TV a cabo e a recepção: um estudo qualitativo

Roseane Andrelo é Doutora em Educação Escolar pela Unesp/Araraquara, mestre em Comunicação e Jornalista pela Unesp/Bauru. Professora e coordenadora do curso de Comunicação Social da USC (Universidade do Sagrado Coração) – Bauru/SP

RESUMO

Este trabalho discute o papel da TV a cabo junto a seus receptores.  O cabo, aliado ao satélite, não mudou apenas a forma de distribuição do sinal televisivo, mas também a quantidade de canais oferecidos, a origem dos mesmos, a legislação que rege a TV a cabo, o fato de a audiência ter que pagar para ter acesso a ela e, por fim, as condutas da audiência na recepção – objeto da parte empírica da dissertação.  Com base nos conceitos de mediação e de interatividade, a recepção é vista como o momento onde se dá a comunicação e não mais como uma mera etapa do processo comunicacional. Para avaliar os impactos da TV a cabo, o trabalho realiza um estudo de audiência, com duas abordagens – grupo focal e questionário com perguntas abertas.

1 INTRODUÇÃO

A televisão brasileira, nas suas cinco décadas de existência, tem sido exaustivamente estudada, seja no que diz respeito aos produtos veiculados por ela ou nas influências que possa gerar na audiência. Contudo, apesar do grande número de estudos, sabe-se que nem o veículo nem os telespectadores são estáticos. Um exemplo claro disso é a implantação de novas tecnologias que trouxeram uma série de mudanças, não só na forma de distribuição de sinais – VHS, UHF, via cabo, satélite, microondas -, mas também nos conteúdos veiculados.

A partir do cabo – e de outras tecnologias citadas anteriormente -, muita coisa mudou no conceito tradicional de televisão. O primeiro deles é o econômico: a audiência passou a pagar para ter acesso aos canais, fazendo com que os anúncios não sejam mais a única fonte de renda para as emissoras.

Outra mudança diz respeito à quantidade de canais. Quem tinha acesso a sete canais VHF, passou a ter a seu dispor mais de 40. Essa alteração não deve ser vista apenas como quantitativa. Com todas essas opções e de posse de um pequeno aparelho chamado controle remoto, é válido pensar que os telespectadores mudaram seu comportamento frente à televisão, seja ao mudar de canal com freqüência – “zapear“- ou ao segmentar o conteúdo assistido – só filme, esporte, desenhos animados, notícias etc.

As leis que regem a TV a cabo, bastante diferentes da chamada TV aberta, também merecem ser discutidas. Elas abriram um espaço até então pouco imaginado, ao possibilitar canais a poderes legislativos, a comunidades e universidades. Com isso, ao mesmo tempo que o cabo veicula um grande número de canais estrangeiros, também abre espaço para que as cidades vejam sua gente na tela. Ao mesmo tempo que é possível assistir aos programas de auditórios franceses, também é possível ver o que as universidades locais estão produzindo.

A pesquisa que se segue trabalha não com o veículo ou com a mensagem, mas com a recepção, ou seja, com a etapa do processo de comunicação em que se recebe e que decodifica a mensagem. Vale salientar, contudo, que a recepção é vista como realização de um sujeito ativo e não de alguém que simplesmente recebe a mensagem pronta, sendo sempre um lugar de chegada e nunca de partida.

A intenção é verificar como a audiência tem interagido com a TV a cabo e com todas as alterações no conceito de televisão geradas por ela, sendo algumas delas citadas anteriormente. A noção de interação, aliás, é o norte teórico do trabalho. Como base na Teoria das Mediações, a recepção é vista não como uma mera etapa do processo comunicacional, mas como um momento onde se dá essa comunicação.

Várias questões podem ser levantadas para checar essa mudança. São elas: a possibilidade de acessar vários canais faz com que as pessoas fiquem mais tempo em frente à televisão? Com a maior parte da programação produzida no exterior, houve uma desnacionalização das informações consumidas pelo receptor? A possibilidade de acionar canais com programação especializada (música, esporte, filmes, jornalismo, etc) segmentou o conteúdo consumido pelos receptores? A utilização freqüente do controle remoto aumentou a interação entre audiência e aparelho televisor?

Como o foco do trabalho é a recepção em seus aspectos interpretativos, foi empregado como método de investigação empírica a pesquisa qualitativa, através de duas abordagens: a discussão em grupo e o questionário com perguntas abertas. Foram selecionadas 24 pessoas, assinantes da NET em Bauru, para serem entrevistadas. O número é limitado, pois não visamos generalizações sobre a audiência da TV a cabo no Brasil e sequer em Bauru, mas identificar padrões e interpretações sobre o que a chegada desta tecnologia – o cabo – alterou na forma de assistir televisão.

2. A TV E AS AUDIÊNCIAS: DINÂMICAS DA RECEPÇÃO

A audiência tem sido abordada de diversas formas pelas teorias de comunicação de massa. A ela já foi atribuído o papel de mera espectadora passiva que, embora heterogênea, recebia as mensagens de forma homogênea. Ou seja, uma mensagem teria o mesmo efeito em todos os públicos.

