Barravento

Sexta-feira, 26/07/1968

“Barravento’ é o primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, autor de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” e “Terra em Transe”, e o mais importante cineasta brasileiro e sul-americano. Realizado em 1960, só foi montado em 1961. Em S.Paulo foi exibido pela primeira vez este ano (1968) e é agora reprisado. Inicialmente o filme era dirigido por José Paulino dos Santos, que abandonou a fita sendo substituído por Glauber, que reformulou o roteiro. Ao terminar as filmagens, Glauber não quis montar o material obtido, ficando este encostado, até que oito meses depois Nelson Pereira dos Santos fizesse a montagem, aprontando a fita.

Feito na Bahia é um dos filmes que compõem o conjunto de produções baianas (1959 – 1962) nos primórdios do cinema-novo, quando este movimento dava seus primeiros passos e os seus realizadores faziam suas primeiras experiências no sentido da tematização da realidade brasileira. “Barravento” tem os elementos básicos de uma experiência e contém as apresentações essenciais e o vigor do cinema novo desta fase: condições artesanais de produção aliadas à vontade enorme de dizer aquilo que precisava ser dito, dentro de nível de consciência alcançado. O fundamental era apresentar um problema do povo brasileiro e revelar entraves à sua solução. Em “Barravento” Glauber nos traz os problemas de uma comunidade de pescadores, habitantes de uma vila no litoral da Bahia. Seu trabalho é a pesca, mas não possuem o instrumento que possibilita um rendimento suficiente a esse trabalho. Para manter a vida são obrigados a se submeter à exploração do dono do instrumento (rede) que o aluga, mas reserva a si a quase totalidade da produção de peixes, pouco respeitando aos pescadores.

A ação se inicia com a chegada de Firmino (Antonio Pitanga) à vila, que volta depois de uma longa estada na cidade grande. O panorama que encontra é o estado limite de sobrevivência de todos, graças às condições de trabalho. Aliado a esta condição, emerge como principal elemento da vida da comunidade, o misticismo, que atribui todos os males a forças mágicas e reserva sua solução às divindades. Ao homem resta apenas a resignação e o apelo aos deuses como forma de luta.

As experiências da cidade tinham dado a Firmino as condições para superar esta alienação. Vendo no misticismo de seus companheiros o principal fator que os impedia de possuir uma visão clara de sua própria situação, toda a ação de Firmino se canaliza para um solapamento das bases dessa estranha ideologia que entravava a luta por uma superação da inaceitável condição. Concentra-se na desmistificação de Aruã, membro “sagrado” da comunidade, protegido de Iemanjá, que representava e encarnava essa ideologia. Em meio às suas tentativas, nas quais é ajudado por Cota (Luiza Maranhão), revela-se sua distância em relação aos pescadores, que transforma sua liderança em proposição frustrada. A desmistificação de Aruã se processa, mas não produz os efeitos esperados. As alterações que provoca se restringem à própria figura de Aruã que, uma vez liberto de suas amarras sagradas, se propõe como perspectiva de superação, a cidade, que, assim, aparece no filme como centro daquilo que é novo e se põe em movimento no sentido do desenvolvimento.

O filme foi realizado há sete anos e muitas de suas proposições estão hoje ultrapassadas, principalmente no que se refere à forma de encarar o próprio cinema como instrumento de ação política, mas aquilo que lhe serve de base constitui sua preocupação central, permanece nos mesmos moldes: os problemas da nossa realidade suscitados pela fita, longe estão de ser superados.

Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Ismail Xavier

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