Sinédoque, Nova York (Charlie Kaufman, 2008)

O mundo está doente

Para um filme esquizofrênico, interpretações múltiplas:

1) Passando à realização, Charlie Kaufman, um dos únicos roteiristas a respeito do qual os teóricos cogitam atribuir a ideia de autoria de um filme, quis provar que suas ideias falavam por si próprias, que sua “marca registrada” de escritura se transmitiria automaticamente para as telas. Pois não se transmitiram. Sinédoque, Nova York seria uma grande prova de que a direção não é só “uma ideia na cabeça”, mas um bom conhecimento de ritmo e de linguagem cinematográfica. Perto de diretores como Spike Jonze e Michel Gondry, ambos conhecidos pelo ritmo e pelo tratamento visual de elementos pop, as imagens deprimidas e deprimentes do Kaufman diretor asfixiam, por seu ritmo monótono, a sucessão vertiginosa de idéias que ele propõe;

2) Talvez Charlie Kaufman tenha pensado que esta chance de direção era única, e resolveu incluir numa obra só todos os questionamentos humanos que lhe interessam. O problema é que todas as questões humanas lhe interessam. Coisas um tanto complexas como o amor, o ressentimento, o luto, a crise do sujeito contemporâneo, o individualismo, o envelhecimento, a metalinguagem, a função da arte, a família e a religião figuram na história. O resultado é uma obra histérica e depressiva ao mesmo tempo, algo incômodo como assistir à sessão de psicanálise de um homem antipático que não se conhece muito bem. Logo se percebe que todas as pessoas ao redor também são tristes e dodóis, e que talvez seja o realizador e seu roteiro que as perceba assim. Triste, triste, o mundo é triste.

3) Existe um grande peso em filmar seu próprio roteiro, principalmente quando ele já foi filmado antes, por outras pessoas – e que os resultados foram bons. A responsabilidade que paira sobre o diretor faz de Sinédoque, Nova York uma obra com objetivo de ser mais Kaufman que as outras Kaufman. Consequentemente, o que já era intenso e surreal nos outros filmes é aqui mais intenso e mais surreal, ao limite do insuportável. Se não se conhecesse a seriedade do projeto (participação no festival de Cannes, elenco de peso etc.), poderia se dizer que Kaufman se arriscaria numa auto-paródia, num (bem-vindo) teste de seu sistema narrativo tão pessoal.

4) Se o pequeno filme americano-independente-depressivo-sobre-o-vazio-do-homem-moderno nasce nos anos 90, ele morre com Sinédoque, Nova York. Este filme engloba Juno, Pequena Miss Sunshine, O Balconista e todos os outros em que tipos solitários e estranhos se encontram e aprendem a viver juntos. Charlie Kaufman os fagocita e faz de sua sinédoque tanto um manifesto quanto um assassinato do gênero. Impossível conceber mais filmes assim após Synédoque; toda outra tentativa será uma cópia ou uma citação. Para o bem ou para o mal, Kaufman matou esse gênero agridoce pelo excesso. Testou – e atingiu – os limites.

5) Talvez Sinédoque, Nova York seja um filme bom. Talvez, através dessa auto-destruição, desse excesso enlouquecedor de ações, de personagens, de doenças, de mortes e demais tristezas, Charlie Kaufman consiga dizer algo sobre o ser humano. Talvez.

Bruno Carmelo é graduado em Cinema pela Faap e mestrando em Teoria e Crítica de Cinema na Universidade francesa Sorbonne Nouvelle

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem um comentário

  1. Author Image
    Sara

    não sei porque tanto odio ao filme. talvez o tenha assistido em um dia de demasiada felicidade sem motivo…

Deixe uma resposta