UMA LEITURA DE FAMÍLIA À LUZ DO FILME “ORGULHO E PRECONCEITO”

Family seen through the movie “Pride and Prejudice”

Juliana de Amorim Rosas[1]

 

RESUMO

O presente artigo surgiu após diversas leituras originadas da temática “Família, gênero e geração” e faz uma análise sobre a família, suas características e interrelações sob a perspectiva do filme “Orgulho e Preconceito” (2005), baseado no livro homônimo da escritora britânica Jane Austen. Aborda relações de gênero, família e geração do século XIX vistas a partir da obra cinematográfica. Embasado em levantamento bibliográfico sobre o tema, o artigo busca mostrar importantes exemplos sobre conflitos geracionais, relações de gênero e convivência em família, bem como discorre um pouco sobre a identidade da mulher no século XIX, casamento e perspectivas femininas aos olhos de Jane Austen.

Palavras-chave: família, gênero, Jane Austen.

ABSTRACT

The following article emerged after several readings on the topic “Family, gender and generation” and it makes an interpretation about family, its characteristics and interrelations from the perspective of the movie “Pride and Prejudice” (2005), based on the homonymous book by British writer Jane Austen. The paper addresses gender relations, family and generation of the 19th century from the mentioned picture’s point of view. Grounded in the literature of the depicted subjects, the article aims to show important examples of generational conflicts, gender relations and family cohabitation, as well as converses about female identity in the 19th century, marriage and female perspectives on Jane Austen’s point of view.

Key-words: family, gender, Jane Austen.

 

1. Introdução

O filme “Orgulho e Preconceito” (2005), inspirado no livro homônimo da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817), um clássico da literatura britânica, nos pareceu uma oportunidade adequada para discorrer sobre a temática, uma vez que estava repleto de exemplos provenientes das leituras sobre família, gênero e geração[2]. Na obra elegida, é possível visualizar casos relevantes à pesquisa, como conflitos geracionais, relações de gênero, convivência em família. Nosso objetivo foi tentar agregar coerentemente temas que nos interessavam e que estavam apresentados na obra cinematográfica (e nela apenas, sem nos preocupar com comparações com a obra literária) adaptada.

Para começar, a história do filme se passa em 1797 (mesmo período em que a autora escrevia a obra literária, só publicada, porém, em 1813), ou seja, um fim de século XVIII que já prenunciava costumes do vindouro século XIX, numa fictícia cidadezinha do interior da Inglaterra, Meryton, condado de Hertfordshire. A película não tem como tema principal família, gênero ou geração. É basicamente uma história de amor, com outras tantas histórias de amor como pano de fundo. Mas esses temas, como dito anteriormente, perpassam com muita propriedade o filme, que, como não poderia deixar de ser, é um retrato da época.

Podemos perceber pelo filme, embora ainda carregado de tradições próprias do século XVIII e XIX, uma “tendência em direção a algum tipo de padrão de família conjugal – isto é, em direção à redução dos laços com parentes distantes e maior ênfase na unidade familiar ‘nuclear’ formada pelo casal e seus filhos (Goode 1963: 1)”, como deduz Göran Therborn, em seu livro “Sexo e Poder” (2006, p. 14), quando traça um perfil da família no mundo no século XX.

Citemos uma definição de família do antropólogo Lévi-Strauss que descreve com acuidade as famílias mostradas no filme, bem como a relação destas entre si e com os demais.

 Lévi-Strauss (1980) afirma que o modelo nuclear de família, baseado no matrimônio monogâmico, no estabelecimento independente do casal recém-casado, na relação afetiva entre pais e filhos é muito freqüente, ainda que não derive de uma necessidade universal, já que existem outros tipos de grupos não-conjugais. Para Strauss a vida familiar está presente em praticamente todas as sociedades humanas e se define como um grupo social que tem, pelo menos, as seguintes características: tem sua origem no casamento, é formado por marido, esposa e filhos(as) do casamento e eventualmente outros parentes que se juntaram ao núcleo. (…) Segundo Lévi-Strauss, o casamento não se originava dos indivíduos, mas dos grupos interessados. Ele não era nem poderia ser um assunto privado. Ao contrário, a união entre os sexos decorria de alianças estabelecidas entre as famílias, que se uniam ao invés de competirem entre si. (BRUSCHINI, 1990, p. 36)

 

