Stacraft II – Wings of Liberty (Blizzard Entertainment, 2010)

Imagem do jogo "Starcraf 2 - Wings of Liberty".

Considerado como um dos melhores e mais influentes real-time strategy game (RTS[1]) de todos os tempos, Starcraft conquistou milhões de fãs pelo mundo com todo com sua jogabilidade e equilíbrio entre facções completamente diferentes umas das outras. O World Cyber Games, o maior campeonato de jogos eletrônicos do mundo, ainda coloca o jogo em seu repertório, mesmo após 13 anos o seu lançamento. Na Coréia do Sul, o jogo é esporte nacional.

Seu sucessor deveria possuir tudo o que o tornara tão popular e competitivo e, ao mesmo tempo, se adequar as novas regras que regem o novo mercado de games para atingir o sucesso. O resultado: não há nada de revolucionário, mas também nada para se decepcionar.

O jogo possui dois momentos de partida. Um deles é o que é chamado de Briefing Room, onde o jogador poderá explorar um pouco do universo do jogo a partir de um mini-game do estilo adventure como The Day of the Tentacle. Será possível conseguir informações sobre os personagens, missões e história do jogo através de interação com objetos e outros personagens disponíveis ali. São 3 briefing rooms diferentes: Joe Ray’s Bar, a battlecruiser Hyperion (onde se passa a maior parte do jogo) e o campo de guerra no planeta Char ( as últimas três fases). Na nave Hyperion, existem 4 lugares disponíveis para uso: Cantina, Corredor, Sala de Pesquisa e Arsenal.

Imagem do jogo "Starcraft 2 - Wings of Liberty".

O segundo momento é o jogo em si. Wings of Liberty possui 26 fases no modo campanha. Poucas delas se resumem a procurar e destruir o inimigo, com objetivos interessantes aliados a uma dificuldade consistente para oferecer desafios para jogadores de todos os níveis (embora o nível Normal seja relativamente fácil e o nível Fácil, quase imbecilizante). Essas fases também mostraram o quanto o editor de mapas evoluiu, seguindo os mesmos esquemas que fizeram o editor de mapas de Warcraft 3 sustentar o jogo por tanto tempo, garantindo aos jogadores controle quase total sobre a criação de mapas.  Uma das coisas mais impressionantes que esse editor pode fazer foi mostrada dentro do jogo, com o mapa-jogo “Lost Viking”, um minigame no estilo arcade, clara referência a um dos primeiros sucessos da Blizzard, disponível para jogar na Cantina da Hyperion. Falaremos mais sobre ele depois.

Pela campanha, jogadores veteranos poderão controlar unidades antigas que estão fora do jogo multiplayer de Starcraft II. O saudoso Firebat e o versátil Goliath podem dar as caras nas missões caso o jogador queira habilitá-los. Assim como essas unidades, outras características específicas para o modo campanha podem ser adquiridas no “Arsenal”, lugar onde o jogador encontrará mais um dos carismáticos personagens do jogo para buscar informações sobre as unidades, o engenheiro Rory Swan.

Diferente do primeiro, o modo campanha não é um treinamento para o modo multiplayer. Ele possui unidades diferentes, unidades com habilidades exclusivas desse modo e uso de mercenários. Para suprir essa necessidade e permitir que jogadores novatos acostumem-se com o sistema do jogo multiplayer existe o modo treinamento, onde o jogador deverá executar diversos tipos de missões e então conhecer as habilidades e fraquezas de cada unidade.

Imagem do jogo "Starcraft 2 - Wings of Liberty".

No jogo, a mesma trindade continua com suas características principais. Os terrans, humanos daquele universo, voltam com suas unidades de custos relativos, baixos pontos de vida e alto dano; os protoss, alienígenas religiosos em busca de recuperação numa sociedade dividida em duas castas, com suas unidades caras e poderosas; e os zergs, aliens insetóides governados por Sarah Kerrigan, voltam como um verdadeiro enxame de custo baixo e de rápida reposição.

O aumento da tela de jogo também garantiu uma área de combate mais ampla, junto com a mudança de tamanho das unidades. Isso mostra que agora as tropas de soldados pequenos estão mais compactas e por isso, mais suscetíveis a danos por área (o splash damage), deixando os Tanques de Cerco (parte do arsenal Terran) e outras unidades de splash um pouco mais perigosas. Esse tipo de compactação de unidades ou então aumento com algumas unidades, como no caso das naves terrans e protoss que ocupam um bom pedaço aéreo, obriga uma melhor organização das tropas do jogador para evitar ataques frustrados pelo splash damage.

As unidades do jogo contam com o sistema conhecido informalmente como “pedra-papel-tesoura”, uma espécie de sistema onde cada unidade possui uma vantagem e uma fraqueza contra certos tipos de unidade. Em Starcraft é adotado o sistema de soft counter pelos tipos de dano e armadura. Isso significa que existe uma vantagem ou desvantagem considerável para cada unidade dependendo de tipo de armadura que ataca. O sistema paper-rock-scissor com soft counter cria um ambiente dinâmico de combate, onde o jogador precisa escolher a sua tropa para melhor se adequar a sua estratégia e evitar contragolpes.