Essa visão da audiência talvez esteja relacionada com as próprias características da comunicação de massa que, segundo Littlejohn (1988), é preponderantemente unilateral. Matuck (1995) acrescenta que as comunicações de massa caracterizam-se por estabelecerem uma relação hierárquica entre emissor e receptor, já que poucos transmitem mensagens padronizadas para milhões de receptores.

Essas definições basearam muitos estudos sobre como as audiências eram – ou são – afetadas pelos veículos de comunicação de massa. Desses estudos, resultou uma série de teorias que muitas vezes se completam e, outras vezes, se contradizem.

De uma forma geral, conforme avalia Silva (1999), as pesquisas de recepção têm uma série de limitações. Entre elas, o fato de desprezar o sujeito como ser ativo ou mesmo de superdimensionar as prerrogativas do receptor de resistir, selecionar e interagir com a mensagem midiática.

Frente a todas as limitações encontradas nas pesquisas que trabalham com audiência, novos estudos estão reorientando a visão sobre recepção. Muitos pesquisadores têm se dedicado a descobrir o que a audiência faz com a televisão e não mais o contrário (Cogo In: GOMES, 1996).

Dentro desta linha, surge a teoria das mediações, que tem na América Latina seu berço. De acordo com esse eixo teórico, o enfoque é direcionado para as relações entre comunicação e cultura, de forma que há um deslocamento do foco exclusivo dos meios de comunicação, privilegiando as mediações próprias da recepção.

Com os novos estudos sobre recepção, a reflexão passa a ser deslocada dos meios às mediações. Essa tendência começa, mais propriamente, na Colômbia com Jesús Martín-Barbero, espanhol naturalizado colombiano.

De acordo com a teoria das mediações, os receptores não são mais guiados pelas indústrias culturais e a sociedade não é só media. Há outros dados que devem ser observados. Brittos (2000, p. 23) acrescenta, porém, que não se trata de desprezar os veículos. “A proposta é, não perdendo de vista os meios, priorizar as mediações”. O autor lembra que a comunicação é integrante da cultura, portanto deve-se valorizar a função dos meios na constituição das identidades culturais.

Para Silva (1999), a rigor, não existe recepção sem mediação. Ele define mediação como o lugar e suas condições interativas onde se produzem sentidos do processo significativo. Desta forma, entende-se que a produção de sentido não é viabilizada apenas pelas indústrias culturais, uma vez que também envolve as mediações.

O sentido é negociado, o que faz com que a comunicação implique em uma transação entre produtor e emissor. Isso porque, a recepção não é um espaço de consenso, mas de conflito “(…) entre o hegemônico e o subalterno, as modernidades e as tradições, entre as imposições e as apropriações”. (Martha Montoya apud BRITTOS, 2000, p. 26).

Na visão de Martín-Barbero (apud LOPES, 2000):

“As mediações são esse ‘lugar’ de onde é possível compreender a interação entre o espaço da produção e o da recepção: o que se produz na televisão não responde unicamente a requerimentos do sistema industrial e a estratagemas comerciais mas também a exigências que vêm da trama cultural e dos modos de ver”.

Interatividade

O presente trabalho utilizou como orientação teórica os conceitos de interação entre a recepção e os veículos de comunicação. Não necessariamente a interatividade direta, definida por Braga (2000) como aquela em que há reciprocidade entre fala e escrita dos interlocutores.

A interatividade, que muitos autores dizem não existir no discurso televisual, não toma como referência o modelo conversacional. Como sugere Braga, é necessário “afastar o modelo conversacional como base descritiva do fenômeno”. O autor admite que a interatividade mediática não é dialógica, já que não costuma apresentar reciprocidade entre interlocutores. Até porque, os interlocutores, na interatividade mediática, são afastados no tempo e no espaço. Entre eles, há os canais e os produtores.

Apesar dessas lacunas, a interatividade deve ser vista como um processo socialmente construído. “Assim, se um componente do processo merece alguma centralidade, não seria o ‘meio’, mas o ‘produto’ real, concreto, historicamente elaborado e em elaboração, nas suas estruturas”. Ou seja, o que importa é como esse produto circula na sociedade.

Braga continua: “nossa premissa básica é que, se um produto mediático é posto em circulação na sociedade, e efetivamente circula, há inevitável interatividade”. A interatividade mediática vai além da situação concreta de espaço e tempo, na qual alguém produz ou alguém utiliza o produto. Ela se desenvolve em conseqüência e em torno de mensagens diferidas no tempo e no espaço.

Isso significa levar em consideração o receptor, mas também o produto mediático e os ambientes mediatizados de comunicação. Braga propõe, portanto, um modelo de interatividade diferida, difusa. Com isso, o espaço de separação recepção/produção deixa de ser tão dramático. O que importa são pessoas e grupos interagindo em torno de produtos mediáticos.

Cabe ao emissor elaborar o produto, de forma que ele interpele, ofereça, solicite, direcione, seduza. Mas é a recepção que interpreta, responde, se apropria, contesta, seleciona ou recusa o material. A interatividade mediatizada depende de competência para interagir com os produtos – interpretação, seleção etc – competência essa que não é dada, mas construída.

