Um Lugar Comum (Jonas Brandão, UFSCar, 2009)

Por Fernanda Sales e Jéssica Agostinho *

Na edição desse mês, a seção Curtas entrevistou Jonas Brandão, diretor da animação Um Lugar Comum (2009). O projeto, um Trabalho de Conclusão de Curso, foi concluído enquanto Jonas era aluno de Imagem e Som, na UFSCar.

RUA: Quando surgiu o seu interesse pela animação? Que papel a Universidade desenvolveu nesse sentido?

JONAS BRANDÃO: Não sei se ele surgiu, porque desde as minhas primeiras memórias eu sempre gostei de animação. Trabalhar não só com animação, mas com desenho em geral, é uma vontade que eu tinha desde pequeno. Conforme fui crescendo, a curiosidade sobre outras áreas cresceram também, mas fazer animação nunca deixou de ser um objetivo. Mas, durante a adolescência, trabalhar com artes em geral me parecia algo distante, improvável. Eu sou de Sumaré, interior de São Paulo, e não conhecia ninguém que trabalhasse com qualquer coisa que se parecesse com animação, história em quadrinhos, ou cinema. Não fazia ideia de como trabalhar com isso ou sequer como começar. Mas, ao final do colegial, quando comecei a pensar em vestibular e questões pro futuro, resolvi prestar Imagem e Som, que é um curso que reunia várias qualidades e disciplinas que eu adorava. Tinha, inclusive, uma disciplina de animação e história em quadrinhos na primeira grade.

A coisa mais legal da universidade foi o repertório de coisas novas que eu ganhei e, sobretudo as pessoas com quem convivi. A gente aprende muito com quem tem juventude, interesse e força de vontade que nem a gente. As pessoas se constroem e se fazem juntas na universidade, e isso é incrível. Durante a universidade, aprendi muita coisa sobre cinema, e desenvolvi gosto por outras áreas, ao ponto que fazer animação não era uma vontade maior do que fazer documentário, ficção, ou escrever. Esse momento foi importantíssimo na minha formação como ser humano.

RUA: Quais as peculiaridades/desafios de se dirigir um curta em animação?

JB: Bem, acho que depende das circunstâncias. Na época da universidade, fazer um curta em animação foi mais difícil do que seria no futuro. Num curso de audiovisual/cinema, como Imagem e Som, eu sentia que primeiro eu teria que superar um preconceito geral sobre a animação. Apesar de ser um ambiente muito propício à discussões e inovações, a academia vive uma contradição de ter algumas preconcepções “cabeçudas”. Não se encontram muitos livros teóricos sobre a animação, nem há um espaço muito grande pra estudo do tema nas grandes universidades de cinema no país. Entre os professores e os alunos, eu sempre senti que animação era vista como um sub-produto do audiovisual. Algo banal, infantil, bobo, pra não se levar muito a sério. E é um erro enorme, porque há tantas coisas incríveis feitas em animação que não são animaizinhos dançando! Há um leque enorme de possibilidades plásticas, narrativas. O cinema inclusive recorre à animação pra fazer narrativamente o que ele não consegue fazer pelos processos tradicionais.

Outra coisa que foi difícil, na época, foi o próprio processo de se fazer o filme. Eu conhecia as etapas de um filme de animação, mas eu nunca havia feito animação, e resolvi fazer logo uma para o meu TCC. A dificuldade maior foi entender como as coisas se movimentam, de fazer algo se mexendo que tivesse convicção, peso, vida, e não parecesse robótico. Os aspectos formais de animar mesmo. Comprei vários livros de animação na época, aprendi muita coisa no susto. Além do mais, tinha um peso de equipe que foi um desafio. Animação, por mais que você tenha computadores e softwares envolvidos, sempre foi processo extremamente artesanal que depende muito das habilidades manuais e artísticas das pessoas envolvidas. Um Lugar Comum é um filme desenhado, e entre as pessoas com quem eu me reuni eram poucos os que tinham alguma afinidade com desenho. Mas foi incrível, as pessoas se entregaram ao projeto, e fizeram o que meses antes eles poderiam considerar impossível. O Diogo Fujiwara, por exemplo, fez a cena inteira das pombinhas, desenhando quadro a quadro. E ele é uma pessoa que não passava nem perto de papel, lápis e pincel.

Já a dificuldade de se fazer um filme hoje são outras. Creio que, principalmente, os aspectos financeiros. As formas mais tradicionais de se fazer um curta hoje no Brasil são através dos editais, e são poucos os editais específicos de animação. Quem quer fazer animação geralmente concorre com documentário e ficção, e os valores e prazos oferecidos pelos editais não são compatíveis com a realidade do processo de se fazer animação.

RUA: Fale um pouco da concepção de Um Lugar Comum. Como foi o desenvolvimento do argumento e dos personagens desde suas características psicológicas até a escolha de como eles seriam traçados/desenhados.

JB: A ideia do filme partiu de conversas entre eu e o Thiago Minamisawa, produtor do filme. Nós tínhamos algumas referências em comum, e gostávamos muito da simplicidade e lirismo dos poemas do Manuel Bandeira, da iconicidade, silêncio e peso emocional do curta The father and daughter, do Michel Dudok de Wit, e achávamos incrível a decupagem de ações e o entrelaçamento dos acontecimentos do filme At the end of the earth, do Konstantin Bronzit, que é todo em plano sequência. Queríamos que nosso filme tivesse um pouquinho de tudo isso, e um tantão de nós. A gente chegou a escrever algumas versões de roteiro, mas o filme se tornou mais claro, e teve um salto qualitativo muito maior quando eu comecei a fazer os primeiros designs e, depois, os storyboards. O filme foi surgindo ali.

