Uma Estrela pra Ioiô (Bruno Safadi, UFF, 2003)

Para assistir ao curta, clique aqui.

A seção Curtas traz, nessa edição de novembro, o curta-metragem Uma Estrela para Ioiô, acompanhado por uma entrevista exclusiva com seu diretor, Bruno Safadi, ex-aluno da Universidade Federal Fluminense (UFF). O filme foi finalizado em 2003.

Por Fernanda Sales *

RUA: Qual o papel que a universidade teve na sua formação?

 

BRUNO SAFADI: Teve um papel muito grande, primeiro porque a faculdade é um espaço para conhecer pessoas, o que para mim foi fundamental. Muitas das pessoas que eu conheci na faculdade trabalham até hoje comigo. Foi um espaço muito importante para dividir experiências, formar grupos, e também foi um estímulo para o início de realizações. Outro fator que considerei muito importante na minha formação é que eu tive aulas na cinemateca do MAM (Museu de Arte Moderna) em uma grande sala de cinema. Eu fiz aula de Cinema brasileiro vendo filme em 35 mm. Além disso, a UFF (Universidade Federal Fluminense) foi muito generosa comigo, eu realizei, antes de partir para os longas metragens, quatro curtas, desses quatros, três a faculdade ajudou muito. Eles deram toda a finalização em laboratório, pois era tudo ainda em película, assim a universidade possibilitou a realização dos meus primeiros filmes. A faculdade foi o espaço que eu tive para exercitar dentro de um âmbito de menos cobrança, de mais possibilidade de experimentação, meus curtas, que de fato deram muito certo. O primeiro foi pra grandes festivais no Brasil, o segundo para vários festivais internacionais e o terceiro, que é Uma Estrela pra Ioiô (2003) rodou o mundo inteiro. Um filme universitário que rodou o mundo inteiro! Por mais que eu não tenha me formado aproveitei muito enquanto estive lá.

RUA: Como foi a transição da universidade para o trabalho profissional?

BS: Eu estava no segundo período na faculdade e eu simpatizava muito com uma menina, um pouco mais velha do que eu. Um dia ela veio e disse que trabalhava com amigos em uma produtora de filmes experimentais e me chamou para ser estagiário nessa produtora. Eu ainda estava começando a faculdade, era por volta de 1999 e tinha todo aquele medo em relação ao futuro profissional nessa área. Eu me interessei bastante pelo estágio, pois sempre foi uma preocupação minha me inserir no mercado profissional. Era uma produtora chamada “Plus Ultra”, e um dos donos da produtora tinha sido assistente do Júlio Bressane.  Uns dois ou três meses depois que entrei lá, esse dono foi fazer um longa independente, e eu fui chamado pra ser assistente dele, e o ajudei muito. Consegui um apoio da UFF pra pagar a revelação e o copião do filme dele, ele ficou extremamente agradecido com isso. Três ou quatro messes depois ocorreram as gravações de Dias de Nietzsche em Turim (2001) do Bressane, ele, o dono da produtora em que eu trabalhava, ia fazer a direção de produção do filme e por agradecimento a mim me chamou para ser seu assistente de produção. Eu aceitei, claro.

Nessa época, estávamos organizando uma mostra Belair, isso há 11 anos, e fomos fazer o filme do Júlio, eu ainda era muito garoto, tinha 19 anos. Houve uma empatia muito grande com o Julio. Ele se simpatizou por eu estar organizando a mostra, e também por que na época eu havia lido muito Nietzsche e era um dos únicos da equipe que conseguia conversar com ele sobre o filme que ele estava fazendo. Depois das filmagens, o Bressane me chamou pra ser assistente na montagem do filme. E a partir daí eu virei assistente dele. Fizemos Filme de Amor (2003), Cleópatra (2007), aí fiz assistência também pro Nelson Pereira dos Santos, fiz assistência pro Ivan Cardoso, continuei dirigindo curtas meus que foram dando certo. Fui me desenvolvendo. Até que fiz meu primeiro longa, o Meu nome é Dindi (2008), totalmente independente, que eu escrevi, produzi e dirigi. Logo depois ganhei um prêmio para a realização de um documentário sobre a Belair, e agora, daqui a três semanas, estarei iniciando a filmagem do meu terceiro longa-metragem chamado Éden.

RUA:  Como surgiu a idéia para o Uma Estrela pra Ioiô? Em que você se inspirou?

BS: O Ioiô foi filmado em 2002, um ano importante pra mim. Em 2001 eu já tinha realizado meu primeiro curta, também foi o ano em que fui assistente pela primeira vez do Júlio e fui pro festival de Veneza com ele. Por tudo isso, entrei em 2002 com muita fome de cinema. Logo no começo do ano fiz um curta chamado A Idade da Imagem (2002), fiz assistência no Filme de Amor do Bressane, onde eu conheci o Lula Carvalho que foi o fotógrafo do Ioiô e fotógrafo depois de todos os meus filmes. Nesse ano eu também ajudei a organizar uma retrospectiva completa do Bressane em Turim na Itália, eu era a pessoa responsável por tocar a mostra do Júlio lá. Lá, em Turim, tem o museu do cinema, um museu muito importante da Europa, e nele tem toda uma área dedicada ao pré-cinema e aos primórdios do cinema. Eu vi toda a evolução, partindo da lanterna mágica, o kinetoscópio, o cinematógrafo dos irmãos Lumière, os filmes do Méliès, etc.. E voltei maluco com aquilo. Eu falei : “Cara, eu quero fazer um filme mudo!” Depois de uma semana que eu voltei já tinha uma idéia para um curta. Chamei o Lula Carvalho e aí desenvolvi essa história. É um filme de homenagem ao cinema, um filme sobre esse primeiro cinema. É um filme de muito artesanato, de muita traquitana.