Imagem do jogo "Starcraft 2 - Wings of Liberty".

Algumas unidades possuem habilidades especiais. Todas as unidades terrestres zergs possuem o burrow (enterrar), que os permite se esconder embaixo da terra, ficando imperceptíveis sem o uso de detectores ou radares. O Ultralisk, antes uma unidade usada mais para afugentar novatos, se tornou mais útil (ou pelo menos usável) com seu dano por área e agora, burrow. O Infestor, nova unidade, possui um recurso inteligente: ele pode se mover mesmo enterrado, como se fosse a versão de invisibilidade zerg, habilidade inexistente para essa raça.

Os terrans continuam com seu alto grau de micromanagment[2] por causa das várias habilidades de suas unidades (sejam eles os stimpack do marine ou Yamato Gun da Battlecruiser). Eles também receberam uma grande ajuda no que se diz respeito a ataque surpresa com a adição de unidades como o Reaper (que consegue mudar de um terreno baixo para um alto simplesmente pulando) e a nave Viking, estrela do minigame “The Lost Viking” que pode se transformar em um robô para ataques terrestres. Mesmo com adições mais móveis para ataque, os Terrans ainda sofrem um pouco com mobilidade e locomoção de tropas.

Os protoss ganharam força ofensiva. O caro Colussus e a volta do Archon garantem um bom poder de fogo, mesmo com a ausência do Reaver. A chegada do Immortal com sua habilidade Blink (pode se teleportar por curtas distâncias) garante grande mobilidade a essa unidade e a torna tão atraente quanto seu antecessor, o Dragoon.

Eles também ganharam a Mothership.

O gerenciamento de recursos se resume à mesma economia do antecessor, com pequenas mudanças. Construtores agora coletam 5 pontos de mineração e não mais 8 como antigamente, mas o fazem mais rápido. Existem os minerais dourados chamados de “high-yield minerals”, onde se coleta 7 pontos de minerais. Para aumentar ainda mais a necessidade de controle territorial, existem os radares, dispositivos indestrutíveis do mapa que garantem uma boa área de visão para o jogador que controlar (possuir pelo menos uma unidade ou construção próximo).

O jogo segue-se em sua maior parte como um filme western. Jim Raynor, personagem principal da campanha, fora um delegado tempos atrás, mas o jogo nunca o deixa sair dessa vida. É impossível dissociá-lo de seu antigo posto com tantas referencias espalhadas pelo jogo. Sua insígnia de xerife de Mar Sara está presa no balcão da cantina da Hyperion e existe um jukebox muito antigo no mesmo local que só toca músicas country ou clássicos como “Sweet Home Alabama” da banda Lynyrd Skynyrd (que inclusive é trilha sonora de uma das cutscenes do jogo). Até os próprios cutscenes[3] do jogo utilizam com freqüência músicas com a temática western como trilha sonora.

Não há espaço para coisas pequenas no jogo. Raynor tem como objetivo destruir a Supremacia do autoproclamado Imperador Mengsk, algo que ele mesmo ajudou a criar. Ele carrega consigo a angústia de ser um fantoche nos planos de Mengsk e até da própria Kerrigan, o monstro psiônico zerg, que Jim acredita ter sido sua culpa a transformação dela para essa forma vilanesca.  Em todas as fases as do jogo ele não se mostra ser um gênio político ou um grande pensador, mas compensa isso com esforço e conhecimento militar. Seu papel como “o único cara bonzinho em todo universo” ainda agrada muito.

Os antagonistas continuam vilões que adoramos odiar. A adição do filho de Mengsk, Valorian, só nos faz pensar que arrogância e chatice são hereditárias.  Kerrigan continua poderosa e temida, mas mostra-se um pouco conformada com as descobertas que fez ao longo do jogo, mesmo ainda querendo a extinção de todos os seres do universo e perfeição da evolução zerg.

Fora do jogo, temos o chamado de Galaxy Editor, editor de mapas do Starcraft II. As possibilidades oferecidas para a criação de mapas vão desde jogos PvP[4] ou Co-op [5] comuns, até jogos muito bem elaborados como tower defenses [6]ou até similares ao DotA[7] (Defense of the Ancients), famosíssimo mapa de Warcraft 3.

Podemos ver que o editor oferece um sistema para mudanças do controle do jogo (para mouse ou eventualmente teclado), adição de skins para modelos 3D, inserção de áudio, modificação ou mesmo criação de novas habilidades e possibilidade de várias alterações de características do jogo. Com todas essas ferramentas, quanto tempo demorará para que um fight game apareça?

Starcraft II também gerou certa polêmica. O anúncio do seu lançamento gerou dúvidas sobre a da qualidade do jogo.  A descontinuidade do projeto Starcraft: Ghost, o que viria ser o primeiro FPS[8] da Blizzard gerou certa polêmica, pois se via assim uma empresa em total apoio ao MMORPG[9] World of Warcraft e no esquecimento de outros títulos de sucesso, pois é sabido que essa empresa é famosa pela pequena quantidade de títulos lançados. Com Diablo II também esquecido e as novas expansões contínuas de WoW, as promessas de um Starcraft II muito bom não pareciam valer nada.

