográfica que está fora dos padrões do cinema norte-americano.

Cena do filme "Reencontrando a Felicidade".

Por fim temos um filme que junta belas atuações, um ótimo roteiro, uma fotografia em tons frios e sépia e mais a trilha sonora que completam o ar melancólico, e o resultado é um excelente trabalho. A reflexão que o filme nos proporciona de que por mais que passemos por experiências parecidas nós nunca sabemos exatamente o que o outro sente, é primordial acima de tudo por mostrar que nós não conhecemos por completo a dor do outro, mas ao buscar nos compreendermos, partilhamos de sentimentos essencialmente humanos.

*Samuel Douglas Farias Costa é graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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