Bastardos Inglórios é um filme que teria tudo para ser “tosco” e bobo: um pequeno grupo de soldados denominados “Bastardos” circula pela Europa durante a Segunda Guerra Mundial numa incansável busca por nazistas com o objetivo de derrubar o Terceiro Reich.
Entre escalpos e suásticas, o que se vê na tela é um bom filme, uma obra reconhecida e identificada ao seu diretor. A pergunta é: o filme funciona por que sabemos quem o dirigiu? Saber, nesse sentido, quer dizer conhecer o “estilo” e o “método” de Quentin Tarantino. O roteiro, escrito pelo próprio, é o mais esperado por ele, que só sentiu-se pronto para escrever depois de pouco mais de 20 anos de carreira.
Os diálogos, escritos em 4 línguas diferentes, são muito bons, com a dose certa de ironia e humor; os personagens são fortes, completados por uma interpretação que beira o caricatural: fortes expressões nos rostos dos personagens que muitas vezes se parecem mais com caretas, elevação e destoação no tom de voz de forma brusca, além da execução de ações que fogem completamente da realidade, como a retirada dos escalpos dos soldados nazistas. Christoph Waltz no papel do coronel nazista Hans Landa é um dos melhores, pena que a resolução de sua história, feita de forma simplificada e rápida, não esteja à sua altura; e Melanie Laurent no papel de Shosanna Dreyfus, uma judia que arquiteta o plano de destuição do império nazista, essa sim colocada num final surpreendente e inesperado.
Tarantino abusa da metalinguagem fazendo um filme dentro do próprio filme, explorando pelas vertentes da política de propaganda do império nazista. Por outro lado, há momentos em quê, o filme se faz extenso e cansativo, com sequências que poderiam ser reduzidas, como na cena do bar em que bastardos e nazistas jogam cartas, antecedendo o momento de um massacre. A fotografia, um dos primores do filme, é eficiente enquanto linguagem e faz uso primoroso do extra-campo, principalmente na sequência inicial, quando a câmera dá uma volta completa no ambiente e realiza posteriormente um travelling para baixo nos revelando um fato crucial para o desenrolar da história. A trilha sonora, composta por diferentes estilos musicais é um dos pontos altos do filme, que constrói a partir desse pastiche musical os momentos dramáticos mais interessantes. A sequência do massacre na sala de cinema é outro ponto destacável, quando coloca-se na tela o desejo de muitas pessoas no mundo todo, assassinando o alto escalão do partido nazista de forma quase orquestral: inicia o filme (o filme dentro do filme), o cigarro ainda acesso é arremessado, as pessoas se desesperam, o fogo começa e rouba o lugar da tela dando forma ao rosto de Shosanna Dreyfus, quase como um fantasma gargalhando da desgraça nazista.
A montagem, também um ponto forte do filme, nos traça 3 linhas narrativas muito bem delineadas e amarradas, mostrando diferentes pontos de vista e fazendo o choque entre elas no fim do filme. Tarantino demonstra que, com o passar dos anos e dos filmes, amadureceu enquanto cineasta e roteirista, mantendo ainda certas particularidades entre seus filmes, principalmente no que se refere às sequências iniciais: sempre temos um diálogo ou uma situação que parecem ser banais, e que se retirados do contexto do filme não fariam sentido por si só, a se lembrar do diálogo no café em “Cães de Aluguel”, mas que, por outro lado tem, dentro dos filmes, uma significação enorme. Em “Bastardos”, Tarantino “abandonou” sua musa, Uma Thurman, e apostou em figuras femininas desconhecidas mas que nada deixaram a desejar e completaram o alto escalão masculino (Brad Pitt e Christoph Waltz) de maneira sublime.
Ao final, o personagem de Brad Pitt, Aldo Raine, após realizar com sucesso seu último feito, olha para a câmera, que representa a subjetiva de Hans Landa, e diz: “Acho que fiz minha obra-prima”, seria essa uma fala do próprio diretor? A dúvida permanece…ou não.
Renan Lima é graduando em Audiovisual pelo Centro Universitário Senac