A noção de interatividade é essencial para o entendimento da prática do zapping, pela qual o telespectador – de posse do controle remoto – recria o conteúdo difundido pelo aparelho televisor. Ao invés de assistir a programas inteiros, a audiência faz uma espécie de colagem visual, uma edição pessoal da programação, ao “passear” pela grande variedade de canais oferecidos pelas operadoras de TV a cabo. Machado (1995, p.113) entende que “o telespectador está aprendendo a dominar criativamente a TV e a se vingar da mediocridade que nela se instala”.

ESTUDO DE AUDIÊNCIA

Bauru, com cerca de 360.000 habitantes, está situada na região centro-oeste de São Paulo, a 325 quilômetros da capital. A cidade se destaca como polo estudantil, já que conta com seis instituições de ensino superior.

Em Bauru, o sistema de TV a cabo foi implantado em novembro de 1993, pela Multicanal (hoje, NET). O primeiro bairro a ser cabeado foi o Altos da Cidade, seguido do Jardim Estoril, Dona Sarah e outros. O motivo para escolher o Altos da Cidade como precursor do sistema pode estar relacionado às características do bairro: sua população (com cerca de 2.000 residências) e o poder aquisitivo dos moradores. Nesse primeiro momento, o investimento feito pela Multicanal foi em torno de R$ 1 milhão (BATISTA, 1996).

O sistema de cabeamento em Bauru começou por um bairro considerado de elite, mas não demorou muito para a operadora de TV a cabo enxergar em outros bairros consumidores em potencial. Em 1997, os núcleos habitacionais Mary Dota e Beija Flor representavam, juntos, 22% do total de assinantes da Multicanal em Bauru.

Em Bauru, a tecnologia utilizada pela NET é o cabo. Além dos canais estrangeiros e nacionais oferecidos pela NET, os assinantes de Bauru têm acesso à TV Legislativa e ao CNUB (Canal Universitário de Bauru). O primeiro, sintonizado no canal 10, retransmite as sessões da Câmara Municipal, além de outros programas. As transmissões da TV Câmara são completadas com programação da TV Senac e da TV Assembléia, que divulga os trabalhos dos deputados estaduais da Assembléia Legislativa de São Paulo. Há ainda a TV Preve, canal educativo transmitido também via UHF.

Método de investigação

Para verificar se houve impactos na relação audiência/televisão a partir da implantação do cabo, conforme problemática de pesquisa explicitada anteriormente, a metodologia escolhida foi a da pesquisa qualitativa, através da abordagem exploratória. Foram utilizadas duas formas de observação: a aplicação de um questionário e, posteriormente, o grupo focal que, segundo Caplan (In: DIAS, 2000), é uma reunião de pequenos grupos de pessoas que avaliam conceitos ou identificam problemas.

Segundo Minayo (1999, p. 129), “o específico do grupo de discussão são as opiniões, relevâncias e valores dos entrevistados. Difere por isso da observação que focaliza mais o comportamento e as relações. Tem uma função complementar à observação participante e às entrevistas individuais”.

Os grupos focais começaram a ser utilizados na década de 50, em pesquisas mercadológicas. A partir dos anos 80, a técnica também começou a fazer parte de várias pesquisas acadêmicas. Os objetivos variam de acordo com a abordagem. Nas pesquisas exploratórias, visa gerar novas idéias ou hipóteses, além de estimular o pensamento do pesquisador.

A reunião deve ter de 6 a 10 pessoas, sendo que o número é estipulado de forma a estimular a participação e a interação de todos. A discussão sobre o tema proposto é motivada por um moderador que, segundo Dias (2000), deve agir de forma neutra, sem introduzir idéias preconcebidas. Cabe a ele redirecionar a discussão, em caso de dispersão ou desvio do tema, estar atento às expressões gestuais dos participantes e saber interpretá-las.

Os resultados são ilustrativos e fornecem um conjunto de idéias em relação ao tópico de interesse. Ao comparar o grupo focal a outra técnica, no caso o questionário, a autora lembra que ele dá a oportunidade de as pessoas exporem seus pontos de vista de forma mais aberta e detalhada.

Amostragem e descrição

Para a pesquisa, foi elaborado um roteiro de perguntas, dividido em três partes: identificação, hábitos televisivos e opinião. A intenção foi verificar atitudes e opiniões dos entrevistados. Segundo Figueiredo e Cervellini (1996), atitude é a predisposição para que uma pessoa responda de uma determinada maneira perante uma situação. A opinião é mais ligada às crenças. Exemplo: houve perguntas sobre hábitos televisivos (atitude) e sobre o que pensam da TV a cabo (opinião).

Entre os assinantes da NET, em Bauru, dois grupos distintos foram selecionados para participar da pesquisa: um com adultos – 18 anos para cima – e outro com crianças e adolescentes – de 8 a 17 anos. Essas pessoas foram escolhidas aleatoriamente, sendo a única restrição, imposta principalmente para os adultos, foi não atuar nas áreas de jornalismo e publicidade, uma vez que poderiam ter amplo conhecimento sobre o tema em questão e, com isso, induzir a discussão.

