14º Festival Brasileiro de Cinema Universitário

Não há como ignorar a importância do Festival Brasileiro de Cinema Universitário no atual circuito de festivais nacionais. Não me delimito, porém, apenas ao circuito universitário (embora o próprio nome relate essa condição do evento), já que a representação que tem o FBCU extrapola essa “limitação” aparente de exibir somente filmes produzidos em faculdades de cinema, equiparando-o a qualquer outro festival “de verdade”. Aliás, de alguns poucos festivais que pude conhecer, posso dizer que são raros aqueles com esse intenso ver/pensar cinematográfico encontrado nas salas do Centro Cultural dos Correios e da Caixa Cultural, cenários onde se desenrolam o festival. Pensar o cinema universitário então talvez seja ainda mais instigante, pois mais do que refletir sobre uma obra isolada, temos inseridos ali um fragmento da produção de determinada instituição de ensino, os tipos de cinema pelo qual ela se interessa e como sua produção dialoga ou representa o cenário em que ela se encontra.

Consequentemente, do encontro de obras provenientes dessas diversas instituições de ensino superior, acabam convergindo também seus realizadores, e o FBCU apresenta sua principal função: fomentar o encontro entre jovens realizadores, para a partir daí propor diálogos, trocas e reflexões sobre esse cinema que é apresentado. Não à toa, ao término de cada sessão, segue-se um debate geralmente entusiasmado e poucas vezes apático, em que obras são discutidas, a plateia elogia ou dá alfinetadas, enquanto realizadores dão a cara pra bater, não no sentido de tentar explicar ou salvar o filme (afinal, um filme deve falar por si próprio), mas sim de relatar experiências, referências, buscas e frustrações. Incita-se assim uma intensa vontade (ou a palavra certa seria paixão, a mesma utilizada por Jean Douchet em seu texto “A Arte de Amar”?) de um querer ver/apreciar/discutir/posicionar-se sobre o cinema realizado pelo próximo (próximo mesmo!), ou seja, o cara que, como eu ou qualquer outro realizador que ali esteve presente, dá seus primeiros passos, testa limites, faz experimentações e, por fim, aprende com os próprios erros.

Tão ou mais louvável do que manter acesa essa chama pelo pensar cinema, é o radical projeto realizado todos os anos pelo FBCU na iniciativa por um “fazer” cinema. O Projeto Sal Grosso consiste num primeiro momento num concurso de roteiros, em que qualquer estudante de cinema, audiovisual e similares, está apto a participar. Deste concurso são selecionados doze projetos e seus respectivos roteiristas são convidados a participar de uma oficina realizada durante o festival. Da oficina, apenas um projeto é selecionado para ser filmado em película 35mm, a ser dirigido pelo próprio roteirista, e o mais importante, filmado com uma equipe proveniente de diferentes faculdades (no caso do último Sal Grosso participaram UFSCar, USP, UFF, FAP, FAAP e PUC-Rio). Há inúmeros elogios a se fazer ao Sal Grosso: primeiramente, o simples fato dele ter início como um concurso de roteiro, algo pouco visto no meio universitário e que acaba estimulando propensos roteiristas, que se selecionados, terão oportunidade de lapidar seus projetos com o acompanhamento de profissionais ativos no mercado. Mas, sobretudo, pelo fato de agregar alunos de diferentes universidades num único projeto, criando assim uma oportunidade ímpar de troca e vínculos entre alunos e instituições (e, pessoalmente, digo que não só foi um prazer, como também um grande aprendizado participar do Sal Grosso seja competindo com um roteiro no ano passado, seja trabalhando na montagem do “Água Viva” este ano).

Por fim, acredito que a posição consolidada que tem o FBCU como festival, esteja refletida na seleção de sua mostra competitiva, que pode não ser perfeita, mas é inegável que tenha alguma coerência. E mais uma vez o festival traz sua queda por experimentações, e filmes que uma maneira ou de outra pensem sobre cinema. Em sua 14a edição é inegável dizer: o festival tem identidade e coerência. E vamos aos filmes!