RUA: Quais foram as dificuldades técnicas de realizar um filme silencioso, ou seja, como foi realizar um filme nos dias de hoje inspirado em filmes do passado?

BS: Eu sou apaixonado por cinema, me divirto muito a cada filme que faço, mas acho que esse foi o filme que eu mais fui feliz em um set de filmagem. Sendo um filme mudo eu pude exercer plenamente minha função de diretor: podia dirigir no meio do plano, podia no meio do plano narrar pro fotógrafo e pros atores o que eles deveriam fazer a cada minuto. Isso foi uma coisa muito feliz que eu tive. Também é um filme muito artesanal, feito com efeitos de câmeras e cenografia, era uma novidade pra todos que estavam envolvidos. Ninguém nunca tinha feito um plano de Back projection, uma dupla exposição, ou fazer nevar no estúdio, ou planos que misturassem atores e marionetes. Era realmente um filme de invenção. Foi um filme de experimentação pra todo mundo. Tinha toda uma graça nisso, é um filme que marcou as nossas vidas por ter sido uma grande novidade. Foi muito bonito. Dificilmente teremos uma experiência dessas novamente, de fazer um filme mudo.

RUA: Comente um pouco a trilha original do filme. Como foi trabalhar com um estilo de filme no qual a musica é essencial?

BS: Primeiro eu filmei todo o filme sem pensar muito na trilha. Na edição comecei a colocar algumas músicas de referência pra me ajudar a editar, aí vieram artistas como Chiquinha Gonzaga, e obras do início do cinema. Em um segundo momento quis fazer uma trilha original e parti da idéia da artificialidade como um conceito maior. A artificialidade está muito presente no filme, que possui muitos efeitos de ilusão cinematográfica, ele privilegiava o artificial. Isso foi um conceito para a trilha. Eu não quis fazer uma trilha com instrumentos acústicos, ou orgânicos, queria uma trilha com instrumentos de Karaokê, que já no som estivesse presente uma artificialidade. Fiz uma trilha toda com sintetizador e com elementos do karaokê. Então chamei o Alexandre Pereira, que foi quem criou a trilha, e ele fez em cima desse conceito. Por fim ficou muito bonito, ficou a serviço do filme que eu queria fazer.

RUA: De onde surgiram os recursos para a realização do curta?

BS: Eu já estava trabalhando como assistente do Bressane, tinha trabalhado em algumas outras coisas e já ganhava um salário de profissional de cinema. Ainda morava com meus pais, o que me deu condições de guardar boa parte do dinheiro que eu ganhava, para fazer filmes. A produção, filmagem e montagem eu fiz toda com o meu dinheiro. Mas como o filme foi filmado todo em super 16 mm chegou uma hora que precisava ampliá-lo para 35 mm, aí eu não tinha dinheiro. Lembro que custava cerca de 15 mil reais só a ampliação. Eu já estava no final da minha graduação e tinha uma matéria de realização audiovisual,  então eu conversei com o coordenador da cadeira e falei que queria fazer esse filme como projeto final do curso. Disse que eles não precisavam me dar a produção do filme, ao invés disso poderiam me dar sua ampliação e sua cópia. Disse que algumas pessoas da faculdade trabalhavam no filme. Insisti muito, aí me deram a finalização como parte final do curso. Ampliei pra 35 mm, ficou lindo. Houve uma participação da faculdade efetivamente nisso. Senão fosse a UFF eu não teria forma de terminar o filme.

RUA: Quais seus projetos atuais?

BS: Eu estou em um momento muito ativo, estou prestes a entrar em um momento único da minha vida. Eu fiz esse filme, Belair (2010), que deu muito certo no sentido que foi para muitos festivais e rodou o mundo inteiro. Viajei muito, assisti muitos filmes ano passado e foi um momento que pensei muito sobre futuros projetos. Escrevi três roteiros, incluindo o do Éden. E agora chegou a hora de realizá-los. Um dos projetos que comecei chama Operação Sônia Silk que é uma homenagem à Belair. Eu e o Ricardo Preti, que é outro diretor, vamos desenvolver junto com Leandra Leal, Lula Carvalho e Mariana Ximenes o projeto que consiste em fazer três longas em mais ou menos um mês. Vamos rodar em janeiro. O Éden é patrocinado pela Petrobrás, já a Operação Sônia Silk tem patrocínio do Canal Brasil. É um período inédito na minha vida.

* Fernanda Sales é graduanda do curso de Imagem e Som da UFSCar e editora da RUA.

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