2. Família e poder parental

Os conflitos na família Bennet (família protagonista do filme e do enredo, formada pelo Sr. e Sra. Bennet e suas cinco filhas: Jane, Elizabeth, Mary, Kitty e Lydia) começam com a chegada do primo, o Sr. Collins. Sendo o Sr. Bennet pai de cinco filhas, de acordo com as regras da época, o espólio da família irá todo para o Sr. Collins, como o herdeiro masculino mais próximo. Como exemplifica Elizabeth, a personagem principal, também chamada de Lizzie: “o temível primo, aquele que ficará com toda a herança da família, pois o espólio vai direto para ele e não para nós, pobres mulheres”. Também sobre isso, Therborn nos ajuda a entender:

“(…) a família-tronco, uma estrutura agrária sedentária encontrada na Europa ocidental, em particular na Inglaterra, após ter sido solapada pelas leis de herança da Revolução Francesa – estipulando direitos iguais de herança entre os filhos – e pela proletarização. Na família-tronco, o pai retém o controle sobre a transmissão da propriedade, mas apenas um único filho casado permanece com os pais, herda e cuida do lar paterno, enquanto os outros recebem um dote e se estabelecem por conta própria” (THERBORN, 2006, p.19)

Quando o tal primo pede a mão de Lizzie em casamento e esta recusa, sua mãe cai em estado de extrema preocupação. Ela implora a Lizzie que volte atrás, pois esta ficaria com a casa e salvaria ela própria e as irmãs da miséria quando seu pai vir a morrer. A cena parece tragicômica, mas ao enxergá-la com olhos modernos, talvez não reparemos quão forte era tomar uma decisão destas naquela época. Abrindo mão de outro autor, o sociólogo sueco comenta:

Em 1891, ele concluiu: “O casamento tem sido assim sujeito à evolução de várias formas, embora o curso da evolução não tenha sido sempre o mesmo. A tendência dominante desse processo, em seus últimos estágios, tem sido a extensão dos direitos das esposas (…) A história do casamento humano é a história da relação na qual as mulheres vêm gradualmente triunfando sobre as paixões, os preconceitos e o egoísmo dos homens” (Westermarck 1891/1903: 549-50).  (THERBORN, 2006, p. 21)

Quando mencionamos que os conflitos começam com o Sr. Collins nos referimos, especialmente, ao tema família. Os ‘problemas’ no enredo para os personagens começam bem antes. E antes também, podemos perceber os exemplos dos assuntos que nos interessam.

A princípio, a família Bennet é atiçada com a chegada da família Bingley, especialmente do Sr. Bingley, que também traz consigo sua irmã e o seu amigo, o Sr. Darcy. Sendo a família Bennet formada por cinco belas jovens que, como quase todas à sua época, têm na cabeça como um dos únicos objetivos na vida casarem-se, esta é uma ocasião e tanto. Seja pela vontade, pela força da criação ou, principalmente, como uma das poucas alternativas de ascensão social e até mesmo de sobrevivência na época para as mulheres, ficam em polvorosa pela nova possibilidade de matrimônio. Ajudadas, claro, pela sua casamenteira mãe que parece não ter outro objetivo na vida a não ser casar suas filhas.

(…) O poder parental estará amplamente concentrado no controle – grau ou ausência – sobre os casamentos dos filhos e sobre a formação de domicílios (…). Dessa perspectiva, o poder e o controle parentais serão considerados manifestações do patriarcado, sem dele excluir ou singularizar as mães casamenteiras e as sogras controladoras, uma vez que elas são delegadas do poder paterno ou a ele estão vinculadas. O poder sexual masculino sem significado parental será referido como falocracia, que pode ser considerada uma irmã mais moça do patriarcado.  (THERBORN, 2006, p. 21, 22)

Com a chegada da família Bingley, vemos a Sra. Bennet pedir para o marido que logo se apresente à família “pois você sabe que não podemos nos apresentar antes que você o faça”. Vemos aqui o exemplo do homem como dominante do espaço público. O espaço público era (e ainda é, em muitos casos) do homem, e uma mulher não tinha o costume ou permissão de vir a público antes que o sujeito masculino o fizesse primeiro. Como diz Sarti (1996, p. 45), “Se a vulnerabilidade da mulher está em ter sua relação com o mundo externo mediada pelo homem, fragilizando-a em face deste mundo que, por sua vez, reproduz e reitera as diferenciações sexuais (…).”