Programa 1

Terça-feira, 04/08/09. Vou correndo à Caixa atraído pela oportunidade de ver Filme de Apartamento, que ganhara menção honrosa do júri no Sal Grosso do ano passado; o que significa ter que “matar” a sessão do Programa 2 que era exibida no mesmo dia nos Correios. A correria, porém, não foi suficiente: o atraso me fez perder Sobe, Sofia, um dos mais elogiados da noite. Minha abertura foi, portanto, com uma guria de cabelos verdes raspando a sobrancelha (Miragem), uma lolita capaz de seduzir mascando chiclete (O Homem Sobe as Escadas) e um peito masculino colocado num longuíssimo close, delimitado por bordas esfumaçadas que fazem tudo parecer um sonho (Coração).

Filme de Apartamento, de Marcela Bertoletti
"Filme de Apartamento", de Marcela Bertoletti

O primeiro filme com algum interesse acabou sendo, portanto, o próprio Filme de Apartamento, que seguiu-se a esses três. O filme de Marcela Bertoletti tem um começo correto, principalmente por delimitar aquilo que realmente importa: o rapaz protagonista e sua relação com o tal apartamento, que assume papel de personagem. Melhora absurdamente quando entra a música de Caetano e se mantém assim até o fim, quando dá lugar aos créditos mais feios já vistos no Cinema.

Após o filme de Marcela, o cearense Alto Astral, que de certa forma me remeteu a Valparaíso (que assisti no PUTZ e foi exibido no programa 6 do FBCU). Há ali uma latência incômoda inserida em planos longuíssimos e quadros rigidamente fixos, tanto que por vezes cortavam personagens e ações. A diferença é que se Valparaíso se assume como documentário (embora tenha ganho a 3a colocação do PUTZ na categoria de ficção), Alto Astral é uma inquestionável ficção, afinal, há a encenação de uma trama construída com um conflito bem delineado (embora desdramatizado), e uma mise-en-scéne minusciosamente concebida para dialogar com os enquadramentos.

Em seguida, Os Inocentes, filme que lembro-me de ter gostado, mas agora não sei exatamente o porquê. Lembro-me, no entanto, da fotografia árida amarelada (que contrastava especialmente com a aridez fria de Alto Astral), e da edição tão violenta quanto a situação deflagrada na história. Das duas, uma: ou o filme não era tão bom assim, a ponto de ter se apagado da minha memória, ou foi prejudicado por anteceder Filme de Sábado, o melhor da sessão.

Filme de Sábado, de Gabriel Martins
"Filme de Sábado", de Gabriel Martins

Dirigido por Gabriel Martins, Filme de Sábado não é lá um primor em seus enquadramentos e decupagem: tem planos desajeitados como o PD (plano detalhe) de um rádio, ou mesmo o plano de abertura, que dá tamanho destaque as pernas (coxas) do personagem, as quais por pouco não ganharam o conhecido prêmio Araribóia do Festival. Mas há algo que faz o filme valer (e muito!): uma ingenuidade intrínseca, uma inocência quase que pueril que se faz presente. Trata-se de uma facilidade infantil de se inventar jogos e cenários (no caso aqui, a praia) comparada ao realizar cinematográfico. E é justamente esse brincar de faz-de-conta resgatado de algum momento da vida e realocado como uma necessidade imprescindível ao fazer cinematográfico que fez, portanto, com que as fragilidades de Filme de Sábado “desaparecessem” e ele se tornasse assim o primeiro grande filme do Festival.

Programa 3

Quarta-feira, 05/08. A abertura da sessão é Depois de Tudo, de Rafael Saar, filme interessante justamente pela simplicidade e delicadeza com que o roteiro trata de um tema tabu, o homossexualismo na terceira idade. Mas há um problema de casting, e o curta é prejudicado pela presença de Ney Matogrosso que interpreta um dos protagonistas, sendo impossível se desvencilhar da figura representativa deste e enxergar ali um personagem isolado, sem qualquer resquício de seu intérprete. Pior: o personagem introspectivo e cotidiano, é encenado pelo interpréte representativo, carregado de significações, tornando-se, assim, impossível acreditar na banalidade daquela figura, já que a memória insiste em nos levar ao rosto maquiado dos tempos do Secos e Molhados.