A cada um dos participantes foi aplicado um questionário com respostas abertas, que eles responderam sozinhos, sem a intervenção do moderador. Posteriormente, foi realizada a pesquisa de grupo focal, cabendo ao pesquisador o papel de moderador. As discussões foram gravadas em fita cassete. As pesquisas com os dois grupos aconteceram em dias diferentes, em salas de aula da USC (Universidade do Sagrado Coração).

Em cada um dos grupos, a intenção foi trabalhar com dez pessoas, com características heterogêneas, tanto na formação escolar quanto na atuação profissional. Para o grupo de adultos foram convidadas 12 pessoas e para o de crianças e adolescentes, 13, sendo cerca de 20% a mais do que o número considerado ideal, levando em consideração a possibilidade de haver faltas.

O grupo focal com adultos envolveu, além do moderador e de um auxiliar, 11 participantes, a saber: um técnico judiciário de 37 anos; um atleta de 20 anos; um funcionário público federal de 46 anos; um estudante universitário de 21 anos; uma dona de casa de 71 anos; um designer de 23 anos; uma empresária de 44 anos; um consultor econômico com 60 anos; um web designer com 23 anos; uma estudante universitária com 25 anos e um veterinário com 27 anos.

O grupo focal com crianças e adolescentes aconteceu envolveu, além do moderador e de um auxiliar, 13 participantes, sendo nove do sexo feminino: uma de 17 anos, seis de 16 e uma 15 anos (todas estudantes do ensino médio) e uma garota de 9 anos, matriculada na 3ª série do ensino fundamental. Dos participantes do sexo masculino: dois de 17 anos e um de 15, todos alunos do ensino médio, e um menino de 8 anos, matriculado na série inicial do ensino fundamental. Dos entrevistados, apenas um trabalha – é homem, tem 17 anos e atua como web designer.

Interpretação

Conforme já foi explicitado anteriormente, as duas técnicas de pesquisa empregadas – tanto a aplicação do questionário quanto a entrevista de grupo focal – foram planejadas à luz do norte teórico que rege o presente trabalho. Ou seja, o telespectador é visto como um sujeito ativo e não como alguém que simplesmente recebe a mensagem pronta. Resgatando a Teoria das Mediações, a recepção deixa de ser vista como uma mera etapa do processo comunicacional para ser analisada como o momento em que se dá a comunicação.

Entre adolescentes e adultos, depois da TV, outra importante fonte de informação é a Internet. Muitos disseram que não gostam de ler, embora haja quase um consenso de que jornais e revistas, segundo eles, informam “melhor”. Mesmo que à televisão seja destinada boa parte do tempo em que as pessoas ficam em casa, ela não ganha uma dedicação exclusiva. Das 24 pessoas, 19 contaram desenvolver outras atividades enquanto assistem à televisão.

O fato de a TV ocupar um local central na casa não significa, necessariamente, que a família consuma, unida, os programas televisivos. Seis adultos e quatro pessoas do grupo de adolescentes e crianças contaram que, dentro casa, costumam assistir TV separadamente. Dos 24 participantes, nove têm mais de um ponto da NET.

Embora, no questionário, tenham respondido que a assinatura da TV a cabo não mudou o fato de a família assistir à TV unida ou separada, outras respostas fornecidas durante o grupo focal indicam uma situação diferente. No que diz respeito ao público infantil, por exemplo, os adultos com filhos pequenos contaram que as crianças assistem, praticamente, só aos canais com desenhos infantis. Para isso, ou têm sua própria TV ligada à NET ou têm um horário pré-determinado no aparelho que é de toda a família.

Quando tinham acesso apenas à TV aberta, essa situação possivelmente não existia, uma vez que a programação infantil era exibida apenas durante o dia, deixando a noite aos programas destinados a adultos. Na TV a cabo, há vários canais que exibem desenhos animados o tempo todo. Esses canais são, conforme mencionados anteriormente, um dos mais assistidos, sendo pesquisa feita pelo Ibope (2001).

Além disso, ao serem questionados sobre os canais de que mais gostam, os participantes mencionam a programação dos mesmos. Entre os homens, foi comum ouvir como resposta os canais de esportes. Muitos adolescentes citaram os de seriado. Houve quem dissesse preferir os de filmes e quem é fã de documentários. Enquanto alguns adolescentes contaram que vêem a Sony e MTV, a dona-de-casa, 71 anos, assiste à RAI, TV Senado, entre outros. Até dentro do mesmo grupo, principalmente no de adultos, ao conversar sobre televisão, alguns participantes perceberam que não viam as mesmas coisas.

Um dos pontos de convergência na conversa acabava sendo o jornalismo brasileiro. Isso acontece mesmo que um assista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, e o outro à Globonews, uma vez que, embora haja tratamentos diferenciados, as principais pautas são bastante parecidas e as reportagens são, muitas vezes, as mesmas.

As respostas indicam que a segmentação na televisão tem gerado, segundo Barbero (1997), uma espécie de estratificação social, devido à oferta diferenciada dos produtos de vídeo. Para Barbero (In: Sousa, 1995, p. 45), quando havia dois ou três canais de TV, até os mais elevados intelectuais precisavam se inteirar de que havia muita gente que gostava de melodrama. Agora, “eles não vêem mais uma televisão, uma informação comum”. O autor resgata a visão de Giuseppe Richieri, que chama essa situação de fragmentação do habitat cultural.