Não é, portanto, necessariamente o controle dos recursos internos do grupo doméstico que fundamenta a autoridade do homem, mas sim seu papel de intermediário entre a família e o mundo externo, em seu papel de guardião da respeitabilidade familiar. O fundamento deste lugar masculino está numa representação social dos sexos, que identifica o homem como autoridade moral da família perante o mundo externo. Diz respeito à ordem moral que organiza a família, portanto, a uma razão simbólica, usando a formulação de Sahlins (1979), que se reatualiza nos diversos arranjos feitos pelas famílias com seus parcos recursos. (SARTI, 1996, p. 48)

Se a autora Cynthia Sarti fazia esta avaliação em seu estudo sobre a moral dos pobres na década de 1980 e a intermediação do sujeito masculino com o mundo externo ainda era válida, mais fortemente o era na Europa do século XVIII-XIX. E é importante que se diga que, para a época (e isso é claro no filme), os Bennet são uma família de origem simples. Talvez não a caracterizemos como pobres, pois havia pessoas mais humildes. Mas ricos, certamente não eram. Outra intermediação óbvia, ainda mais naquela época, era a permissão que as filhas precisavam ter do pai, chefe de família, para se casarem. Bem como era de praxe os pretendentes das filhas pedirem tal permissão.

Nas conversas em família, é interessante notar que não só fora de casa, mas também dentro dela, ainda havia certas regras e formalidades, como a mãe que chama, constantemente, seu próprio marido de Sr. Bennet e nunca pelo primeiro nome. (Aliás, afora as jovens personagens mulheres, não chegamos a saber, pelo filme, o primeiro nome dos personagens, como Sr. e Sra. Bennet, Sr. Collins, Sr. Darcy…) A princípio, isso pode parecer estranho ao expectador, especialmente pela família parecer bastante afetuosa, como os próprios afirmam em diálogos do longa-metragem. Porém, era algo comum à época.

Sobre essa afetividade familiar, no filme, a protagonista Elizabeth faz comentários em pelo menos duas ocasiões. Primeiro, para Lady Catherine[3], quando responde a esta que todas as suas irmãs saem à sociedade, mesmo sem a mais velha ser casada, “pois privá-las deste direito impediria uma afeição mútua entre as irmãs”, justifica. Na segunda ocasião, após o Sr. Darcy pedi-la pela primeira vez em casamento e ela recusar (pois soube que este impediu sua irmã Jane de casar com seu amigo, o Sr. Bingley), pergunta se a vontade de se relacionar da família (“So what was it? Our want of connection?”) foi o que o fez ver sua irmã ou sua família com maus olhos. Sobre a socialização em espaços públicos, a autora Maria Cristina Bruschini comenta:

Na aristocracia dos séculos XVI e XVII não havia separação rigorosa entre o público e o privado, as famílias viviam nas ruas, nas festas, não se isolavam. A família não tinha as funções afetiva e socializadora mas era constituída visando apenas à transmissão da vida, à conservação dos bens, à prática de um ofício, à ajuda mútua e à proteção da honra e da vida em caso de crise. Com a ascensão da burguesia por volta do século XVIII, a privatização da instituição familiar e a passagem das funções socializadoras para o âmbito mais restrito do “lar burguês” constituem alguns dos mecanismos fundamentais para a constituição da família “moderna”. (BRUSCHINI, 1990. p. 38)

 

 3. Questões de relacionamento e casamento

Adiantamo-nos ao assunto do Sr. Darcy, porém, este é a principal questão do romance e do filme. É daí que vem o título, orgulho e preconceito. Sem muito detalhar a história romântica do enredo, notamos as regras de relacionamento e namoro presentes na sociedade da época. Mesmo sem aparentemente gostar de Lizzie no início, o Sr. Darcy sempre a cumprimenta, levantando-se e curvando-se. Ele, bem como todos os homens diante de qualquer mulher que não seja da sua família, assim como era o costume da época. Isso fazia parte das políticas de relacionamento, mais bem definidas do que hoje. Também faziam parte dos cortejos da época os bailes de dança. Dançar era uma das maneiras de conhecer alguém do sexo oposto e uma das poucas formas de relação táctil socialmente aceitas. Por isso a cena em que Darcy segura a mão de Lizzie pela primeira vez apenas para ajudá-la a subir na carruagem é retratada como sendo intensa e significativa para os personagens. Ao sair da casa dos Bingley e despedir-se deles de maneira formal, Elizabeth também cumprimenta Darcy convencionalmente, curvando-se ligeiramente. Ao subir na carruagem, ela é rapidamente auxiliada por Darcy. Assustada, Lizzie olha para ele, que também a encara, mas brevemente. Ele logo se retira e a câmera faz um close em sua mão, que faz um gesto de abre e fecha, como se tocasse algo levemente elétrico. A cena é breve, porém intensa. Todos os movimentos aqui descritos são apresentados em poucos segundos.

Após a recusa de Lizzie em casar-se com o primo afortunado, vemos uma de suas melhores amigas, Charlotte Lucas, vir comunicar-lhe que a própria se casará com o Sr. Collins. “Mas ele é ridículo”, responde Lizzie, fazendo a amiga contestar: “Lizzie, não ouse me julgar. Tenho 27 anos, não tenho perspectivas ou dinheiro e já sou um fardo para meus pais”.

