Audiovisual e Educação

Introdução:

“‘Não voamos porque inventamos os aviões, inventamos os aviões para fazer de maneira mais eficiente algo que é uma necessidade humana básica – movimentar-se’. Não fazemos filmes porque a tecnologia existe, nós inventamos a tecnologia, e continuamos a reinventá-la e aprimorá-la, porque isso facilita outra necessidade humana realmente básica – comunicar-se”.[1] Para o educador Paulo Freire Uma das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é hoje dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à sua capacidade de decidir. Vem sendo expulso da órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma “elite” que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser seguida. E quando julga que se salva seguindo as prescrições, afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto. Coisifica-se.”[2]

Como se dá, portanto essa relação direta do tripé entre Sociedade-Educação-Cultura?

Ao longo do curso percebemos, através da leitura dos autores estudados, que a educação reflete a sociedade e vice versa. Os diversos pensadores estudados problematizaram o tema, a fim de levantar possíveis soluções, métodos pedagógicos ou até mesmo chegando a resoluções tautoméricas.

Cada autor escreve tomando como base sua época, e as anteriores a ele. Isso limita realmente a capacidade de antecipação dos próprios problemas levantados por eles em suas possíveis soluções. Entretanto, seus erros servem de alerta para a próxima geração e buscar novos rumos é sempre uma maneira crítica de educação. Por isso debater sobre qualquer assunto é também saber que podemos, e provavelmente estamos errados em algum ponto de nosso raciocínio. Rousseau[3] por exemplo, apontou que o progresso não significa necessariamente um avanço moral, e criticava a posição minimalista e prática dos pensadores que viam, durante o iluminismo, a razão humana e a ciência como única forma de felicidade. O autor questionava dessa forma a própria ideologia defendida por ele em seu tempo. É, portanto de extrema importância, ao pensar soluções, pensar os efeitos dessas, a fim de prever o impacto negativo e positivo de nosso pensamento. Isso é o que Rousseau chamava de racionalismo instrumental.

A maioria dos autores propôs uma educação crítica, emancipatória e que refletisse de maneira prática em nossa sociedade. Alguns analisando mais política e economicamente, enquanto outros buscando soluções filosóficas e humanas para essas questões. Por outro lado, constataram que entre a teoria e a prática existe um sistema alienado, com suas ideologias internalizadas e inertes a qualquer reforma, o que dizer de uma mudança.

A mudança, portanto, no meu ponto de vista, deve ser feita, como refletiu Istruan Meszáros[4], em todas as vertentes possíveis. Segundo ele, a educação deveria ser uma transcendência positiva que ultrapassasse a auto-alienação do trabalho. A mudança, no entanto, não funcionaria de maneira drástica, através de uma revolução como propunham os marxistas e suas teorias socialistas (que em muito contribuíram para uma densa crítica ao sistema capitalista, estudando suas bases profundamente).

Antonio Gramsci[5] escreveu que as reformas devem ser pensadas à margem do sistema. Utilizar os locais apenas explorados pelo sistema, mas abandonados do ponto de vista do desenvolvimento social e humano, super-explorando a mão de obra, os recursos naturais, sem nenhuma contrapartida àquela sociedade. Esses locais deveriam ser utilizados para experimentar novas formas de educação, com o objetivo de criar novas e consolidadas ideologias. Uma ideologia cuja base seja a educação democrática proposta por Paulo Freire, utilizando um novo conceito de cultura, mais antropológico, buscando a valorização da diversidade e da regionalização, não da forma fanática e nacionalista proposta pelo fascismo, mas universal como apontada no relatório da UNESCO[6].

Da mesma forma, tentar utilizar as próprias ferramentas de massificação utilizadas pelo Estado (seus aparelhos ideológicos como apontadas por Louis Althursser[7]) e pelas corporações, estas corporificadas pelo o sistema através das pessoas jurídicas, sem rosto, sem caráter, em que a única ética é o lucro.