Agora, antes de discorrer bem sucintamente sobre Pastoreio, acho honesto constar aqui que, além de parte da equipe do filme, sou amigo próximo do diretor Alexandre Garcia e por isso, não me sinto realmente confortável em fazer uma análise mais aprofundada, ainda que tenha visto o filme diversas vezes e tenha acompanhado seu processo de produção. No entanto, aí vai uma rápida impressão: trata-se de um grande filme, mas mais até pela observação contemplativa que faz do cotidiano de um ambiente de ruptura inserido em meio ao espaço urbano, do que pelo personagem em si.

Pastoreio, de Alexandre R. Garcia
"Pastoreio", de Alexandre R. Garcia

Acompanhando Pastoreio num incomum registro documental, a sessão trouxe ainda A Vermelha Luz do Bandido, badalado documentário de Pedro Jorge, da Anhembi Morumbi. Trata-se na verdade de um tributo ao filme de Sganzerla, que por isso mesmo apresenta-se de forma anárquica, fragmentada e experimental, retomando de certa forma a porra-louquice do cinema marginal. A diferença é que o caos aqui retratado é mais límpido, redondo, a coisa toda vem melhor aparada. Mas não que isso chegue a prejudicar o filme.

O último destaque da noite ficou por conta de Sobre um dia qualquer, de Leonardo Remor, que mais uma vez me fez ficar impressionado com a qualidade técnica das produções da Unisinos. A diferença comparando-o, por exemplo, com Os Boçais, da mesma universidade, só que na competitiva do ano passado, é que enquanto este último era um filme tão petulante e desafiador quanto vazio (pra não dizer boçal), Sobre um dia qualquer vem pra dizer alguma coisa e utiliza-se de sua elaborada mise-en-scéne e enquadramentos para narrá-la. No filme, uma garota inserida na linha de produção, no establishment, procura se libertar (mesmo que metafóricamente). O ambiente que a cerca é dos mais opressivos, sendo escuro e ameaçador do lado de fora e de uma assepcia industrial incômoda nos interiores (não à toa, o cenário é uma fábrica). No último plano, a câmera deixa de trabalhar como mero maquinário, reflexo da própria protagonista (e não posso deixar de exemplificar a precisão do travelling da cena do refeitório) e liberta-se, tal como a personagem, revelando assim a existência de uma imensidão, de um mundo lá fora.

Os demais filmes do Programa 3 foram “Aquilo que Resta”, de Raul Maciel; “Deus lhe Pague”, de Railka Fránklin; e “Crédito”, de Lucas Camargo de Barros.

Programa 4

Quinta-feira, 06/08, certamente a sessão mais interessante deste FBCU. Do simpático e cool Como Comer um Elefante, à sinceridade desconsertante do aparentemente inofensivo O Arquivo de Ivan; do polêmico Darluz, à farsa que é Cadê o Daniel?; e no meio disso tudo um desabafo em forma de filme (Eu, Tereza), e o resgate de uma memória coletiva que serve também à individual (Baronesa).

Comecemos por Darluz, o filme de Leandro Goddinho que faz questão de destacar que é de Goddinho, a ponto de ter o nome do diretor sobreposto ao título durante os créditos. Na verdade, essa é uma implicância pessoal que não se restringe à Darluz ou ao próprio Goddinho (com quem nunca conversei, só o vi durante o debate), mas que provém de uma constatação de que cada vez mais o cinema universitário se coloca como autoral, no sentido de dar ao aluno-diretor uma soberania e importância maior do que ao aluno-diretor de arte, fotógrafo, roteirista, etc., quando na verdade deveria-se haver no meio universitário a busca por um cinema ainda mais colaborativo do que de costume, por um cinema de auto-conhecimento e de reconhecimento de uma arte coletiva, ou seja, um cinema de primeiros passos. No entanto, sejamos francos, a “culpa” não é só de Goddinho, nem dos outros três diretores que na mesma sessão usaram o crédito “um filme de”, mas, sobretudo, das universidades que estimulam cada vez mais um cinema competitivo e autoral (no mau sentido).