Nesta fala podemos perceber vários aspectos sobre o tema família, matrimônio e situação das mulheres da época. Charlotte se casará e aproveitará tal oportunidade (mesmo o Sr. Collins não sendo romanticamente o ‘homem da sua vida’) para poder garantir seu futuro, ter uma casa, uma família e alguém que a sustente, afora seus pais. E menciona sua idade. Se em várias sociedades hoje, em pleno século XXI, ter 27 anos e não ser casada é um estorvo, mais grave o era no fim do século XVIII.

A aparente preocupação com o dinheiro em conexão com o casamento no trabalho de Jane Austen pode enganar leitores modernos. Embora houvesse também ganância e algum materialismo por parte de alguns personagens, devemos fazer uma análise deste tema com um olhar da época, uma vez que era muito imprudente se casar sem ter um rendimento mais ou menos garantido antecipadamente. Não só o casamento era para a vida toda (o divórcio não existia ou era absolutamente difícil de conseguir), mas não havia seguridade social, para a velhice ou desemprego, compensação, seguro saúde, etc.

 

4. Questões de gênero e situação feminina

Já na outra ponta deste tema, e entrando na questão de gênero, temos Elizabeth Bennet, uma mulher de ideias e ideais avançados para a época, (e podemos até dizer ideais feministas, embora ainda não assim vistos ou chamados) requerendo o direito das mulheres e contestando as regras sexistas da época. Quando esta replica a Charlotte “mas ele é ridículo”, nesta fala está contida a justificativa de que ela não se casaria com alguém que não gostasse ou admirasse. Jane Austen também faz uma declaração positiva em relação às mulheres ao retratar Lizzie insistindo em ser tratada como uma “criatura racional”, e não como uma “mulher elegante”, ao tentar fazer o “Não” ser entendido como “Não” ao Sr. Collins, após este pedi-la em casamento.

Casar com alguém que lhe parece repulsivo não está nos planos de Lizzie, mesmo que isso custasse seu bem estar. Em seu comportamento também está contida a visão eudemonista de casamento, como o famoso casamento por amor. Por muitos séculos (também na sociedade moderna) casamentos arranjados foram algo bastante comum. Prática que ainda persiste em algumas partes do mundo. Na Europa do século XIX (e já antes disso) era livre a escolha do cônjuge, não se subjugando, claro, a vontade dos pais, questões financeiras e sociais.

Enquanto a opinião dos pais sobre os assuntos referentes ao casamento era importante nas classes superiores, assim como no sul e, sobretudo, na parte leste do continente, a livre escolha do cônjuge era uma norma religiosa central da Igreja Católica desde o Concílio de Trento, da Contra-Reforma. (…) Ambas exigiam o consentimento parental para o casamento mesmo de filhos legalmente maiores (Glendon 1977: 29, 31). (THERBORN, 2006, p. 39)

Dizem os especialistas que Jane Austen se baseou bastante em sua própria experiência para escrever o livro “Orgulho e Preconceito”. E teria sido especialmente o bom relacionamento com sua irmã mais velha, Cassandra, sua maior fonte de inspiração para escrever sobre a relação entre as personagens Jane e Elizabeth. Cassandra esteve comprometida por vários anos sem poder se casar, devido à falta de dinheiro por parte dela e de seu noivo (e também de suas famílias). Portanto, embora o personagem do Sr. Wickham (um rapaz bonito e galanteador que chega à cidade, chama a atenção de Lizzie e mais tarde – por interesse – vem a casar-se com sua irmã Lydia) seja malandro e interesseiro, mesmo um homem com seus limitados rendimentos poderia ser dissuadido, por motivos financeiros, de se casar com Elizabeth. (E foi mais ou menos isto o que aconteceu com a própria Jane Austen).

Ainda sobre o Sr. Wickman, falemos de algo comentado pelo diretor Joe Wright nos extras da edição em DVD do filme “Orgulho e Preconceito”. O Sr. Wickman chega a casar-se com Lydia de uma maneira, digamos, “forçada”. Lydia foge com o Sr. Wickman (numa viagem, quando acompanhando um casal amigo dos Bennet), seus pais se desesperam e encontrar a filha desgarrada torna-se uma questão de honra para toda a família Bennet. O que o diretor comenta é que, de fato, é difícil mostrar cinematograficamente certas passagens do romance, como cartas e a gravidade de um ato como esse para a época. Ele comenta que no romance, isto está explicitado. No filme, isso é mostrado apenas pela preocupante e apreensiva reação dos personagens (Elizabeth, em especial) ao saber da notícia.