Essa dúvida cada vez era sanada com as noticias e eventos promovidos pela Blizzard, nos quais informava as características do jogo, novas unidades e até mesmo detalhes da storyline.  A decisão de lançar o jogo em três partes não agradou os fãs, mas pelo menos até agora a empresa mostrou transparência em suas ações. Logo depois de Wings of Liberty, serão lançados a campanha zerg, The Heart of the Swarm e por fim, a campanha Protoss “Legacy of the Void”. Analizando os títulos passados, as próximas duas partes corrigirão diversos problemas do jogo, adicionaram novas unidades e novos implementos  para o editor de mapa.

Imagem do jogo "Starcraft 2 - Wings of Liberty".

Dessa vez, a Blizzard levou em conta território brasileiro. Junto com o lançamento do jogo, um Server totalmente dedicado ao Brasil criado num escritório da empresa em nossas terras foi criado para atender essa demanda. Em muitos outros países a mesma estratégia foi adotada. O problema disso foi a restrição regional: jogadores de países diferentes não podem jogar juntos numa mesma partida.

A Blizzard também ofereceu suporte para cada país em sua língua. Tempos atrás, uma versão do Starcraft I, lançada aqui no Brasil pela Ubisoft, tinha todo seu conteúdo traduzido e dublado. O resultado foi péssimo.

A tradução: frases mal traduzidas, muitas delas expressões traduzidas ao pé da letra, frases inconsistentes e um descaso completo com todo o universo em que o jogo se manifestava. A dublagem também não ficava para trás no que se diz respeito em decepcionar: com uma direção muito ruim, transformaram o som do jogo em um desafio a ser ouvido.  Jim Raynor não era mais o bad boy que era na versão original; os Protoss não possuíam seu ar místico e exótico, pareciam seres pomposos sem muita profundidade, banhados em tratamentos sonoros ruins; umas das poucas boas escolhas de dublagem foi para o Edmund Duke, o general da Confederação.

Starcraft II jogou (quase) tudo isso no ralo.

Com exceção da unidade Terran Demolidor (com frases como “Vem sentir o meu amor”, uma tradução da fala “Gotta whole lotta Love”, da música do Led Zeppelin), todas as unidades terrans apresentam uma boa caracterização na voz. Pérolas impagáveis como o Marine (na versão brasileira, o Soldado) dizendo “Quem quer levar porrada?” ou “Tá afim de treta, moleque?” e boas dublagens feita por Tatá  Guarnieri como Jim Raynor e Leonardo Camilo, dublador de Arcturus Mengsk. Os protoss ainda sofreram um pouco com a dublagem, pois as escolhas de dublagens não foram muito boas.

A experiência multiplayer é empolgante. O jogador coleta pontos para passar de rank e então ter oportunidade para jogar contra jogadores do mesmo nível e pode também completar todos os Achievements[10] (ou então Realizações na versão brasileira). O chat parece bem mais organizado, assim como a Lista de Amigos. O servidor também está confiável.

Starcraft II é, no fundo, o Starcraft de 1997 transcrito para 2010: online, cinematográfico e muito realista. O mesmo grau de estratégia é encontrado, mas dessa vez com novas táticas devido aos vários novos implementos, sejam eles unidades novas ou pequenas mudanças nas características básicas. Não tem uma história genial, mas pelo menos é envolvente o suficiente para garantir horas incessantes em frente ao computador.

Paulo Padoveze de Carvalho é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).


[1] Real Time Strategy: estilo de jogo de estratégia que não é determinado em turnos e é jogado pelos participantes simultaneamente. Normalmente se utiliza de combates entre unidades e numa economia de extração de recursos.

[2] Necessidade de controle do jogador a cerca de pequenos detalhes do jogo (uso de habilidades ou movimentação de tropas). Comum em jogos de estratégias.

[3] Um pequeno vídeo que se inicia quando o jogador alcança determinado objetivo.

[4] Player versus Player. Sistema de jogo onde os participantes jogam entre si.

[5] Cooperative. Sistema de jogo onde os participantes jogam contra uma Inteligência Artificial inimiga.

[6] Estilo de jogo, onde o jogador deve impedir eu as unidades inimigas cheguem até determinado lugar, construindo unidades defensivas.

[7] Defense of the Ancients. Famoso mapa de Warcraft 3, onde cada jogador controla um herói. O objetivo é destruir o monumento da facção inimiga, evoluindo o personagem e destruir as tropas adversárias para coletar recursos para comprar itens.

[8] First Person Shooter. Game de ação onde a câmera de jogo está na visão do personagem que o jogador controla.

[9] Massive Multiplayer Online RPG.

[10] Sistema determinado de feitos que possam ser realizados pelo jogador. Não é necessário completá-los para continuar com o jogo, mas usualmente garantem vários pequenos troféus como novas fotos para o profile do jogador ou simplesmente pontos.

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Este post tem um comentário

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    Felipe Jannuzzi

    Belo texto Paulo. Não vejo a hora de jogar!

    abraços

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