Darluz, de Leandro Goddinho
"Darluz", de Leandro Goddinho

Mas divago, mesmo porque, embora não pareça, sou um dos defensores de Darluz, que quando exibido no PUTZ, foi apontado por muitos como grosseiro e de mau gosto. Façamos uma comparação entre Darluz e Milímetros, curta goiano exibido no Festival de Paulínia mês passado. Ambos apresentam críticas muito bem delineadas: enquanto Darluz denuncia de forma voraz a crueldade de uma mídia que julga e destrói com a mesma velocidade com que investiga e descobre (e por isso mesmo trata-se de uma mídia volátil e fragmentada, tal como a estrutura do filme), Milímetros critica a proliferação de um documentarismo inconsistente e vazio. A diferença é que se Darluz apresenta um senso de humor ácido e o utiliza em prol de sua crítica sem jamais permitir que ele ultrapasse o filme, Milímetros tem uma única piada, que transpassa o filme e acaba por abocanhá-lo. A graça acaba, portanto, sobressaindo ao próprio filme.

Mas a pergunta que embalou a sessão foi, literalmente, Cadê o Daniel? O “filme” dirigido por André Sicuro e Luar Grinberg causou verdadeiro frisson na plateia. Não à toa, já que era mesmo divertido. Pena não ter grande validade como cinema: Cadê o Daniel? é inquestionavelmente bem sucedido como intervenção cênica, e na resposta imediata que obtém do público, mas não passa de um registro com capacidade de causar comoção. E, convenhamos, esse não é bem um potencial exclusivamente cinematográfico.

Eu, Tereza, de Nathália Tereza (e mais uma vez é bom constar, amiga e colega de faculdade) não só é cinema, como é de uma simplicidade e sinceridade desconcertantes. Um único plano-sequência, a dilatação do tempo, o espaço cênico quase vazio, tudo corroborando para a criação de um tempo morto, um espaço entre a perda e o recomeçar, um tempo de superar a dor. Isso pode não parecer explícito ao público, e essa é justamente uma das poucas fragilidades do filme, não revelar de forma mais direta, talvez até mais didática (e uma revisita mais detalhada às fotos penduradas provavelmente resolveria isso) o quão íntima é a ligação do filme com sua diretora, algo que só é suprido ao final com a inserção de uma voz off.          Baronesa, de Cláudia Afonso, também não deixa de ser uma revisita ao passado, já que a diretora morou no edifício-título, o Baronesa de Arary. Porém, diferente de Nathália, ela parte em busca de uma coletividade, a fim de retratar um espaço (o edifício). É aí que imagem e som disassociam-se (algo também visto em A Vermelha Luz do Bandido), e enquanto a pista sonora se aproxima de um documentarismo mais convencional, o participativo, a câmera procura por algo que, além dos próprios moradores, represente vida naquele edifício. Assim, é com muita delicadeza que o filme acaba explorando seus personagens de maneira indireta, preocupando-se apenas em registrar resquícios de suas presenças, que quando montados, resultam num personagem maior, o próprio Baronesa de Arary.