Na ocasião da fuga de Lydia, Lizzie estava fora da cidade, a passeio com seus tios. Por acaso, estes decidem visitar a mansão dos Darcy, pois esta era uma espécie de “ponto turístico” da época, se assim podemos chamar. Era uma casa extremamente elegante, repleta de obras de arte, que ficava aberta à visitação. Com relutância, Lizzie aceita visitá-la, depois de saber que Darcy não se encontraria lá. Tudo isso acontece quando Elizabeth ainda nutria um grande rancor pelo Sr. Darcy.

Visitando a mansão, Lizzie encontra Darcy. Nesta ocasião, Darcy já sentia algo por Elizabeth, havia se declarado, lhe pedido em casamento pela primeira vez e esta recusado por duvidar de seu caráter e reprovar suas ações para com o Sr. Wickman, sua irmã Jane e o Sr. Bingley. É uma situação embaraçosa. Porém, voltemos ao caso de Lydia. Lizzie recebe a carta informando sobre a fuga de Lydia na presença de Darcy. Os tios de Lizzie saem à busca da irmã fugidia. Caso Lydia não fosse achada e não se casasse honradamente com o Sr. Wickman, Darcy não poderia casar-se com Elizabeth.

Tal fato era algo gravíssimo para a época. Nenhuma das outras irmãs poderia se casar caso tivesse uma das irmãs “vivendo no pecado” (“living in sinn”). O acontecimento arruinaria a família e Darcy não poderia ficar com Elizabeth. “Simplesmente não poderia”, reforça o diretor em um comentário nos extras do DVD. Por fim, foi Darcy quem achou o casal e pagou pelo casamento. Isso faria com que Wickman deixasse a família Bennet em paz, pois tudo que ele desejava era dinheiro, desde que cobrou uma porção maior da herança do pai de Darcy, que o havia criado como filho e tentou se casar com Georgiana Darcy (a irmã caçula), apenas por sua herança. Deste modo, Darcy pôde agradar também a Elizabeth.

Finalizando o comentário sobre Lydia e Wickman, na cena retratada após o casal deixar a casa dos Bennet, na primeira visita depois do casamento relâmpago, com Lydia na carruagem já indo embora de vez da casa dos pais, o diretor comenta (também nos extras) o fato de Wickman puxá-la com força para sentar: “uma referência à violência doméstica”. A cena é rápida e discreta. Lydia afetuosamente despede-se da família e quando a carruagem já está avançada e distante da câmara, Wickman a puxa, como por impaciência pelo falatório da recém-esposa. Uma discreta demonstração (para não atrapalhar o enredo) do que era muito comum numa época de dominação masculina (assim como ainda existe hoje): nem todas as relações entre gêneros são sempre perfeitas e românticas como os protagonistas de uma história de amor.

 

 5. Posses, regras de casamento, partilha e divórcio à época de Jane Austen

Sobre algumas regras de casamento, divórcio e bens da época, eis algumas considerações que podemos extrair analisando os personagens criados por Jane Austen. Era claro que qualquer propriedade que possuía uma mulher antes de seu casamento automaticamente tornava-se do marido, salvo se estivesse previamente “acertado” (feito de algum modo por acordos prévios ou com a família), isso leva ao fenômeno dos “caça-fortunas”: os homens que se casam com uma mulher apenas pela riqueza desta. Após o casamento, a mulher e o seu dinheiro ficavam legalmente no poder do marido (sem nenhuma das limitações dos “acordos” legais pré-nupciais que família da noiva pode ter insistido em fazer caso ela tenha se casado com a sua aprovação). Este é o motivo pelo qual, na história, o Sr. Wickman tenta fugir com Georgiana Darcy, que herdará £ 30.000.

Com relação às relações entre marido e mulher, os principais aspectos são: a presença ou ausência da assimetria sexual institucionalizada, tal como na poliginia e nas regras diferenciais para o adultério; a hierarquia de poder marital, expressa pelas normas de chefia marital e de representação familiar; e a heteronomia, ou seja, o dever de obediência da mulher e o controle do marido sobre sua mobilidade, suas decisões e seu trabalho. (THERBORN, 2006, p. 30)

Elizabeth, porém, não possuía esta visão de casamento vigente em sua época. Ela é a protagonista do filme e acaba protagonizando uma história de amor. Porém, podemos dizer que Lizzie era uma mulher à frente do seu tempo, mas, como não poderia deixar de ser, também um produto do mesmo. Ela não suporta a ideia de ser obrigada a casar-se com alguém de quem não goste (Sr. Collins) só pela sua sobrevivência financeira. E antes de mudar de opinião sobre Darcy e apesar da fortuna deste, ela também não suportava a ideia de se casar com alguém tão pretensioso e que (pensava ela) tinha feito ações tão reprováveis, como rebaixar o Sr. Wickman e separar sua irmã Jane do Sr. Bingley.