Essa fragmentação acontece de acordo com uma série de variáveis demográficas e comportamentais, como o fator financeiro, idade, gosto etc. Um deles, é o próprio fato de assinar ou não TV a cabo. No grupo de adultos, participantes disseram que a televisão pauta muitas das conversas diárias e alguns deles relataram que já sentiram dificuldade de conversar com amigos que, diferente deles, não têm TV a cabo. Outro exemplo veio da universitária, 25 anos. Ela contou que antes de receber o sinal da NET em casa, seus amigos falavam gírias que aprendiam em seriados de canais estrangeiros que ela não conseguia entender.

Há vários motivos que fazem com que as pessoas se juntem e se reconheçam, mas segundo Barbero (In: Sousa, 1995), não se pode desprezar o papel de reorganização da divisão social da comunicação. Wolton (1996) entende que a fragmentação gera não apenas nova forma de organização da TV, mas uma nova relação entre indivíduos e a coletividade. Para ele, a TV fracionada inaugura um modo de reagrupamento que não é a comunidade no sentido tradicional, nem a aldeia, mas algo mais individualista. Para Castels (1999), a fragmentação é o futuro da televisão: descentralizada, diversificada e adequada ao público-alvo.

O fato de as pessoas assistirem a programas diferentes na televisão só não é mais intenso porque a TV aberta continua fazendo parte do dia-a-dia dos telespectadores. Segundo pesquisa feita pelo Ibope (2001), conforme foi citado anteriormente, entre os assinantes de TV a cabo, a maioria ainda continua assistindo mais aos canais da aberta.

Instigados a fazer uma comparação entre a programação da TV aberta e da TV a cabo, os participantes foram praticamente unânimes em dizer que preferem a segunda. Entre os adolescentes, houve uma exaltação à NET, apenas lamentando o excesso de programas repetidos. Já os adultos foram mais cautelosos. Além da repetição de programação, criticaram o preço da assinatura, as interferências técnicas, o atendimento prestado e o guia de programação (revista).

Mesmo com as críticas, questionados sobre os canais que mais assistem, deram uma lista da TV a cabo. Quanto à aberta, usaram termos como “porcaria” para classificá-la. Porém, na pergunta sobre o programa favorito, quase todos citados são exibidos pela TV aberta, sendo a grande maioria pela Rede Globo.

Mesmo que a TV aberta continue líder de audiência entre os telespectadores adeptos a algum tipo de TV por assinatura, muita coisa mudou na situação de quase monopólio televisivo registrado até o início da década de 90. Entre os participantes da entrevista de grupo focal, alguns souberam identificar programas que deixaram de assistir com a assinatura da NET. Além disso, ficou claro que, de forma geral, os telespectadores não são mais fiéis a um ou dois canais, como eram antes.

Até há algum tempo, era comum deixar a televisão sempre no mesmo canal. Hoje, com a grande quantidade de opções, os telespectadores sentem-se curiosos – termo usado por alguns deles – para saber o que está passando nos canais. Quase todos os participantes da pesquisa disseram que escolhem o que ver através do zapping, embora tenham decorado o horário de alguns dos programas favoritos.

Mais do que escolher o que assistir, ao controle remoto é atribuída uma outra função. Entre os participantes, alguns contam que utilizam o aparelho para mudar de canal freneticamente várias vezes, sem parar por muito tempo no mesmo canal. Um estudante universitário contou que muda de canal com freqüência mesmo que esteja gostando da programação. Essa postura demonstrada pela maior parte dos adultos também foi registrada com a maioria dos participantes do grupo de adolescentes.

Entre os motivos que os fazem praticar o zapping, o que mais chama a atenção é a curiosidade de ver o que está sendo veiculado nos outros canais. Para muitos, vale a pena mudar de canal e verificar se não estão perdendo nada interessante, mesmo que já tenham encontrado algo que gostem. Os outros motivos alegados são: programação ruim e fuga da publicidade. Antes da assinatura da TV a cabo, os participantes contaram que zapeavam menos, porque havia menos opções.

Essa curiosidade também faz com que muitos telespectadores assistam a mais de um canal ao mesmo tempo. O web designer, 23 anos, contou que chega a assistir três programas simultaneamente. O universitário de 21 anos chegou a dizer que “assiste tudo ao mesmo tempo”. Os zapeadores reconhecem que é desagradável assistir à TV ao lado de alguém que tem o mesmo hábito de mudar de canal freneticamente.

Com tantas opções na televisão e com a prática do zapping, fica difícil imaginar o aparelho televisor sem o controle remoto. O atleta, 20 anos, disse que ficou “desesperado” quando o dele quebrou. Além disso, tanto os adolescentes quando os adultos contaram que chega a haver disputa, dentro de casa, para ver quem fica com o controle na mão.

De todas as opções, os canais estrangeiros – grande maioria – são os mais vistos e os que aparecem como preferidos do público. Os canais propiciados a partir da Lei do Cabo – no caso de Bauru, apenas o legislativo e o universitário, uma vez que o comunitário não foi implantado – não costumam ser prestigiados pela audiência.