O arquivo de Ivan, de Fábio Rogério
"O arquivo de Ivan", de Fábio Rogério

Propositalmente, deixei O Arquivo de Ivan como último filme do programa a ser comentado. Isso porque o curta sergipano dirigido por Fábio Rogério engana justamente por parecer um documentário falho, aparentemente inofensivo. Ledo engano. O filme de Rogério inicia num plano observacional de duração razoável, em que vemos Ivan entre os inúmeros arquivos que mantém numa sala. Durante esse tempo, algo fica em suspensão e não sabemos com certeza se vemos a uma ficção ou documentário. De repente, Ivan encontra o arquivo que procurava e tal pergunta é respondida da maneira mais abrupta possível, com a revelação do diretor, equipe e equipamentos em quadro. Ivan se assume não só como documentário como se desnuda como filme. Aos poucos, porém, se esquece também de que é filme, e acompanhamos apenas três rapazes absortos em torno de um personagem por quem têm um misto de respeito e fascínio. A coisa se desenrola assim, até que o filme, num momento de epifania, recobra consciência de si: personagem e captador de som dividem o quadro; o captador de som desvia sua atenção para algo no extra-quadro e demora a entender o pedido que vem do diretor. Finalmente, ao entender, se abaixa e sai de quadro. O Arquivo de Ivan “volta a ser filme”, no entanto, o importante já fora mostrado: o retrato parcial, porém respeitoso e sincero de um personagem e sua devoção para com esse hobbie incomum.

Os demais filmes do Programa 4 foram “Cru”, de Fábio Allon, e “Bomba!”, de Lara Lima, Marcelo Lima e Renato Coelho.

Programa 5

Sexta-feira, noite de filmes tecnicamente bem realizados, mas que, em sua maioria, não levam a nada, caso, sobretudo, de Quarto de Espera, mas também de Amor de Família e Dez Elefantes, este último mantendo ainda alguma curiosidade por ser um filme travestido de Lucrécia Martel, ainda que sua crueldade exacerbada seja infinitamente mais rasa do que a da diretora argentina. Não me levem a mal, é inegável a força estética e narrativa (da montagem, sobretudo) que tem o curta de Eva Randolph, mas essa revisão em Dez Elefantes só fez aumentar minha impressão de que a violência intrínseca ao filme é ali colocada mais como fator desencadeante de um incômodo, programado para atingir diretamente a nós, espectadores, do que como parte real daquele universo, algo que se repete também em Holanda e Hoje é o seu dia, com o diferencial de que nesses, tal incômodo é proveniente de seus personagens apáticos/desagradáveis, e permanece contido a eles, sem extravasar para o resto dos filmes.

Em meio a tudo isso, Formigas e, numa escala menor, Cinco Minutos, se destacam justamente pela honestidade de suas histórias e projetos, influenciando consequentemente a personalidade dessas obras. Formigas, no entanto, sobressai não só graças a delicadeza com que trata um assunto pouco conhecido (a tragédia da shindo renmei sob a perspectiva da infância), como pela forma sincera e honesta com que se assume como um cinema clássico-narrativo num cenário universitário em que impera o experimentalismo. São filmes que, de alguma forma, buscam um sentimento, uma alma, e que se contrapõem dentro do programa ao vazio bem apurado de Quarto de Espera. Os demais, entre erros e acertos, encontram um meio-termo entre essas duas vertentes, mas sem jamais chegar a experiência totalizante dos filmes de Caroline Fioratti e Ricky Mastro. Afinal, pouco adianta a técnica se, no fim, o que importa mesmo é a tal da alma.

Fotos retiradas do site oficial do FBCU.

Alvaro Zeini Cruz é graduando em Cinema pela Faculdade de Artes do Paraná (FAP)

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Este post tem 6 comentários

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    Pedro Plaza

    Caro Álvaro,

    De fato, acho que você deve ter ficado surpreso na nossa rápida conversa no meio da rua ou de pé, ao redor da hora do almoço e nele: coincidiram várias observações quanto a aspectos notáveis dentro de filmes que ambos vimos.
    Gostei da sua pontuação sobre a reflexão no cinema universitário e o senso de colaboração (na contramão da distinção do “autor”) que você constrói no começo e na passagem sobre o Darluz. A sua compreensão pode ser muito prolífica se compartilhada por mais colegas e esta experiência só existe porque há uma aposta na educação pública superior, não na personalidade de uns e outros. Afinal, nem foi uma aposta dos que estão cursando estes anos tão ricos de estudo e pensamento, mas de uma geração anterior. Talvez o desafio seja mesmo prolongar este regime de coisas para depois da desvinculação direta com a universidade.