Quando produziu seu livro, a escritora Jane Austen também escreveu um breve resumo[4] retirado de fatos da história britânica para tentar entender e fazer entender os enlaces com relação à herança inalienável e a ordem de transmissão por herança. A fim de compreender os vínculos de herança, a primeira coisa a considerar é a importância que a propriedade da terra tinha, tanto na Inglaterra à época de “Orgulho e Preconceito” como na Inglaterra ao longo dos séculos anteriores. A propriedade das terras não era apenas um adorno para a família. A terra fazia parte de uma família da aristocracia ou pequena nobreza. Possuir terras produzia um rendimento seguro, estável, previsível e recorrente.

Esse rendimento era o que libertava a família da necessidade de ganhar a vida pelo esforço diário. Isso lhes dava segurança e os liberava para desfrutar de uma educação como bem entendessem, seja para inserir-se nas artes e ciências, envolver-se em política ou levar uma vida de ociosidade e requinte. Isto deu à posse de terras um distintivo que ultrapassava propriedade de dinheiro ou bens móveis. A propriedade rural era “O Patrimônio”, que conferiu status na sociedade, não apenas sobre uma pessoa por uma geração, mas sobre a família enquanto esta durasse. Sobre isso, Therborn comenta:

O homem de família provedor, administrador de sua propriedade, tornou-se a norma do século XIX. É bem verdade que ele era burguês, mas não era ancien régime, nem de uma religião estranha ou de alguma etnia exótica. Ele era a persona do sucesso moderno e da respeitabilidade universalista, muito apoiado pela lei religiosa e pela opinião pública. (THERBORN, 2006, p. 43)

E era tudo isso que o Sr. Bingley, mas especialmente o Sr. Darcy, representava. Ele era um homem culto, apreciava arte, música literatura, pintura. Na cena em que Elizabeth visita sua mansão e sua bela coleção de esculturas, é o momento em que ela começa a se apaixonar pelo homem que Darcy representa, esquecendo-se de sua fortuna e prévias desavenças. Além disso, Darcy possui respeito e admiração de muitos dos seus amigos e até do Sr. Collins.

As leis de herança da época suscitam também discussões de gênero. A herança inalienável (ou a ordem de transmissão por herança) foi um dispositivo legal usado para impedir que uma propriedade de terra fosse despedaçada por uma linha de descendência feminina. Esta era uma extensão lógica da então prevalecente prática de deixar a maior parte da riqueza (particularmente bens imóveis) para o filho mais velho ou herdeiro (assim, Darcy possui uma renda de £ 10.000 por ano, o que representa uma riqueza de cerca de £ 200.000, enquanto sua irmã herdará £ 30.000).

A propriedade da herança inalienável é geralmente herdada pelo primogênito do sexo masculino, mais ou menos da mesma maneira como alguns títulos de nobreza, ou seja, a mais próxima linha descendente de homens (filho de filho, etc.), do proprietário original do imóvel ou do título, cujo ancestral em cada geração vai até o filho mais velho, que deixou uma linha de descendentes vivos do sexo masculino. Deste modo, a linha de descendentes de filhos varões do segundo filho de um proprietário não terá a chance de herdar até que todos os homens de linha de descendentes do filho mais velho tenham morrido.

“Engels afirmava (…) que o surgimento da família monogâmica se daria quando os homens, acasalados com as mulheres após a extinção do casamento em grupo, decidem proteger suas propriedades, garantindo sua transmissão através da herança.” (BRUSCHINI, 1990, p. 34). Mulheres geralmente herdam algo apenas se não tiver sobrado herdeiros masculinos, e se houver mais de uma irmã, elas são todas igualmente co-herdeiras, ao invés de apenas a mais velha herdar tudo.

Para os trabalhadores respeitáveis, assim como para as tendências dominantes do sindicalismo e do socialismo europeus, o homem de família era o herói normativo. Desse modo, a normatividade patriarcal foi trazida da aldeia camponesa ao bloco da classe trabalhadora urbana através de uma ponte cultural construída sobre um cataclismo social. (THERBORN, 2006, p. 43)

O ator Simon Woods, que interpretou Charles Bingley, comentou sobre sua pesquisa para o papel, que interessantemente nos remete ao que diz Therborn na citação anterior.