RUA: Como foi o processo de captação de som e como se deu a criação da trilha sonora para o curta?

JB: Penso que uma das coisas mais legais de tudo o que eu passei foi ter encontrado a equipe de som que trabalhou em Um Lugar Comum. A Priscila Resende esteve envolvida desde o começo do projeto, e contribuiu com muitas ideias legais pro filme. Pouco tempo depois, a Ana Luiza Pereira entrou e teve um peso decisório no projeto. Ambas trabalharam na concepção sonora e na edição de som. A maior parte dos efeitos sonoros são de bancos de som, mas algumas coisas são foleys que a Priscila, Ana Luiza e a Guta Roim gravaram em estúdio.

A trilha do filme demorou mais tempo pra vir. Eu procurei por um tempão sem sucesso alguém que pudesse fazer o que eu queria. E aí encontrei o Duda Larson, que fez muito mais. O trabalho dele é incrível, e a trilha ficou linda!

RUA: Fale um pouco sobre a técnica e o software empregados na criação de Um Lugar Comum.

JB: Pra fazer o filme, a gente contou com um patrocínio de um desenvolvedor de softwares canadense chamado Toon Boom. Eles fazem só programas pra animação, e são todos muito bons. Tudo o que eu faço em animação, ainda hoje, é geralmente com um software deles chamado Animate Pro, que é o mesmo que usei na época do Um Lugar Comum. Como tínhamos um monte de obstáculos na época de produção, achamos que fazer animação pelo processo mais tradicional possível seria muito arriscado. E entramos em contato com a Toon Boom, que adorou o projeto e nos cedeu algumas licenças para que pudéssemos fazer o filme. (Valium) Foi muito bom.

A animação é na maior parte do tempo “cutout”, que é uma técnica de animação na qual, ao invés de você fazer um desenho diferente pra cada quadro do filme, você faz apenas alguns, e os reaproveita o quanto puder. Ela consiste basicamente em você desenhar alguns modelos dos personagens, em posições diferentes, e separar o corpo em vários pedacinhos diferentes. Desta forma, você pode girar e arrastar cada pedacinho de forma independente, como se fosse um boneco. Aí você monta uma pose inicial num determinado frame e uma pose final num outro frame, e o software faz sozinho as posições intermediárias entre uma pose e outra. É um processo mais ágil, mas bastante limitado. Então, pra algumas cenas, tivemos que desenhar quadro a quadro o movimento das personagens. Eu acho que, considerando que é um primeiro filme de animação pra todo mundo da equipe, o resultado da animação é tecnicamente muito bom.

RUA: Hoje você trabalha em uma produtora que desenvolve trabalhos em animação. Na sua opinião, como está o mercado no Brasil pra quem deseja trabalhar nessa área?

JB: Hoje eu tenho uma produtora de filmes, que tem ênfase em animação e ilustração. Ela se chama Split Filmes, e foi fundada por mim e por dois outros amigos e ex-alunos do curso de Imagem e Som, o Guille Hiertz e o Victor Canela. A gente resolveu montar a produtora principalmente porque a animação estava, e ainda está, no melhor momento de sua história. Nunca se produziu tanta animação no Brasil, nunca houve tanta demanda, e nunca os produtores estiveram tão organizados e articulados. Nos últimos anos, o Brasil teve um investimento grande por parte dos produtores independentes e do setor público, como da SAv, TV Cultura, TV Brasil, e BNDES. Em 2008, por exemplo, teve o AnimaTV, onde foram investidos 8 milhões de reais para a produção de 17 pilotos de série de TV, e 2 meia-temporadas de 2 séries. O BNDES tem um ótimo programa de desenvolvimento para a animação, que apoiou algumas das primeiras co-produções internacionais de propriedades brasileiras animadas, como o Peixonauta e Meu Amigãozão.

Não só, a qualidade do trabalho e dos profissionais no Brasil é altíssima. Uma prova disso é a Disney ter feito 15 minutos do seu último filme de animação 2D, A Princesa e o Sapo, aqui em São Paulo. Nos últimos anos, também testemunhamos o surgimento de escolas e cursos universitários de animação. Eu mesmo sou professor do curso de Design de Animação, da Universidade Anhembi Morumbi, e vejo meus alunos entrando no mercado. Dois deles, inclusive, trabalharam em A Princesa e o Sapo.

A gente aqui da Split Filmes, em pouco tempo que temos de empresa, já obtivemos conquistas significativas. Temos uma série de animação que está pra ir ao ar em breve na Nickelodeon Brasil e América Latina, chamado Capitão Constantino e a Ilha do Pudim Salgado, e estamos desenvolvendo outro projeto com a Cartoon Network. É um ótimo cenário, que propicia oportunidade até para empresas jovens e pequenas. O Brasil está desenvolvendo os 3 pilares necessários pra desenvolver uma verdadeira indústria de animação: formação, demanda e produção. E sou bastante otimista pro futuro.

*Fernanda Sales e Jéssica Agostinho são graduandas do curso de Imagem e Som da UFSCar e editoras da RUA.

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Este post tem um comentário

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    Renan Taraborelli

    Gostei do vídeo produzido, e achei animador a avaliação do produtor a respeito do atual cenário para a animação no Brasil.

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