A luta na areia

Terça-feira, 05/11/1968

“A mulher da areia” do japonês Hiroshi Teshigahara que o Cine Miami está exibindo na sua nova fase de “cinema de arte” é possivelmente o melhor filme exibido por aquele cinema nesta fase. Um estudante japonês parte para uma pesquisa de insetos numa região arenosa do litoral do Japão. A noite hospeda-se numa casa, habitada apenas por uma mulher, casa esta situada numa “cratera” cuja única via de acesso é uma escada de corda. Na manhã seguinte constata que a corda foi retirada e não há possibilidade de sair. Eia a situação básica que o filme coloca: a pequena aldeia das redondezas precisava de alguém que ajudasse à mulher no recolhimento da areia, dentro daquelas condições limites de sobrevivência. Como não havia voluntários, só restava esta solução forçada. A partir daí, toda uma relação se estabelece entre ele, ela e a condição limite de suas vidas, num filme que seria insuportável não fosse a sensibilidade do diretor que extrai de cada plano, de cada seqüência, uma possibilidade de indagação e reflexão naquilo que se refere ao homem, e sua luta no seio da natureza. Assim, a própria evolução da atitude dele em relação à sua “prisão” é plasticamente sentida por um comportamento da câmara: no início muito próxima dos atores, fixando-se “epidermicamente” nos seus mínimos gestos; a impressão é de fechamento, opressão; aos poucos, a situação vai ficando mais clara e uma visão de conjunto se abre para nós. Desta forma o sentido da presença dela (e conseqüentemente dele) naquele lugar só nos é possível elucidar. Quase no final, quase que simultaneamente ele, que durante muito tempo encarou esta experiência como provisória e imposta contra a sua vontade da só pensava em fugir e havia tentado), começa a perceber e aceitar uma motivação para aquela luta, antes sem sentido. Assim sua posição de revolta é substituída por um verdadeiro engajamento, que no final se afirma de modo consciente por uma opção (por ficar) que em sua aparência é livre. Esta opção, que fundamentalmente define a posição da fita, tem de ser refletida e discutida. Até que ponto ela é livre na medida em que uma vivência longa é bastante traumatizante a antecedeu e condicionou? Até que ponto esta opção final não é apenas a reafirmação de uma atitude muito particular do personagem já delineada no início, quando suas reflexões sobre a civilização (a seu ver “quadrada” e burocrata, sem possibilidade de liberdade) já revelavam uma tendência naturalista? As contraposições entre o mundo primitivo que nos é dado e o mundo dito civilizado não devem ser absolutizadas. Em alguns momentos estão presentes na fita, mas em nenhum deles existe a tentativa de colocar o progresso em cheque. Portanto, a posição final do personagem deve ser vista muito mais como a afirmação do humano diante de qualquer condição e, ainda mais, que o humano se afirma fundamentalmente pela luta, seja ela onde for. Isto é que o personagem percebe; é o que determina sua opção.

Por Ismail Xavier

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