Eu estava tentando entender o que um homem com idade e recursos do Sr. Bingley fazia com seu tempo livre, se ele trabalharia, teria um emprego, algo assim, e eles de fato não tinham. Eles faziam caminhadas e jogavam cartas pela tarde…. Era um período estranho quando os homens realmente não tinham um bem, então ele tinha uma gorda renda e perambulava com ela em seu bolso. Basicamente, seu objetivo era casar-se, e uma vez casado, adquirir uma propriedade e torna-se um distinto cavalheiro possuidor de terras. (Extraído de http://pemberley-state-of-mind.tumblr.com/page/25)[5]

Sobre o comentário feito anteriormente, “vida de ociosidade e requinte”, ao assistirmos o material extra do DVD de “Orgulho e Preconceito”, podemos perceber como este gera outros comentários por parte de pessoas que participaram da execução da película, a exemplo do próprio diretor e outros membros de sua equipe. Comentando uma das cenas, onde estavam os Bingley e o Sr. Darcy reunidos em casa, o diretor Joe Wright diz: “Oh, que coisa mais chata viver nessa época, não havia nada para se fazer, não faziam nada além de ficar sentados…” (“There was nothing to do, they just sat around…”). Em outras partes dos extras, é possível ouvir outros membros da equipe de produção fazerem comentários similares.

 

 6. Considerações finais           

Ainda sobre o material extra do DVD, o diretor Joe Wright comenta, nas passagens que mostram o interior da casa da família Bennet, que queria mostrá-la como algo que representasse os personagens. Assim, tantas roupas espalhadas tinham a intenção de representar que a casa estava “cheia de hormônios femininos”; certa bagunça poderia representar os parcos meios financeiros da família; porém as constantes passagens de empregadas cozinhando ou arrumando a casa representavam certa aspiração nobre da família, em particular da Sra. Bennet. Tais cenas demonstram também a mudança no estilo e arquitetura das residências acompanhando a mudança no comportamento e estilo de vida das famílias.

As cenas são mostradas mais demoradamente no início do filme, quando a câmera começa seguindo Elizabeth, que depois passa pelas várias roupas estendidas no varal e depois adentra os cômodos da casa, mostrando cada personagem num cômodo e numa atividade que lhes caracteriza, como a irmã que toca piano, a empregada que alimenta os porcos, o Sr. Bennet em seu gabinete. Somente na casa dos Bennet encontramos uma maior preocupação em expor aposentos da casa e assim criar uma atmosfera de maior intimidade com a família, enquanto que o requinte das casas dos ricos é vistos mais frequentemente por suas fachadas ou grandes salões.

Habermas (1981), discípulo da Escola de Frankfurt, também descreve a privatização da vida familiar, através da transformação do estilo arquitetônico da residência a partir do século XVII. No lugar do antigo “grande salão” surge a sala de jantar separada da sala de visitas, enquanto os quartos individuais tornam-se maiores e os membros das famílias isolam-se cada vez mais no interior das casas. A família, assim, “privatizada” ou “interiorizada” desenvolve uma cultura própria, uma aparente autonomia e uma atmosfera de intimidade.  (BRUSCHINI, 1990. p. 40)

Também voltando a comentar sobre as recusas de Lizzie em se casar, e deduzindo que, apesar da sua origem humilde e de ser mostrada sua falta de habilidade no que se esperava de uma mulher instruída da época (saber outros idiomas modernos, desenhar, tocar piano, etc), podemos considerar que ela era uma mulher bastante inteligente, educada, de opiniões firmes e embasadas.

“O celibato das mulheres instruídas é, portanto, produto da interação da autonomia feminina e da falocracia: alguns homens temem uma esposa muito instruída; muitas mulheres instruídas temem um casamento restritivo.” (THERBORN, 2006, p. 260) Esta é uma afirmação contemporânea do sociólogo sueco analisando a sociedade atual. Porém, faremos seu uso para esta análise, visto que, sendo Elizabeth uma mulher inteligente, iria desejar algo mais de um casamento.

(…) Deve-se enfatizar que todas essas tendências eram partes integrantes do sistema de família moderna da Europa Ocidental, do modo como se desenvolveu a partir da Idade Média, particularmente desde o final de século XVIII até o início do século XX, com casamentos tardios, uma minoria significativa que não se casava jamais, extensa coabitação informal, entre as classes populares em vários ambientes sociais, tanto rurais como urbanos. (THERBORN, 2006, p. 289)

Este era o sistema de casamento que prevaleceu até recentemente. O “breve século XX” nos revelou inúmeras transformações. Neste século XXI, convivemos ainda mais com mudanças nos sistemas de família bem como no comportamento familiar. Algumas tendências comprovadas são: prevalência da família nuclear, diminuição do número de filhos, adiamento dos matrimônios. E em muitos casos, uma diminuição no interesse em se casar, seja pela perda dos ideais ou pela falta de perspectivas em encontrar um(a) parceiro(a), que faz desaparecer ou substituir este desejo.