Assim como Niedson Rodrigues[8] propõe que a educação no indivíduo deve ser feita de dentro pra fora e não apenas de fora para dentro (educador deve ser apenas motivador), a mudança das estruturas sociais e ideológicas, que configuram nossa sociedade competitiva e desigual, deve ser seguir os dois movimentos. Primeiramente de fora, através dessas experiências consolidadas, possibilitando exemplos concretos de uma sociedade funcional alternativa. Simultaneamente de dentro para fora, trazendo para o centro das decisões aos poucos essas mudanças. O sistema deve, portanto sentir a necessidade para a mudança e a educação estar pronta para atender essa demanda durante o processo de transição (algo como o proposto por Paulo Freire[9]). Esse processo já ocorre na medida em que um novo fator, a questão ecológica, é levantado, colocando em xeque a funcionalidade do sistema, seu caráter imediatista, individualista e infinito. A sustentabilidade, a solidariedade, o coletivo e a diversidade devem ser as novas idéias adotadas nessa nascente ideologia.

A cultura tem papel fundamental nesse processo. Buscar novas linguagens estéticas para atingir o sensorial da população, levantando novos conceitos e buscando a mudança não através apenas da razão (sustentabilidade), mas também no âmbito dos sentidos.

Deste modo, o audiovisual, minha área principal de pensamento, é um instrumento de educação importantíssimo para esse novo nascimento ideológico. Não só pela sua imensa rede de difusão (seja pela TV, cinema ou internet), mas também por sua estética, possivelmente, muito próxima ao sonho.

O sonho é um lugar comum a todos os humanos, universal. No sonho, a ambição, a velocidade, os compromissos e a intenção entre indivíduos se dá (ou pode se dar) de uma forma totalmente distinta: nos sonhos não existe o poder, o dinheiro, as limitações físicas/orgânicas do corpo, não há diferenciação de raças ou etnias. Todos somos iguais. Buscar trazer, assim, ao mundo material o mundo do sonho, através da educação cultural é um grande passo?

Conclusão:

Percebemos então a importância da comunicação audiovisual na cultura da sociedade moderna.  Isso nos alerta que a condição do indivíduo crítico e democrático em uma sociedade com valores mais humanos e conscientes passa pela modificação de nossa cultura.

Uma nova ideologia mais coletiva deve ser pensada, e a educação tem papel fundamental nesse processo que já ocorre. É importante ter em vista a própria problematicidade desse processo, alertando sempre para os novos rumos, a fim de evitar um retrocesso.

Deve-se pensar na educação como fator da sociedade, não de forma isolada, e, além disso, desenvolver um conceito amplo de mudança, por várias vertentes, utilizando tanto o centro como a marginalidade do sistema para as reformas que acarretarão em mudanças profundas e positivas.

Todo esse processo se dá de forma gradual, e aos poucos a nova cultura se internaliza e passa a ser sistema. Para que esse sistema seja humano, no entanto, é preciso que o processo seja totalmente pautado pelos conceitos da educação, democracia e diversidade.

Bibliografia:

LABAKI, Amir. O Cinema do Real. Título Original: Subtítulo: Autor: Amir Labaki, Maria Dora Mourão. Tradução: Editora: Cosac & Naify

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Tradução Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

MESZÁRIOS, Istruan. A Educação para além do Capital. Boitempo, 2005

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989

UNESCO. Educação: Um tesouro a descobrir”

ALTHUSSER, L. P. Aparelhos Ideológicos de Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

RODRIGUES, Neidson “Educação: Da formação humana a contribuição do sujeito ético

FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

Felipe Carrelli é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)


[1] A primeira citação é de José Carlos Avellar e a segunda é uma analogia a esta citação feita por Russel Porter. Trechos extraídos do livro O Cinema do Real. Título Original: Subtítulo: Autor: Amir Labaki, Maria Dora Mourão. Tradução: Editora: Cosac & Naify

[2]FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Tradução Moacir Gadotti e Lílian Lopes Martin.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

[4] MESZÁRIOS, Istruan A Educação para além do Capital. Boitempo, 2005

[5] GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura; Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989

[6] Educação: Um tesouro a descobrir” – UNESCO

[7] ALTHUSSER, L. P. Aparelhos Ideológicos de Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

[8] RODRIGUES, Neidson “Educação: Da formação humana a contribuição do sujeito ético”

[9] FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

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Este post tem um comentário

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    Renata

    Li seu texto, e percebo que muitas das suas questões em relação à potência do audiovisual são coerentes com algumas pesquisas que venho realizando.
    Gostaria de te sugerir um texto, Experiência Estética, Cinema e Ensino de artes, que está no site http://www.cleabrasil.com.br/Grupo/GRUPO%203%20LIL%C3%81S
    Acho que você vai gostar,

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