    Não percebi uma violência extrema construída no Dez elefantes, apesar de concordar no fato de que se vislumbra o projeto, não a realização formal, de fato, da criação de uma atmosfera que nos remete aos filmes da Lucrecia Martel. Como te disse pessoalmente, o clima de violência nasce de uma percepção pueril do espaço-tempo/ ações infantis naquela rocinha. Já vi criança comer um lagarto daquele. Tocar o bicho e por sobre a mão é faca na manteiga. Mas louvo a qualidade do trabalho e o nível elevado de consciência dos meios de expressão.

    Fiquei informado e instigado pelo seu texto, tanto em relação aos filmes quanto em termos de baizamento de pontos de um tipo de meditação que me interessa.

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    Leandro Goddinho

    Olá Alvaro,

    Sou Diretor do curta DARLUZ, e embora vc tenha dito que é um defensor do curta ( e eu acredito) , vim aqui me defender tbm! O curta é meu projeto de TCC na Anhembi e era o mais desacreditado da turma. Pra vc ter uma idéia, da minha equipe, só eu e mais 2 pessoas estavam se formando com o projeto… os outros membros da equipe são amigos queridos que se dispuseram a me ajudar sem receber ‘um diploma’ em troca, pq no fim das contas era só isso q o filme valia pra quem tava se formando, um diploma! Uma dessas pessoas só apareceu um dia, das 15 diarias de filmagem do curta. O que vc acha disso?! E ganhou a mesma nota 10 que eu! O orçamento do trabalho foi de 5 mil Reais, que sairam do meu bolso, sendo que nos outros grupos o orçamento foi dividido em partes iguais! Pois bem, este que era o projeto mais desacreditado, já ganhou 10 prêmios e tem recebido otimas criticas por onde passa! E eu pus “um filme de Goddinho” imenso, nos créditos do filme como forma de protesto mesmo. É um projeto autoral sim. E essas historia de ciração coletiva é uma utopia muito longe da realidade num meio que é sim muito competitivo, mesmo nas universidades. O processo de escolha dos projetos já é segregador… se o seu não é aprovado, vc é obrigado a trabalhar no de outra pessoa pra poder se formar… e muitas vezes se faz isso de má vontade! Eu não vejo nenhum problema em assinar “um filme de”. Duvido que Michelangelo tenha pintado a capela Sistina sozinho e não foi o Niemeyer quem construiu Brasilia com as propias mãos. Mas alguém tem que ser o responsável pela obra, cacete! Alguem precisa assinar a bagaça. É preciso ter culhoes pra assinar uma obra, coisa que muita gente não tem. E assim como, graças a deus, eu tenho colhido bons frutos com o DARLUZ ( 10 prêmios é muito mais do que eu esperava), eu sou obrigado a ouvir muita crítica cruel tbm! Muita gente que odeia e fala mal. E elas se referem a quem quando falam?! A mim cara, assim como vc fez em sua critica!