No que diz respeito aos canais legislativos, apenas a TV Senado foi mencionada como assistida e, mesmo assim, na sua programação cultural. Os programas do Canal Universitário de Bauru não foram citados pelos participantes. Tanto no grupo de adultos quanto no de crianças e adolescentes, apenas um programa da TV FIB, que mostra a vida noturna da cidade, foi apontado como visto. Os participantes alegaram que gostam de procurar, na tela da TV, pessoas conhecidas por eles. Esse papel da TV a cabo é, no entanto, pouco trabalhado.

Todos disseram reconhecer que, com a TV a cabo, assistem mais a programas estrangeiros, mas afirmaram que não vêem problema nisso. Para muitos adolescentes, o resultado desta constatação é que “os programas estrangeiros são melhores”. Para alguns adultos, essa situação não chama a atenção, já que o domínio norte-americano no campo da cultura é visto nas músicas, no cinema etc. As respostas nesse sentido indicam que a hegemonia cultural norte-americana alcançou tamanha expressão que nem sequer desperta qualquer reação: “é natural”.

Cabe, aqui, uma avaliação da técnica de pesquisa utilizada – a entrevista de grupo focal. A técnica se mostrou eficaz para o objetivo do trabalho, lembrando que, conforme explica Johnson (In: DIAS, 2000, p.150), “os resultados de um grupo focal são ilustrativos e fornecem um conjunto de idéias em relação ao tópico de interesse”. Quanto aos participantes, os adultos se mostraram inibidos só nas duas primeiras questões e depois se soltaram, havendo integração no grupo. Com as crianças e adolescentes, não houve inibição, já que o grupo entrosou rápido. O problema percebido foi que falavam ao mesmo tempo e se dispersaram com mais facilidade.

CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou mostrar como a audiência tem interagido com a TV a cabo e todas as alterações que essa tecnologia gerou no conceito tradicional de televisão. Não se tratou de supervalorizar o poder tecnológico mas de reconhecer que essas mudanças – o fato de pagar uma assinatura e da grande quantidade de canais, dos quais a maioria estrangeira – necessariamente implicaria em uma nova forma de assistir à televisão.

Sabe-se, contudo, que a tecnologia do cabo, por si só, não geraria sozinha essa nova forma de ver TV. Embora a cotidianidade tenha papel central nas análises, não se pode desprezar o contexto tecnológico em que a televisão está inserida. Entre os participantes que contaram assistir à TV mudando de canais freneticamente, muitos disseram fazer o mesmo quando estão com o computador ligado à Internet.

A interatividade se destaca como o traço característico das novas audiências, parecendo resultar das possibilidades técnicas oferecidas pelos novos meios e induzindo a condutas fragmentárias ou intermitentes. As facilidades do controle remoto associadas à grande quantidade de canais, aparecem nas discussões diretamente relacionadas à prática do zapping. Segundo as respostas dos participantes, não se trata mais apenas de mudar de canal na hora dos anúncios publicitários ou quando a programação é considerada pouco atraente. Muda-se de canal a todo instante, muitas vezes sem que haja um motivo convincente para isso. Apertar os botões do controle remoto, para alguns telespectadores, virou um hábito.

Seria preciso investigar até que ponto essas novas condutas não estão relacionadas a uma consciência também fragmentada da realidade. Nesse sentido é importante comparar a atitude frente ao livro (rejeitado pela falta de “paciência”) em comparação à adesão à leveza do zapping, que não se fixa em nenhum ponto específico, de modo que não pode gerar um conhecimento – qualquer que seja – completo sobre determinado tema ou programa.

Com essa prática, há uma interação com a televisão. Não direta e nem sequer democrática ao ponto de dizer que a audiência escolhe o que vai ser mostrado na TV. Mas, ao mesmo tempo que recebem uma programação pronta, os telespectadores montam seu programa. Ao passear pelos canais, fazem uma colagem que inclui vários gêneros televisivos. Trata-se de uma montagem tão pessoal, que todos admitem que só quem está de posse do controle remoto consegue assistir.

Não há como negar que o zapping é uma forma de interação da audiência com a TV e uma forma de não mais aceitar tudo pronto. Também é possível imaginar que, apenas com os poucos canais da TV aberta, essa prática não teria o mesmo sentido. Para o diretor-geral da MTV, André Mantovani, o zapping tende a aumentar quando mais pessoas tiverem TV a cabo (In: ESTADO DE S.PAULO, 2001). A postura inquieta de muitos telespectadores mudou a forma como vêem TV, mas também acarretou em mudanças na forma como a programação é pensada.

Segundo o Ibope (apud ESTADO DE S.PAULO, 2001), nos últimos oito anos, o número de casas brasileiras com TV com controle remoto cresceu de 30% para 88%. Segundo o instituto de pesquisa, o zapping ajuda na pulverização da audiência entre os canais e também na diminuição do tempo em que o telespectador permanece assistindo a uma mesma programação. “O mercado se assustou com as conseqüências do zapping, mas o fenômeno acabou empurrando nossa TV para uma evolução”, avalia o publicitário Luiz Lara, da Lew Lara (In: O ESTADO DE S.PAULO, 2001, p. T8-T9).

