Sistema de Animação (Guilherme Ledoux e Alan Langdon, 2009)

Viver da música não é fácil, difícil é viver sem ela.

Toucinho

O nome pode soar estranho e até mesmo curioso. O que será Sistema de Animação? A resposta acaba vindo ao longo do documentário, dirigido por Guilherme Ledoux e Alan Langdon no ano de 2009, um dos selecionados da 12ª Mostra de Tiradentes. O longa concentra-se na figura de músico Lourival José Galiani, mais conhecido como “Toucinho”. Exímio baterista, Toucinho é natural de Santa Catarina e já tocou com vários artistas famosos, dentre eles Fafá de Belém e Originais do Samba. A figura de Toucinho é o centro do filme, que busca de alguma forma revelar a identidade deste homem, e assim mostrar para o grande público quem é Toucinho Batera. A obra, portanto, já parte dessa premissa de que, embora ele seja um grande artista, é uma figura pouco conhecida no cenário nacional, sendo uma exceção o conhecimento de sua pessoa por músicos, bateristas e fãs. Essa consciência de que José Galiani é um grande artista, porém desvinculado de fama e dinheiro, é o que norteia todo o documentário, de forma que os diretores vão construindo a imagem de Toucinho deixando que ele próprio se apresente no decorrer do filme.

Esse artifício pode ser percebido logo no início da Sistema de Animação. Ao invés de mostrar o músico logo de cara, é criado um clima de suspense, onde são entrevistados alguns músicos amadores, e assim feita a pergunta: “Você conhece Toucinho Batera?”. E na maioria das vezes a resposta é negativa. Todos nós ficamos curiosos, então, para saber quem é esse homem. Em seguida, ainda não somos colocados frente a frente com o catarinense, mas sim com outros músicos, amigos e admiradores de Toucinho, que vão contar um pouco de sua história, desde a sua adolescência, a origem do apelido, alguns episódios de sua vida e depoimentos sobre a qualidade de José como artista. É um momento de contraponto; primeiro vemos pessoas que não sabem muito bem quem é o músico, e logo após, músicos que o conhecem muito bem. Mas ainda não vimos o próprio Toucinho.

Finalmente ele aparece na tela e matamos nossa curiosidade, mas ficamos admirados também, porque talvez estivéssemos esperando um rock star com pinta de metaleiro, porém o que vemos na tela é um cara despojado, falante e cheio de energia, entretanto, ao mesmo tempo, sem nenhum estereótipo de músico bem sucedido. Logo percebemos o porquê do suspense inicial; Toucinho realmente é uma figura e tanto. Fala muito sobre música, filosofa o tempo todo, e sentado em sua casa, toca um pouco (muito!) de bateria, divertindo-se e contando suas histórias. A partir desse momento, o filme começa a tomar ritmo, intercalando imagens de arquivos, falando da importância que foi o baterista Nenê na vida do protagonista e em todo o seu processo de criação musical, e mostrando cenas dele se apresentando em bares e casas noturnas, tudo, claro, com muita música e diversos depoimentos dele; é quase como se estivéssemos ouvindo um solo de bateria, que vai aumentando o ritmo e se tornando mais empolgante.

É assim, um sistema de animação...
É assim, um sistema de animação...

Há seqüência bastante interessantes em que ele “canta” o som da bateria, ritmando e compondo uma melodia, e assim Toucinho explica isso para a câmera. Logicamente que para quem não entende de música parece ser muito difícil tudo que o homem está falando, mas para o músico tal ato está fazendo todo o sentido, e provavelmente ele nem pense mais para tocar tudo aquilo; já é algo que faz parte de sua vida. E paralelamente à música, Toucinho filosofa o tempo todo a respeito da vida, conta de casos amorosos, porque ainda está sozinho, dizendo que já perdeu vários amigos e afins. E logo soa que tudo acaba em música; no fim das contas, ele estará sempre tocando uma música boa, não importa qual, desde que seja boa.

Uma seqüência muito importante é uma em que o baterista está voltando de um show e o carro não pega. Ele então tenta fazer a bateria do carro funcionar, mexendo nesta, fazendo-a assim voltar ao funcionamento, segundo ele, através de um “sistema de animação”. E é aí que entra o nome do filme, porque a partir desse episódio com o carro, Toucinho passa a usar a expressão citada com freqüência, e ela acaba se tornando seu jargão. Podemos entender então o “sistema de animação” como sendo a própria vida do músico. Precária, difícil, porém repleta de música; é um “sistema de animação” que funcionou plenamente para ele, porém não é uma precariedade estrutural, mas sim consciente, ele poderia ter feito sucesso se quisesse, mas preferiu viver anonimamente, tocando por prazer, para o seu prazer e dos outros, de uma forma aleatória e livre.

Quando o filme se aproxima do final, aquele cenário do início é retomado; no entanto, desta vez o espectador consegue se situar e entender que aquele lugar cheio de jovens músicos é um encontro de bateristas, no qual Toucinho é um dos convidados especiais. Vemos então o músico chegando, e logo de cara percebemos que ele está tremendamente nervoso e ansioso, parecendo até que nunca subiu num palco. Vemos o baterista andando no camarim, e a platéia esperando, com apenas alguns jovens músicos, também ansiosos para o workshop com o baterista. Quando ele entra é super aplaudido, e lógico, dá um show na bateria. É muito gratificante ver a interação entre Toucinho e os jovens músicos, havendo um respeito enorme de ambas as partes, e o importante ali é somente a música, não há conflitos de egos e, Toucinho, apesar de dominar a bateria, se mostra humilde e irreverente o tempo todo, embora nós reconheçamos ali um verdadeiro ás da bateria.

O documentário é tão espontâneo e vívido quanto o próprio Toucinho Batera, sendo esse seu maior mérito. E justamente por ser despretensiosa, a obra termina por cativar a todos pela simplicidade na qual se apresenta.

Yasmin Bidim Pereira dos Santos é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Alan Langdon

    Interessante e atenciosa resenha sobre esse filme que tive a sorte de co-realizar com o Guilherme… Foi fruto de 5 anos de muito suor e amor ao cinema e ao mestre Toucinho, e fico muito feliz de ver que deu resultado: tocando as pessoas e passando muito do que queriamos passar quando gravamos e editamos o filme. Valeu!
    http://www.SISTEMAdeANIMACAO.com.br

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    Ledoux

    É isso aí Alan !
    Sempre escreves múito bém, então prefiro deixar assim mesmo !!!!
    Só te digo uma coiza ! Não te digo nada !
    Múita alegria !!!
    Abraço do Guilherme Ledoux.

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