Uma outra cidade (Ugo Giorgetti, 2000)

Da São Paulo esquecida

Por Juliana Soares*

Era uma outra cidade, e outros pensamentos eram formadores dessa diferente urbe, segundo o documentário dirigido por Ugo Giorgetti, feito no ano de 2000. Poetas como Cláudio Willer, Rodrigo de Haro, Jorge Mautner, Antônio Fernando de Franceschi e Roberto Piva fazem do filme um Café Filosófico, com reflexões acerca de uma São Paulo que já não se faz mais presente, tanto em estado físico, como em cultura e ideologia prolífera.

Uma Outra Cidade – Poesia e Vida em São Paulo nos anos 60, que foi gravado em grande parte no modelo de vídeo, inicia-se com o coquetel de relançamento de um livro de Roberto Piva, em mesmos idos do ano 2000, no Instituto Moreira Salles, onde as grandes figuras da obra logo se mostram.

Uma longa série de depoimentos dos artistas é apresentada, permeada por registros fotográficos e traços de vídeos da São Paulo dos anos 1950 e 1960, que, segundo Antônio Fernando de Franceschi, era uma “cidade visual”. Antes de qualquer coisa, a obra trata de um assunto entre amigos, onde cada depoente relaciona-se muito confortavelmente com todos ao seu redor, dando inúmeros apontamentos sobre a personalidade de cada um desses declarantes e suas contribuições para a realidade da cidade à época, como quando Cláudio Willer relata que um dos principais responsáveis por trazer novidades sobre o Beatnik era Roberto Piva, sempre “antenado” às oscilações diversas. Desta maneira, mesmo quem pouco ouviu falar sobre essa geração marginal de poetas da capital paulista, finda por entender algo sobre o sentimento desses artistas, toda a inquietude perante a realidade vigente e o corrente sentimento de “abaixo às borboletas douradas” presente entre eles. A conversa é interessante e muito válida, mas talvez ideal para, quem sabe, um curta-metragem.

O modo de mostrar essa cidade deixada para trás dialoga constantemente no que tange à vida de quem nos traz essa antiga realidade; há, por muitos momentos, uma visão lúdica e poética dessa memória, a história é reavivada por meio de declamações de poesias, passeios por lugares que já se desfiguraram ou ainda reservam resquícios dessa cidade que era “careta”. A fotografia (dirigida por Pedro Pablo Lazzarini) nas externas é azulada, quando nos é entregue a São Paulo atual (com certa nostalgia), e confere uma agradável imagem, mas ao mesmo tempo um pouco artificial.

Também é notável um outro recurso empregado pelo diretor, o uso de trechos de filmes os quais servem para relacionarmos com a tal outra cidade. Nessa utilização de películas alheias, assistimos a pedaços de Pier Paolo Pasolini e de Michel Carné, cujas obras, factualmente, trazem um quê de saudosismo e certamente conversam com o tema tratado. A opção do “baú da vovó”, de mostrar fotos repetidamente, soa cansativa e monótona por vezes, e dá a impressão de maltratar o tema, que pode ser tão vasto e interessante em vários aspectos. O documentário é dividido em assuntos, marcados por cartelas que tão logo nos entregam qual será a espécie de “pauta” do próximo bate-papo, sem perder muita relação ou continuidade com o restante da obra.

A poesia, a geração que sobreviveu aos tremores de épocas perturbadas e tolhidas, a arte esquecida. Um ponto amplo, uma questão vasta, a qual poderia ser melhor explorada, infelizmente se despe de certa magia na obra. Perto de Sábado (1995) e Boleiros (1998), Uma Outra Cidade fica somente como mais um outro filme.

*Juliana Soares é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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