Arthur Souza Lobo Guzzo*
É bastante comum nos depararmos com cineastas que fazem referências a outras obras cinematográficas em seus filmes. Em alguns casos, as homenagens vão além da simples citação, na medida em que conceitos, idéias e até mesmo cenas de clássicos são aproveitados, ao mesmo tempo em que se tem uma trama original e bem estruturada. É claro que nem sempre funciona adequadamente, pois a tarefa não é simples. Quentin Tarantino é um bom exemplo do que se pode fazer quando se tem: (1º) grande vontade de prestar tributo a certos gêneros/cineastas/filmes; (2º) um conhecimento enciclopédico sobre os mesmos e, é claro; (3)) a habilidade em saber afinar todos esses componentes para que seja criado algo vibrante e novo. Com Rango (2011), talvez seja possível dizer que Gore Verbinsky conseguiu achar o ponto certo, pois trata-se de uma bem-vinda homenagem ao gênero Western, com uma história interessante, atuações cativantes (sobretudo a de Johnny Depp) e uma miríade de referências para testar o mais ardoroso cinéfilo, as quais não se limitam apenas aos westerns.
Comecemos pelo próprio Rango (tributo a Django, personagem principal de um dos filmes mais famosos do gênero Western Spaghetti), um camaleão que se pensa um ator. Sua avidez por contar histórias e por interpretá-las efusivamente dá o tom para o filme todo, permitindo, além das piadas, inúmeras oportunidades para que o cinema seja reverenciado. Quando seu vivário cai do carro de seu dono, em uma estrada que corta o deserto, o pobre camaleão quase é devorado por um falcão, e chega a uma pequena cidadezinha nos moldes do Velho Oeste americano. A cidade enfrenta sérios problemas com falta de água, um recurso tão precioso que é tratado como moeda pelos habitantes. Após acidentalmente matar um falcão com bico metálico (assim como o vilão Silvernose interpretado por Lee Marvin no filme Cat Ballou, que tinha um nariz de metal), Rango é nomeado xerife pelo prefeito local, e se dispõe a investigar a questão da água mais a fundo, a pedido de sua nova amiga Beans. Em meio a histórias inventadas (e interpretadas), devaneios psicodélicos, meditações espirituais, autoconhecimento e confrontos com malfeitores locais (incluindo o temível Rattlesnake Jake, claramente inspirado em Lee Van Cleef, vilão icônico de filmes Western Spaghetti), a jornada de herói de Rango, ora insólita, ora profundamente impactante, leva o espectador a lugares muito incomuns em se tratando de um filme que, ao menos em uma primeira instância, tem o público infantil. Ou não. De fato, as inúmeras referências a outros filmes, as ocasionais cenas de violência que teimam em aparecer e a seriedade de alguns dos temas tratados podem não ser nem um pouco atraentes às platéias mais jovens.
Exemplos não faltam: toda a trama a respeito da água “bebe” avidamente em Chinatown (1974), de Roman Polanski, à medida que Rango tenta descobrir quem está se beneficiando da situação desesperadora da cidade. O “encontro” de Rango com a entidade conhecida como “Espírito do Oeste” – na verdade, uma versão arrojada do icônico personagem conhecido como Homem sem Nome dos filmes de Sergio Leone, que tem até um sotaque a lá Clint Eastwood – é notavelmente denso. É bem verdade que Rango é uma inegável referência ao Homem sem Nome, particularmente em Por um punhado de Dólares (Per un pugno di dollari, 1964). A trilha sonora de Hans Zimmer é uma bela homenagem a Ennio Morricone. Também é assustador perceber a semelhança de Rango com Raoul Duke, de Medo e delírio em Las Vegas (Fear and Laughting in Las Vegas, 1998) filme de Terry Gilliam baseado no livro de Hunter S. Thompson. Chama a atenção como o camaleão se parece fisicamente com a foto deformada de Duke (interpretado também por Depp) que ilustra o pôster do filme, desde os olhos grandes, que emulam os óculos escuros de Duke, até o pescocinho esquálido e torto. Aliás, Duke e o Dr. Gonzo fazem uma breve participação no filme, uma ponta certamente feita para alegrar os mais interessados em trabalhos menos populares que Depp fez, como o filme de Gilliam.
Saído da hercúlea tarefa de comandar a trilogia Piratas do Caribe, (Pirates of Caribbean, 2003-2007) Verbinsky decidiu investir em um projeto de animação, que, a julgar pelo altíssimo nível de detalhe, deve ter sido tão difícil de fazer quanto os filmes dos bucaneiros. A animação ficou a cargo da Industrial Light and Magic, de George Lucas, que estréia no ramo com um feito no mínimo impressionante. Basta pensar em um filme que tem em sua lista de referências nomes do gabarito de Sergio Leone, Roman Polanski, Hunter S. Thompson, Lee Van Cleef, Clint Eastwood, John Huston…e, em seguida, pensar que este filme é de apelo infantil. Daí a originalidade de Rango, algo digno de nota. Os filmes para crianças do passado não precisavam se encher de tanto conteúdo para atrair os adultos e marmanjos que levavam as crianças ao cinema. Rango parece trilhar outro caminho; não deve demorar a atingir um status de cult entre adultos – e não crianças – que podem então optar por apresentarem o filme aos pequenos. Ou não.
Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp
Adorei a crítica! Não gosto muito de desenho, mas “desenho para adulto” deve ser interessante!
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