Entre essas mudanças, conforme já foi descrito, constam intervalos mais bem planejados, em menor quantidade, mais curtos e interativos. “O comercial tem de fisgar o público com emoção ou humor. O telespectador tem de senti-lo como parte da programação. Só assim evitamos que eles mudem de canal”, acrescenta Lara. “A dinâmica das atrações não é mais a mesma, o número de estímulos visuais e de informação não são os mesmos, o público é como camaleão, muda a todo momento e quer que seu veículo de comunicação mude também”.

Ao mesmo tempo que o zapping demostra a insatisfação da audiência e o fato de os produtores de TV e os publicitários estarem preocupados com isso é bastante significativo, cabe questionar qual o resultado dessa colagem visual para o telespectador. Conforme discutido no capítulo 8, o resultado pode ser algo totalmente inovador, como também pode levar à reiteração infinita e pleonástica do mesmo enunciado (MACHADO, 1996).

De acordo com respostas dos participantes do grupo focal, é possível supor que a prática do zapping torna a TV um objeto ainda mais de entretenimento e menos de fonte de informação. A maioria dos participantes da pesquisa afirmou que a partir da assinatura da TV a cabo passou a assistir mais televisão. A melhora na qualidade do sinal e o aumento no número de opções foram os dois principais motivos para que deixassem outras atividades de lado em nome da programação televisiva. Eles contam que, quando estão em casa, a TV só é desligada, praticamente, na hora de dormir.

A qualidade desse tempo destinado à TV pode ser questionada. Embora dediquem boa parte do tempo em que ficam em casa à televisão, os participantes da pesquisa sequer conseguiam lembrar qual o último programa que tinham gostado. Respostas como “assistir tudo ao mesmo tempo” levam a questionar o que realmente se “aproveita” da TV. Tantas horas com a TV ligada e, ao final do dia, o que realmente assistiram? Que conteúdo adquiriram? Talvez, nenhum.

A grande quantidade de canais oferecida pelo sistema de TV a cabo gerou uma outra mudança de forma com que a audiência se relaciona com a TV. Mesmo que a TV aberta continue sendo vista, a noção de exclusividade que alguns canais tinham tem diminuído. Muitos telespectadores que estavam acostumados a serem fiéis a um ou dois canais, agora assistem a vários. Ou, ao menos, gastam um tempo percorrendo os vários canais disponíveis antes de pararem naquele que costumam ver.

Outra mudança, essa parece que já bem incorporada pela audiência, diz respeito à segmentação dos canais. Ao contrário da TV aberta, generalista, que tem de tudo um pouco em sua programação, a TV a cabo aposta em canais que divulgam um único tipo de programação. Assim, as pessoas podem escolher os canais pelo gênero televisivo. Entre os que não praticam o zapping, é comum encontrar quem vê só filmes, quem faz o mesmo com esportes, com jornalismo, documentário, desenho animado e assim por diante.

Os fatores que determinam o gênero assistido são vários, sendo a idade um deles. Isso faz com que, dentro de casa, a TV deixe de ser um motivo para a família estar junta. Enquanto um quer passar a tarde de domingo vendo campeonatos esportivos, outro pode querer dedicar o mesmo tempo aos desenhos animados. Quando há mais de uma TV ligada à operadora de cabo, a tendência é que cada um assista à televisão no seu espaço.

Essa segmentação faz com que, muitas vezes, as pessoas selecionem o conteúdo assistido somente naquilo que mais gostam, deixando de lado outros formatos de programas que, quando só havia a TV aberta, também costumavam ver. Na TV aberta, pessoas que gostam de entretenimento, acabam consumindo informações jornalísticas porque elas estão inseridas na programação.

Essa segmentação, intensificada pelas novas tecnologias, segundo Warnier (2000), indica que, embora haja padronização da produção, não se deve concluir que ela leve a uma homogeneização do consumo. Isso porque, a indústria coloca no mercado produtos cada vez mais diversificados e, com a concorrência, as empresas têm explorado mercados cada vez mais estreitos, os chamados mercados de nichos. Frente a esse contexto, os consumidores individuais ou mesmo as famílias adotam práticas singulares muito mais diversificadas do que no passado. “A tal ponto que o verdadeiro problema ao qual as sociedades contemporâneas confrontam-se é um problema de fragmentação e dispersão das referências culturais mais do que homogeneização destas referências” (WARNIER, 2000, p. 151).

Frente à fragmentação dos públicos à medida em que a oferta dos bens e serviços se diversifica, vale refletir sobre como fica o conceito de cultura de massa. A reprodução em série dos bens culturais, criticada desde a Escola de Frankfurt, permanece. Porém, o público-consumidor deixa de ser visto como uma massa homogênea. Ao elaborar seus produtos culturais, os produtores pensam nos nichos que querem atender – terceira idade, as donas de casa ou as crianças. Será que estamos em um período de transição da cultura de massa à “cultura de nicho”?

A segmentação também tem levado a uma outra situação: o fato de a audiência assistir a coisas diferentes na televisão atenua a integração sócio-cultural. Conforme já mencionado, na entrevista de grupo focal, entre os participantes havia quem sequer conhecia o que o outro assistia na TV. Entre eles, a televisão, conforme discute Wolton (1996), deixou de desempenhar seu papel de unidade social e cultural.

