Salve Geral – O dia em que São Paulo parou…

“paz, justiça, liberdade!! (em coro)”

A franca inércia da continuidade temática na cinematografia nacional não está – aparentemente – para ser quebrada nos anos que se seguem. Para 2010 espera-se o lançamento de ROTA Comando – um paralelo paulista ao BOPE carioca (como em um déjà vu também baseado em relatos de um PM) – e Salve Geral – dirigido por Sérgio Rezende (que conta em sua extensa filmografia com Zuzu Angel e Guerra de Canudos); ambos dando seguimento a abordagem sobre criminalidade e segurança pública dada no sucesso de bilheteria Tropa de Elite de José Padilha. Segue na mesma discussão apresentada pelas películas o seriado 9 MM São Paulo, produzido pela FOX em parceria com a Moonshot Pictures. Diante deste quadro torna-se nítida a continuidade do sucesso do caos urbano sob a ótica polícia-bandido. É fato que trata-se de um bom investimento, com certezas de retorno de público, lucro e premiações, tanto para a esfera televisiva quanto para as salas de cinema.

Sérgio Rezende soma aos atrativos a autenticidade de uma intenção, aponta Salve Geral como “uma história brasileira”. Arremata ao dizer que “o nosso cinema é mais forte quando fala da própria realidade, [que] isso já é uma questão estabelecida”. Se a espetacularização de nossa desastrosa segurança pública tem sido interessante como instrumento de emancipação crítica aos espectadores tenho dúvidas, por vezes esta acaba por estimular entre o próprio público a admiração por grupos de extermínio ou pela ilegalidade (basta recorrer à ambigüidade herói-bandido do BOPE de Padilha). Na visão de Rezende sobre nosso caos, protagonizará o PCC, mais especificamente no fim de semana do Dia das Mães de 2006, que resultaram em um saldo de pelo menos 152 mortos. O evento é apresentado através de Lúcia, uma professora de piano (Andréa Beltrão) cujo filho passa a viver a realidade carcerária assim como os eventos do fim de semana sangrento.

As filmagens, já iniciadas, têm em Paulínia considerável parcela das locações utilizadas. O recente pólo cinematográfico do interior paulista servirá Sérgio Rezende com até três mil figurantes. E foi por morar no município que pude tomar conhecimento da realização do filme.

Fui chamado para participar da figuração, a convocação foi rápida, em poucos minutos sabe-se o local, cachê e as roupas que levar. A instrução foi de não cortar as unhas, não fazer a barba, nem cortar o cabelo. Ao chegar eu estava entre outros cento e cinqüenta figurantes, ou algo próximo. Muitos, assim como eu, nem sabiam de que filme se tratava, especulavam-se tema e atores, alguns falavam da participação da Vera Fischer. Aos poucos fomos descobrindo em que estávamos envolvidos, imaginando ser algo bastante familiar aos filmes nacionais recentes (a julgar por nossas roupas e pelas recomendações).

Durante os dois dias de figuração foram filmadas cenas de um presídio em rebelião. O local adaptado foi uma antiga fábrica desativada. Logo fomos apresentados a uma permissão para uso de imagem (a ser assinada por cada um), um pão com mortadela e café para ficarmos prontos antes das primeiras instruções. Depois de satisfeitos fomos separados em grupos por alguns critérios (tatuagem, altura, cor, traveco (?!), por exemplo) para acertar a disposição dos figurantes em cena. Passamos pelo figurino, maquiador e então seguimos para o set.

As primeiras recomendações foram simples: “provocar o personagem que entra em cena, chamar de princesa, colocar a mão pra fora da cela, fumar um cigarro, mas nada muito chamativo”. No terceiro treino antes da filmagem já estávamos famialirizados com a cela, alguns pendurados nela, outros negociando o cigarro que nos deram (quem esperava um Eight recebeu Marlboro Vermelho), um imitava o Pato Donald enquanto o Sérgio Rezende falava, outros foram expulsos. Em determinado momento juramos lealdade ao PCC, gritando em coro “paz, justiça e liberdade!”.

É nóis! (foto seguida de represália da equipe de direção)
É nóis! (foto seguida de represália da equipe de direção)

No fim tudo ocorreu bem e no prazo, até mesmo a filmagem de um incêndio dentro da cela (o que fez a produção mobilizar previamente uma ambulância e o corpo de bombeiros). Fomos então pagos, cem reais, cinqüenta por cada dia, sem despesas com alimentação.

Pude perceber enquanto estive lá que o filme roteirizado por Sérgio Rezende e Patricia Andrade apresentava uma extensa equipe técnica, cerca de oitenta pessoas divididas nas mais variadas funções. Também notei a didática de Sérgio, sempre muito calmo nas instruções, deixando a cargo da equipe a postura disciplinar com os figurantes. Ficou notável ainda a preferência pelo uso de atores teatrais de São Paulo na composição do elenco, dentre eles Paschoal da Conceição (que interpretou Mario de Andrade na minissérie global Um só coração) e Lee Thalor (que faz o papel de Rafa, filho de Lúcia).

O orçamento previsto em R$ 8,5 milhões deve ser aplicado até o fim de 2009 com o término das filmagens. Até lá ficam as expectativas em relação ao filme, que promete abordar o funcionamento do sistema criminoso e os mecanismos responsáveis pela ocorrência dos atentados em São Paulo a partir do viés do cárcere.  Espera-se que com a abordagem de um evento recente seja continuada uma discussão aparentemente amansada nos anos que seguiram os atentados. Desde então não testemunhamos investidas similares do PCC, no entanto o mesmo se fortalece diariamente inserindo-se dentro do sistema através de mecanismos legais marcados até pela candidatura de deputados comprometidos com os interesses da facção. Fica a espera de um filme que não nos retribua com lugares comuns já observados em demasia em muitos filmes recentes sobre nossa realidade, nosso caos urbano, e principalmente que tenha um caráter mais emancipativo do que de espetáculo da criminalidade.

Pedro Marcondes é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos.

BIBLIOGRAFIA:

(Salada Cultural)

http://www.saladacultural.com.br/arte/web2/view.cfm?cs=12&cn=2096

(Entretendo)

www.entretendo.com/salvegeral-o-dia-em-que-sao-paulo-parou-abordara-ataques-do-pcc/

(Caso de Polícia)

www.casodepolicia.com/2008/05/08/surto-policial-nas-telas/

(CinePlayers)

www.cineplayers.com/filme.php?id=5196/

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