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    Alvaro André Zeini Cruz

    Olá Leandro,

    Durante o Festival, conversando com um amigo com quem trabalhei, e mais um grupo de pessoas, acabei me referindo ao filme que fizemos (ele diretor, eu montador) como “o filme de Fulano”. Ele, por sua vez, me corrigiu imediatamente: “você quis dizer o nosso filme, né?”
    Achei interessante e um tanto quanto curiosa essa posição bastante incomum no meio universitário (infelizmente), essa consciência de um cinema como obra coletiva em que o diretor, montador, figurinista, microfonista, ou seja lá a função que for, são imprescindíveis em nível de equivalência ao filme, ao ponto de que todos ali são igualmente autores. Pode parecer utópico, mas sinceramente, fico feliz que exista essa mentalidade no cinema universitário quando tudo corrobora contra.
    O cinema universitário é um cinema de primeiros passos, ou ao menos assim deveria ser. É um cinema de experimentações e aprendizado. No entanto, devo concordar quando você diz que é um cinema altamente competitivo, até mesmo por haver segregação dentro das próprias universidades. É aí que fica o X da questão: as próprias faculdades corroborando para a criação dessa mentalidade da supervalorização do aluno-diretor, no sentido de que ele é um autor e os demais não. Isso é bastante grave pois não só desincentiva o aluno-roteirista, o aluno-montador, o aluno-fotógrafo, etc, como cria uma mentalidade em que cada aluno só se dedica inteiramente ao próprio projeto, sendo displicente quando envolvido no projeto do próximo, bem como você pontuou em sua resposta. Não é à toa que tantos projetos nascem desacreditados, e acredite, você não é o único é sofrer com isso.
    Como resolver essa questão? Acredito que influenciando a equipe no sentido de criar um entusiasmo que proporcione um envolvimento com o filme tão forte quanto o do próprio diretor, e é justamente por isso que acho seu “protesto” incorporado ao filme dispensável, pois o Darluz tem essa característica e acredito que como diretor você foi muito bem sucedido nesse ponto, do contrário o resultado visto não seria tão positivo. O que quero dizer, enfim é: o diretor é sim responsável pelo filme, é sim aquele que proporciona meios para que o filme exista, e, sobretudo, é aquele que guia a equipe rumo a um resultado final, afinal, mesmo que o projeto seja seu, ele só é possível porque outros acreditaram nele tanto quando você (se não seus colegas de sala, sem dúvidas os colegas da equipe, esses até mais ainda justamente por não terem um diploma, ou seja, foi tudo por amor a ideia mesmo). É por isso que pontuo que Darluz não é um filme de Goddinho, e sim um filme dirigido por Goddinho (e da maneira com que tal informação foi colocada nos créditos, parece que mais vale o diretor do que o próprio filme). Ele é sim um filme de Goddinho e mais algumas pessoas.
    Mas, sinceramente, embora eu tenha questionado um único ponto e isso tenha gerado toda essa discussão (muito saudável, por sinal), acho que você não deveria se abster a isso num sentido individual, afinal pessoalmente acho que Darluz é um grande acerto. Agora, isso deve sim ser pensado num sentido mais amplo, pois realmente acredito que algo grave se propaga no cenário universitário audiovisual e se todos sairmos da faculdade olhando apenas para o próprio umbigo, imersos apenas em projetos próprios, seremos pequenos pontos isolados incapazes de nos comunicar, e realmente não acredito que se faça cinema assim.

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    Raul Maciel

    De fato, tem que assumir a responsabilidade pelo filme, receber tanto críticas quanto elogios… e assumir os erros, mesmo aqueles que às vezes não sãos especificamente da direção. Mas e quanto aos atores? E aos integrantes da equipe que realmente se dedicaram? Discordo em relação a utopia. E faz parte sim do trabalho do diretor conseguir aglomerar pessoas em torno de um projeto e fazê-las perceber que este projeto pode também ser delas.

