12ª Mostra de Cinema de Tiradentes

A Mostra de Cinema de Tiradentes é uma experiência intensa. Estando lá, não é necessário fazer grandes deslocamentos, enfrentar trânsito ou mesmo pagar para freqüentar as atividades: é só andar pelas ruas para respirar cinema. Como se não bastasse assistir a intermináveis sessões de curtas e longas-metragens, debates e seminários, a cidade respira a Mostra nesses nove dias: nos restaurantes, nas ruas, na praça, nas festas. A cidade fica repleta de cinéfilos, estudantes, realizadores e turistas (amantes do cinema ou simplesmente de passagem).

“Cinema brasileiro contemporâneo em todos os sentidos”. Com esse mote, o evento inicia mais uma vez o calendário nacional de festivais e chega à sua 12ª edição com um envolvimento cada vez maior com a nossa cinematografia. E não trata-se aqui do raro cinema brasileiro que chega às salas comerciais e faz sucesso de público, mas de um cinema que acaba geralmente restrito ao chamado ‘circuito de festivais’.

São 121 filmes selecionados para esta edição, entre curtas e longas-metragens. A exibição de curtas é divida em sessões em película e digital, distinção que não existe mais entre os longas. A fronteira entre os formatos de exibição está cada vez mais diluída, mesmo porque os formatos digitais dominam não só a exibição como também a realização de grande parte dos filmes inscritos.

Entretanto, um dos tradicionais pontos fortes do evento ainda são as sessões de curta-metragem em película, que trazem uma seleção cuidadosa. Percebe-se uma proposta de estabelecer relações entre os filmes e uma curadoria generosa com as obras. Isso fica ainda mais claro com os debates – encontro entre os diretores, curadores, críticos de cinema e o público. Nesse momento é possível não só conhecer curiosidades das produções, mas entender melhor seu contexto de realização e mesmo aprofundar a reflexão sobre um trabalho ou sobre o conjunto deles. É a primeira vez que se realizam debates também com os curtas, pois até a edição passada só eram feitos com os diretores e equipes dos longas-metragens.

Já os curtas digitais ainda estão buscando seu espaço, e espera-se que nas próximas edições sejam realizados também debates sobre essas obras, que muitas vezes só diferem em suporte, destacando-se igualmente em termos de linguagem e conteúdo.

Debate da Série 2 de Curtas-Metragens. Foto: Laura Teixeira

Quanto aos longas-metragens, são divididos em ‘Mostra Vertentes’, ‘Mostra Olhares’ (filmes destacados em outros eventos) e ‘Mostra Aurora’ (filmes de diretores iniciantes), além de sessões especiais como as dos filmes do cineasta homenageado, José Eduardo Belmonte, e de sessões para o público infantil (a ‘Mostrinha de Cinema’). A seleção de longas de Tiradentes é muitas vezes vista como um recorte complexo, com a presença de filmes bem autorais e até “difíceis” para o público. Mas em sua grade multifacetada há espaço para filmes bem diversos, e importantes obras têm nessa sua oportunidade única de exibição na região ou mesmo no estado.

Nesta edição, o tema “O personagem e seu lugar” foi motivo de debates no Cine-Teatro. Esse tema, proposto pelo curador Cléber Eduardo, reflete uma realidade de muitos filmes inscritos na Mostra: o número expressivo de documentários que retratam pessoas específicas, personagens de si mesmos, e ficções nas quais o espaço habitado (ou transitado) é fundamental para a narrativa. Aliás, outra questão que permeou os debates foi a tão contemporânea dissolução da barreira entre ficção e documentário, já que personagens e lugares se misturam cada vez mais, assim como “realidade” e “representação”. Além disso, há cada vez mais uma transposição do discurso para o personagem, que não fala mais necessariamente em nome do diretor/roteirista do filme. Esse deslocamento dá-se tanto em ficções como documentários, e dificulta inclusive a análise das obras, pois torna necessária uma nova relação com o que é mostrado na tela e o que está fora dela.

Mas a Mostra de Cinema de Tiradentes não se restringe aos filmes. Há exposições, peças de teatro e também um investimento na formação, com oficinas para variados públicos (jovens, adultos e crianças). Os resultados das oficinas são exibidos no fim da Mostra, com um Cortejo e exibição dos vídeos realizados.

Na interface com outras artes, há ainda shows musicais todas as noites, na “Tenda Bar Show”. Vários artistas escalados têm forte relação com o audiovisual: a banda Ava, cuja vocalista é filha do cineasta Glauber Rocha, apresentou músicas que fazem parte da trilha sonora do filme “Vida”, exibido no mesmo dia na Mostra Vertentes. Paulinho Moska também se apresentou tocando diversas músicas que foram usadas em novelas da Rede Globo. No encerramento, o show foi de Kiko Klaus, que também participou da trilha do filme “As Iracemas”, exibido na Mostra Aurora.

Outro destaque desta edição foi o encontro com o Grupo Galpão, importante referência do teatro nacional. Foram exibidos vídeos realizados em uma oficina com os atores do grupo, e em seguida foi realizado um interessante debate sobre as relações dos atores com a câmera e com o preparador de atores Sergio Penna, que ministrou a oficina. O resultado obtido e o processo mostrado no making of foram muito significativos para uma discussão da transição de atores do teatro para o cinema (e vice-versa), a partir da experiência de reconhecidos atores dos palcos mas com pouca incursão nas telas.

Debate com o Grupo Galpão. Foto: Laura Teixeira.

Os debates e seminários também tiveram presença de importantes realizadores, pensadores e políticos da área audiovisual. Um dos principais encontros foi sobre as perspectivas do audiovisual no Brasil para 2009 e contou com uma detalhada apresentação do secretário Silvio Da-Rin (Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura). Foi possível acompanhar todos os projetos realizados em sua gestão (iniciada em outubro de 2007), seus desdobramentos, e os novos projetos para 2009 em âmbito federal.

Há muito conhecimento exibido e gerado na Mostra de Cinema de Tiradentes, como se pode ver no extenso catálogo, que traz diversos textos e entrevistas. Em paralelo, tem-se a cobertura diária de várias revistas eletrônicas e percebe-se assim um evento que está preocupado tanto com o legado para a reflexão futura como com a divulgação imediata de uma crítica tão contemporânea quanto os filmes exibidos.

Vista de Tiradentes. Foto: Laura Teixeira
Vista de Tiradentes. Foto: Laura Teixeira

A Serra de São José e as igrejas mineiras emolduram a pequena Tiradentes, que já foi cenário de diversos filmes e mini-séries. Infelizmente, mesmo com doze anos de Mostra, ainda não existe na cidade uma sala de cinema regular para a população local, que fica sujeita a disputar os lugares do Cine-Tenda ou do Cine-Praça com o grande número que turistas que visitam a cidade neste período.

A Mostra cresceu bastante nos últimos anos, mas aparentemente não perdeu sua identidade. Apesar de não ter o glamour e mesmo a tradição de outros Festivais e Mostras, a sua variedade e intensidade chamam a atenção de quem por lá passa na última semana de janeiro. Nos mais diversos sentidos.

Conheça os filmes exibidos, os vencedores nos diferentes júris e assista à cobertura audiovisual da ‘TV Mostra’ no site www.mostratiradentes.com.br

Laura Teixeira é graduada em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Deixe uma resposta