Ao zapear pelos canais temáticos, ele (telespectador) sabe muito bem que está em meio a um público específico, enquanto que ao zapear pelos canais geralistas, pertence a esse grande público inseparável, que pode em princípio, ser todo o mundo: a forma de laço social é, portanto, diferente nos dois casos. (WOLTON, 1996, p. 113)

A segmentação se dá entre quem assiste a diferente canais, mas também entre os que possuem e os que não possuem TV a cabo. A TV pauta conversas no dia-a-dia das pessoas e, conforme verificado em respostas da entrevista de grupo focal, há situações em que um telespectador não entende o que diz seu colega, quando o assunto é programação televisiva.

Tantos canais oferecidos pela TV a cabo não significaram, necessariamente, uma mudança qualitativa na televisão, enquanto veículo de comunicação. Hoineff (1996, p. 29) aponta que pouca coisa mudou na programação televisiva ao longo de seus cinqüenta anos de existência. As pessoas continuam assistindo a shows, séries, filmes de longa-metragem, coberturas jornalísticas e esportivas etc. Para o autor, há um modelo seguido no mundo e, talvez por isso, a TV a cabo dê certo, já que a audiência está acostumada com esse modelo. “Ele (modelo) é o principal responsável pelo esgotamento do próprio sistema de redes americanas por broadcast, que entre 1975 e 1990 perderam 20 pontos percentuais na participação da audiência”. Sobre esse assunto é necessário lembrar que parte importante da segmentação da TV a cabo consiste da reciclagem de produtos da indústria cultural audiovisual dos últimos 50 anos, por meio da reapresentação de seriados de TV; filmes de longa metragem; shows que fizeram sucesso em outras épocas.

Castells (1999) diz que a diversificação dos meios de comunicação não transformou a lógica unidirecional de sua mensagem, nem permitiu o feedback da audiência, exceto na forma mais primitiva de reação do mercado. Ou seja, as mudanças se dão mais na forma de o telespectador se relacionar com a TV do que no conteúdo transmitido por ela.

Outra discussão pertinente quando o assunto é TV a cabo diz respeito à internacionalização do conteúdo. Conforme discutido no capítulo 7, embora a programação estrangeira não seja privilégio da televisão paga, a TV a cabo intensificou a divulgação de programas importados, principalmente dos Estados Unidos. A esse fato somam-se respostas dadas pelos integrantes do grupo focal: a de que assistem mais a programas estrangeiros e de que essa situação é considerada normal.

A TV a cabo, de fato, é apenas mais um produto entre os vários da indústria da cultura que têm ultrapassado fronteiras e encontrado consumidores em diversos países, de vários continentes. Porém, a TV, enquanto um dos principais veículos de comunicação de massa, merece atenção especial. Os assinantes de TV a cabo, principalmente aqueles que dizem assistir aos canais exclusivos do cabo em detrimento àqueles da TV aberta, vêem na tela, em sua grande maioria, programas produzidos em outros países. Pode-se avaliar, então, que a tecnologia do cabo ajudou a acelerar ainda mais a mundialização da cultura, embora isso não tenha acontecido de forma democrática.

Segundo Warnier (2000, p. 162), a cultura industrial está desigualmente repartida. No que diz respeito à produção de bens e de serviços culturais, os países industrializados do triângulo América-Europa-Ásia rica exercem uma hegemonia. Para o autor, o fato de as indústrias culturais americanas, especialmente o audiovisual, ficarem com uma parte invejável dos mercados da cultura não permite concluir que todas as culturas do mundo estão a caminho de uma americanização. “Cada cultura, cada grupo conserva sua particularidade e defende sua identidade recontextualizando os bens importados. (…) Não se pode reduzir a cultura e suas múltiplas funções às indústrias e aos mercados dos chamados bens ‘culturais'”.

Chama a atenção a reação da audiência, analisando as respostas obtidas no grupo focal, frente à “invasão” de produtos culturais estrangeiros. Embora não seja novidade o fato de, ao irmos ao cinema, ligarmos o rádio ou mesmo a TV, nos depararmos com uma programação norte-americana, a tecnologia do cabo intensificou essa “importação”. Zapeando ou assistindo a um único canal, a quantidade de opções disponíveis faz com que seja muito maior a probabilidade de assistirmos programas internacionais do que ver algo nacional na tela. Para os participantes do grupo focal, isso passou despercebido e, quando alertados do fato, muitos disseram que, mais do que normal, a internacionalização era bem-vinda.

Independente do futuro que a TV a cabo possa vir a ter, enquanto negócio, não há dúvidas, contudo, que ela representou uma mudança na televisão e na forma de ver TV pela audiência, conforme indicado pela pesquisa bibliográfica e pela entrevista de grupo focal. Cada um dos itens discutidos até aqui abre caminho para o desenvolvimento de novas pesquisas.

A sociedade, e com ela as tecnologias, estão sempre em processo de transformação. Até porque, o cabo não foi a única situação nova no que diz respeito à televisão. Além das outras formas de TV por assinatura, como o satélite, a TV digital promete chegar em breve e fazer uma revolução. Promete aumentar a interatividade, o número de opções televisivas, entre outros supostos avanços. Mas isso fica para um próximo momento.

Referências

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