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    Leandro Goddinho

    Concordo com muitas coisas ditas acima… e acho a discussão bem saudável… Claro que pensarei a respeito, embora ainda acredite na coisa da assinatura… Vcs não são os primeiros a me levantarem essas questões, embora na história do cinema mundial se utilize de forma cotidiana a expressão “um filme de”… Sempre penso nessas coisas. Pq dizemos que vamos ao cinema ver um filme da Julia Roberts?! Alguem sabe o nome dos diretores que fazem os filmes dela?! É raro… talvez pq a assinatura seja dela. As vezes é o produtor que assina o filme, as vezes o nome de um ator aparece maior do que o nome do filme… claro q existem questões mercadológicas no meio… mas, embora discordem, e eu não estou defendendo, apenas estou comentando a existencia, em 90% dos filmes, desta ‘tal assinatura’… e o ‘problema’ se repete mesmo no meio universitário… Sabem pq ? Pq na maioria da vezes estamos tentando copiar uma formula profissional!! Não é?! Um filme universitário é tido como bom, o quanto mais ele se pareça um ‘filme profissional’, em 35mm de preferencia, com a luz considerada ‘correta’, com atores ‘naturalistas’, continuidade perfeita, montagem na maioria das vezes classica. E por isso, fui obrigado a ler uma critica do Sr. Cid Nader, dizendo que o filme que fiz é um lixo e ainda, que a minha faculdade era uma bosta pq não me viu fazendo aquele lixo, não me orientou. Tudo isso pq, ele mesmo fala na critica, o filme é feito em digital ( o que ele considera um crime, mesmo no cinema universitário ), pq os atores são “pateticos” ( isso pelo fato deles não terem um registro ‘naturalista’ ), e que a fotografia e a montagem são “amadoras” ( pq não seguem um padrão PROFISSIONAL), e ele escreveu esta critica dentro de um Festival universitário, onde pelo visto, a cobrança por filmes PROFISSIONAIS, foi bastante cobrada!!! Proponho outra discussão então… que tal fugirmos, dentro da faculdade, deste modelo “profissional”?! Talvez a expressão “um filme de” desapareça… e alias, este é o único resquício de modelo de mercado que existe no “Darluz”, pq de resto tentamos fugir ao máximo de tudo isso, e este pra mim, é o maior mérito do filme. Talvez nos créditos do curta, no meu caso, a ‘tal expressão’ cause mais impacto pq uso letras gigantescas na tela… mas isso é apenas uma preferencia estética, baseada no proprio Godard, que adorava letras gigantescas tomando toda a tela… E mudando de assunto… a atriz do filme, a Mawusi Tulani, já ganhou 2 prêmios de mehlor atriz pelo DARLUZ. Num dos festivais eles divulgaram o nome da premiada como Manusi… ( PORRA, que tal rever o filme e copiar de forma correta o nome da mulher que vcs tão dando o prêmio?). O Fred Ouro Preto ganhou prêmio pela fotografia, eu ganhei prêmio de Direção e montagem, e ainda de roteiro, que divido com o João Fábio Cabral… E em muitas criticas, fala-se muuuuuito bem do elenco!!! Todos, meus amigos do teatro. Meu maior parceiro nesta empreitada foi o ator e Diretor de Arte do curta, Antonio Vanfill… Vcs criticos precisam rever uma coisa tbm… se dêem ao trabalho de procurar a ficha tecnica quando forem falar do filme… pq sempre falam coisas do tipo… “a protagonista tem um desempenho impressionante”, que tal citar o nome dela?! E escreve-lo de forma correta?! E a Produção que nunca é citada em criticas, ( Renata Esperança e Juliana Kiçula, que se dedicaram muito ao filme ) … E os assistentes de Direção?! Nunca são citados por vcs… já viram alguma critica citar um?! Pois cito aqui os queridos Thaise Oliveira, Bruno Risas e Vanessa Prieto. Que tal falar especificamente do trabalho deles?! Eu estou realmente pensando sobre tudo que me disseram, mas pensem também nisso, como críticos de cinema de uma revista universitária… Raul, eu tbm acho que o Diretor tem por obrigação fazer com que a equipe se apaixone pelo projeto, sobretudo qnd se está trabalhando de graça, porém, acho que parte de cada um se sentir autor daquilo ou não… é um direito que nos cabe… Eu, por exemplo, acabei de fazer meu estagio num longa, sendo Assis. de Direção, e não acho, e nem quero que achem, que aquele filme é meu tbm… Pq nada que está sendo dito ali me representa… Não que eu odeie o trabalho, simplesmente não me representa. Então, não sei… a discussão é longa… Isso tem a ver com uma coisa MUUUUIITO forte, tema de mais um debate : as universidades de cinema formam técnicos ou artistas?! Não deveríamos ter a formação para ambos os casos?! Fiz Artes Cenicas tbm, na USP, e no teatro a preocupação em se formar um ARTISTA é muito maior que no cinema… Acho que quando somos artistas nós sabemos que projeto ‘comprar’, pq temos uma identidade construída… Tô só jogando lenha na fogueira…. RsRsRs E continuemos o debate, que considero mais do que saudável…

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    Gabriel Martins

    Olá!
    Aqui é Gabriel, diretor do Filme de Sábado. Só queria deixar um agradecimento pelo texto. Sempre é bom ver o filme reverberar, tanto pelas suas falhas quanto pelas suas virtudes. Abraços!

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