Muita coisa difere do que vemos no enredo de “Orgulho e Preconceito”. Comportamentos, cultura, costumes, leis… Todavia, antes ou agora, de uma maneira ou de outra, a família sempre esteve presente na história da humanidade. Ela é algo que parece tão explícito e corriqueiro, que em muitos estudos é deixada de lado. Porém, tudo começa na família e para ela volta ou rebate. Nela começa a educação, e no século XVIII e XIX a família dos “gentis” era a responsável pela educação de crianças e jovens. Tais aspectos são mostrados e discutidos no romance, não aqui explorados por fugir do nosso objetivo. Na família está a autorização do casamento. No casamento começa uma outra família.

Haveria muitos aspectos a serem explorados. Sobre dimensão e estrutura dos lares nos ajudaria ainda mais Flandrin (1994). Assim como nos temas sobre costumes relativos à herança, “espírito de casa, de linhagem, de lar”, estruturas domésticas, econômicas, rituais, refeições em família, sermões, condição social. Em campos científicos, o assunto família já foi deixado à revelia e a maneira como alguns estudos já olharam para seus componentes mudou ao longo da história. A infância é uma “descoberta” recente. Bem como a velhice. Porém, a dicotomia de gêneros foi sendo construída ao longo da história, embora análises sobre o tema tenham ganhado força no século XX. Assuntos mostrados no filme e mencionados por autores e estudiosos da área. Isso nos mostra a riqueza do tema e como boas obras, sejam elas literárias ou cinematográficas, podem ser excelentes fontes, sejam de pesquisa, de apreciação ou inspiração. É isso o que representa a obra de Jane Austen, bem como a obra do diretor Joe Wright. É sempre bom unir, por que não, apreciação artística com insights sociológicos.

 

7. Referências

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. Tradução Maria Helena Kühner. Rio de

Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

BRUSCHINI, Maria Cristina Aranha. Mulher, casa e família: cotidiano nas camadas médias paulistanas. São Paulo: Vértico, 1990.

DONZELOT, Jacques. A polícia das famílias. Trad. M. T. da Costa Albuquerque. Rio de

Janeiro: Editora Graal, 2ª ed, 1986.

FLANDRIN, Jean-Louis. Famílias: parentesco, casa e sexualidade na sociedade antiga.

Lisboa: Estampa, 1994.

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SARTI, Cynthia Andersen. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres.

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<http://www.adorocinema.com/filmes/orgulho-e-preconceito> Acesso em 15/05/2013.

ORGULHO e Preconceito. Direção: Joe Wright. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner e Paul

Webster. Intérpretes: Talulah Riley; Rosamund Pike; Jena Malone; Carey Mulligan; Donald Sutherland; Brenda Blethyn; Claudie Blakley; Sylvester Morand; Simon Woods; Kelly Reilly; Matthew Macfadyen; Janet Whiteside; Roy Holder; Sinead Matthews; Rupert Friend; Tom Hollander; Judi Dench; Alan Cumming; Keira Knightley e outros. Roteiro: Marcos Deborah Moggach, baseado em livro de Jane Austen. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner e Paul Webster, 2005.


[1] Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, especialista em Sociologia, atualmente mestranda em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

[2] Este artigo foi originalmente pensado para a disciplina “Gênero, Família e Geração”, do Mestrado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ministrada pela professora D.Sc. Benedita Cabral, em 2009. O presente texto, ligeiramente modificado, retrata a vontade de fazer, à luz da obra cinematográfica, uma leitura sobre a família da época, bem como retirar do filme, temas tratados durante a disciplina.

[3] Lady Catherine é aristocrata, tia do Sr. Darcy e madrinha do Sr Collins. Nesta ocasião, Lizzie a encontra pela primeira vez numa visita acompanhando o Sr. Collins e sua esposa Charlotte, amiga de Lizzie.

[4] Principais pontos retirados do sítio eletrônico http://www.pemberley.com.

[5] Tradução da autora do artigo. Original: “I was trying to find out what a man of Mr. Bingley’s means and age would do with his time, whether he’d work or have a job or anything and they really didn’t. They went for walks and played cards in the afternoon… it was a weird period when men didn’t really have an estate so he really just had a big fat income and wandered round with it in his pocket. Basically, his aim is to get married and, once married, to buy an estate and become a proper landed gentleman.”

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