Videoclipe e Artemídia: Obsolência Adolescente

Pelópidas Cypriano PEL é Professor Doutor (Livre-Docente) do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista – UNESP

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Desde 2007, por vários motivos, tenho pensado em fazer uma revisão da minha tese de doutorado “Videoclip: Artemídia Emergente”, defendida em 1992. Neste texto de 2008, julguei oportuno proceder a uma “clip-reflexão” das principais idéias e sensações contidas no resumo da tese tendo em vista “A Era Digital e seus Desdobramentos Estéticos”, tema do Dossiê Temático #1 da RUA – Revista Universitária do Audiovisual.

O resultado da clip-reflexão está expresso nas duas partes do título deste trabalho: na primeira parte aproximei os conceitos “videoclipe” e “artemídia”; na segunda explicitei a atualização com o termo “obsolescência adolescente”.

Essa primeira clip-reflexão está metodologicamente baseada numa atualização de postura de pesquisador composta de três fontes: 1) navegação aleatória tipo “zapping” por programas de videoclipes em emissoras broadcasting; 2) navegação por “buscadores” da internet; 3) participação em congresso de Ciências da Comunicação. As duas primeiras fontes permitiram uma visão do videoclipe em seu “habitat natural” e uma sondagem da presença quantitativo-qualitativa do meio acadêmico nesse ambiente. A terceira fonte indicou o atual estágio de abordagem do tema videoclipe entre pesquisadores das ciências da comunicação.

As principais idéias e sensações do resumo da tese foram grafadas em negrito na transcrição abaixo:

Videoclip: Artemídia Emergente. Esta frase sintetiza o caráter plurívoco do videoclipe que está situado na interface Arte-Comunicação. Não se refere aos videoclips comerciais que passam nas TVs. Mas, sim, trata do potencial que o meio videoclip pode oferecer enquanto interface Arte-Comunicação.

Por um lado o produtor de videoclip considera sua realização obra de arte e peça de comunicação. Por outro lado, o crítico resiste em ampliar a sua visão analisando o videoclipe na interface Arte-Comunicação. O teórico da Arte não considera a arte do videoclipe, mas, sim a arte correlata do cinema, da TV e do vídeo. O teórico da Comunicação não considera o videoclipe com um meio próprio, mas sim um gênero dentro do meio cinema, TV e vídeo.

Esta pesquisa permitiu sustentar que o videoclip irá evoluir para algo mais do que um simples gênero de peça de publicidade e TV. O videoclip será um meio autônomo de Arte e Comunicação. Entretanto este estágio é ainda incipiente e, apenas é possível identificar o potencial de evolução, então emergente.

Primeiro parágrafo. O título continua válido para a época, situando o videoclipe como uma artemídia emergente.

– Caráter plurívoco. Considero ainda aplicável esse termo “caráter plurívoco”, pois, cada vez mais, o videoclipe é integrador de linguagens e mídias e por isso tem várias vozes, não é unívoco.

– Interface Arte-Comunicação. O videoclipe tem se consolidado justamente na interface Arte-Comunicação, seja pela liberdade de expressão da linguagem (música, videografia, coreografia, cenografia, animação, edição, pós-produção), seja pela multiplicidade de circulação em diversas mídias (emissoras broad e narrowcasting, internet, shows, boates, mídia impressa, dispositivos móveis etc.).

– Videoclips comerciais. Os videoclipes comerciais incorporaram os avanços de linguagem e mídia. Artistas como Madonna e Michael Jackson – ambos nascidos em 1958 – que já completaram 50 anos de idade continuam ativos em suas carreiras utilizando o videoclipe e seus desdobramentos. Houve uma ampliação da exibição de videoclipes em emissoras (broad e narrowcasting) e programas especializados, além da utilização de outras mídias impressas e eletrônicas.

– Potencial que o meio videoclip. O potencial referido na tese de doutorado já se efetivou de alguma maneira e é possível vislumbrar novo potencial.

Segundo parágrafo. Quanto aos agentes envolvidos identifico uma evolução de cada perfil em função, principalmente, da popularização da possibilidade de produção oferecida pelos dispositivos digitais (hard e software).

– Produtor de videoclip. Aparece a figura do produtor amador, jovem, que se por um lado reproduz os modelos existentes, por outro possibilita o surgimento de novas linguagens.

– Crítico. Surge a possibilidade de crítica amadora e especializada por meio de difusão na internet, como por exemplo, nos blogs, vlogs e comunidades de internautas.

– Teórico da Arte. Talvez a arte já tenha incorporado a evolução digital e novos estudos sobre o assunto poderão ser feitos nessas bases. Um bom indicador é o aumento da procura de programas de pós-graduação em artes pelos formados em Rádio e Televisão, Audiovisual, Design, Publicidade e Propaganda.

– Teórico da Comunicação. Ao participar de um congresso de Ciências da Comunicação vislumbrei uma predisposição de pesquisa na interface arte-comunicação englobando os desdobramentos estéticos da era digital.

Terceiro parágrafo. Quanto ao diagnóstico é possível identificar a realização de algumas evoluções previstas no doutorado. Quanto ao prognóstico abre-se campo vasto e instigante de pesquisa no tema videoclipe e artemídia.

– O videoclip irá evoluir. Considero que o videoclipe evoluiu para algo mais do que um simples gênero de peça de publicidade e TV.

– O videoclip será um meio autônomo de Arte e Comunicação. Apesar de ter caminhado bastante ainda não evoluiu para um meio autônomo.

– Então emergente. Considero na minha atual pesquisa que o videoclipe está num estágio adolescente, procurando sua superação ao se consolidar como meio autônomo de artemídia.

Na dissertação de mestrado, defendida em 1989, minha preocupação era com a obsolescência da pesquisa. O próprio título “Videoclip: a imagem que o disco faz” trazia o conceito “disco”, hoje obsoleto. A tese de doutorado apresentou uma superação da obsolescência abordada no mestrado ao tratar o videoclipe como artemídia emergente. Na clip-reflexão, o que era emergente agora é adolescente.

Recentemente ocorreu um fato que ilustra bem a minha preocupação com a obsolescência. Recebi uma solicitação de serviço da biblioteca da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo para restaurar o exemplar da dissertação de mestrado, pois as letras impressas estavam se apagando. A solicitação era simples: encaminhar o original para cópia. Mas eu fui vítima dos desdobramentos estéticos da era digital. Fiquei angustiado por ter que entregar um original (que eu não possuía mais) sem um processo de revisão editorial, desde a simples formatação do texto, da fonte, da diagramação, da impressão, até a revisão da ortografia, da construção de texto, do estilo, das idéias, de tudo, enfim.

A obsolescência é a marca de superação da adolescência: quando se tornar adulto, o adolescente estará obsoleto. Esse primeiro ciclo de obsolescência é muito curto, de três a cinco anos. Um exemplo é a prática da “pixação” pelos jovens, que se iniciam aos doze, treze anos por intermédio de alguém “muito mais experiente” (de catorze, quinze anos) que não pratica mais ou já é “old school”.

Academicamente imbuído dos desdobramentos estéticos da era digital, desenvolvo minha pesquisa com alunos de graduação e de pós-graduação na área da editoração do videoclipe erudito.

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