O Facebook é um acontecimento cultural que atingiu proporções superlativas nos últimos anos, com centenas de milhões de pessoas ao redor do planeta como membros e um valor de mercado na casa das dezenas de bilhões de dólares. Um grato desdobramento disso tudo é o novo filme de David Fincher, A Rede Social, que apresenta os bastidores da fundação do site. Baseado no livro Accidental Billionaires, o roteiro utiliza a relativamente tumultuada criação do site como pano de fundo para expor as intrigantes personalidades dos criadores em um contexto: a sensação de pertencimento ao grupo, sobretudo no que diz respeito a Mark Zucerkberg, o fundador. A Rede Social não se pauta pela verdade pura e absoluta – não se poderia esperar isto de qualquer maneira, mesmo que alguns fatos tenham sido retratados – e sim pela motivação de cada personagem que teve parte na criação de algo tão relevante (ou irrelevante, diriam alguns) para a primeira década do século XXI como o Facebook.
O seu único amigo, Eduardo Saverin, também aparece como uma espécie de deslocado, tentando encontrar o seu lugar em várias instâncias – no próprio empreendimento (Facebook), na vida pessoal, na universidade. Saverin é maravilhosamente interpretado pelo ator Andrew Garfield, e recebe um tratamento mais digno e com mais humanidade por parte dos realizadores. Ajuda o fato de que o espectador possa se identificar com Saverin desde o começo, que não é um gênio brilhante como Zuck, mas um rapaz carismático e esforçado que se vê traído por alguém em quem confiava cegamente. Outro destaque é o Sean Parker de Justin Timberlake, um indivíduo sedutor e problemático que imediatamente se torna um modelo para Mark Zuckerberg, atribulando sua relação com o amigo Saverin, que vê Parker como uma ameaça.
A montagem do filme, bem alternada entre a gradual gênese do site e as salas frias e escuras onde Zuckerberg é posto em escrutínio em dois processos diferentes, favorece o clima indefinido da história, onde não se sabe de qual lado a verdade está. Nesse sentido, evoca o clássico Rashomon, de Akira Kurosawa, onde cada um expõe a história de um modo que lhe pareça mais favorável, no que diz respeito à honra. Ainda assim, é interessante notar, novamente, que, antes de saber a quem a verdade pertence, o filme se ocupa em demonstrar quem chegou primeiro. Não se trataria de roubar uma ideia, mas sim tê-la antes que outrem. Os irmãos gêmeos Winklevoss são remadores profissionais e perdem uma regata na Inglaterra. Perdem também o primeiro lugar para Zuckerberg, que desenvolveu a ideia do site debaixo dos narizes deles, antes que pudessem fazer qualquer coisa. É também um aspecto da cultura contemporânea que acaba refletido em A Rede social.
Contando ainda com uma intrigante trilha sonora elaborada por Trent Reznor e Atticus Ross, A Rede Social é tremendamente bem sucedido. Permanece aqui a tendência de David Fincher em se interessar pelos desvios, por pessoas fora da curva, incompreendidos, párias, obsessivos, e, em alguma medida, malditos. Não que Mark Zuckerberg – mesmo o Mark de A Rede Social – seja um maldito; é apenas alguém cuja misantropia esconde o vazio por algo que não se tem; algo que se deseja ardentemente – simplesmente pertencer. Nem que, para isso, seja preciso criar um dos mais retumbantes sucessos de empreendedorismo de que já se teve notícia. A cena em que Mark adiciona sua ex-namorada no Facebook, que fora insultada por ele na internet após tê-lo rejeitado, e constantemente recarrega a página dela, à espera da resposta para o seu pedido, pode ser um forte indício nesse sentido. Afinal, ele já não pertencia a ela há um bom tempo. Queria de volta algo que não tinha mais.
Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em Comunicação Social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp
Muito bom o texto! valeu! Eu que ainda não assisti o filme, fiquei com mais vontade ainda de ver.
beijos!
entre a saúde e a doença há um mundo que forja um lado ou outro…este filme faz pensar como esta sociedade pode potencializar os problemas ao invés de superá-los. Parabéns pelo texto!