Oscar 2010

Acompanhar o Oscar sempre foi divertido. Ver os mestres do cinema (principalmente) americano reunidos festejando e se premiando não tem como não ser um entretenimento, assim como é um entretenimento os filmes que a Academia premia – ou não, como Guerra Ao Terror veio provar. É uma festa de gala, talvez a maior de todas, televisionada como um dos maiores eventos do mundo. Aliás, nos intervalos da transmissão, é um dos segundos mais caros para comerciais (porém, ninguém ganha da final do Super Bowl, campeonato de futebol americano).

Questionar qual foi o melhor Oscar até hoje é árduo. Foram tantos prêmios com bons indicados que é quase impossível elencar isso, mas, na festa em si, chegamos perto do melhor – e os filmes não são de se jogar fora também. Pelo menos nessa última década, é uma das melhores seleções, até porque são dez indicados ao Melhor Filme (como fora desde a primeira edição de 1933 até 1943). Os indicados a Melhor Filme são:

Avatar (James Cameron) – A maior bilheteria de todos os tempos e uma marca de revolução para a tecnologia, um filme que demorou 10 anos para ser feito. Não precisa de mais comentários, e esse é o problema – apesar disso tudo, o filme é raso. Mas relevante, tecnicamente.

Guerra Ao Terror (Kathryn Bigelow) – Uma visão (americana) da invasão americana no Iraque muitíssimo interessante, com câmera documental e uma tensão que deixa filmes de suspense com inveja. Relata um esquadrão anti-bombas americano e a tensão que faz parte de seu ofício no país oriental, somando-se a uma nação e população em tensão constante, sendo a bomba maior a estourar o próprio personagem.

Preciosa – Uma História de Esperança (Lee Daniels) – Um filme que emocionou o mundo contando a história (real) de uma negra obesa mórbida analfabeta grávida do próprio pai (Jesus!). Sendo baseado em fatos reais, agradou a academia. Um filme pesado, emocionante, para você sair em lágrimas do cinema.

Bastardos Inglórios (Quentin Tarantino) – Tarantino chegando à maturidade cinematográfica com um filme muito bem estruturado tanto como roteiro como linguagem e coerência fílmica, contando uma versão diferente da Segunda Guerra Mundial, que interessou a Academia (como Tarantino já fizera outras vezes).

Amor Sem Escalas (Jason Reitman) – Esse, totalmente dispensável. Previsível, clichê e entediante. Mas o fato de ter George Clooney (que a Academia adora) como ator principal e um diretor indicado na edição 2008 (por Juno) ajudou nesta injusta indicação (aonde está Invictus, de Clint Eastwood, nesta lista?).

Um Homem Sério (Irmãos Cohen) – Confirma a paixão que a Academia tem sobre o estilo irônico-pessimista dos irmãos Cohen, que assim como Clint Eastwood, começa a colecionar indicações, e prêmios.

Up – Altas Aventuras (Pete Docter e Bob Peterson) – A mais emocionante história da Pixar. E olha que a Pixar já fez vários filmes tocantes. Uma maturidade na tecnologia 3D (não jogando coisas na cara do público, mas sim, usando profundidade de campo) que é pioneira. Uma animação pra ficar na história. Porém, a Academia ainda considera que animação não é filme, logo, Pete e Bob comemoraram a indicação à Melhor Filme, que só ocorrera com uma animação em 1992, com A Bela e a Fera (Gary Trousdale e Kirk Wise). É a primeira indicação à Melhor Filme de uma animação 3D.

Um Sonho Possível (John Lee Hancock) – Fez a atriz Sandra Bullock ganhar o Oscar de Melhor Atriz baseado numa história real (como a Academia gosta de fatos…) de uma rica que acolhe um adolescente negro órfão e pobre. Se a academia fez essa limitada atriz erguer uma estatueta, algum mérito o filme tem. Mesmo assim, longe de ser interessante.

Educação (Lone Scherfig) – Um filme que despertou interesse pelo belo roteiro que conta a história de uma menina de 16 anos com uma clássica e forte educação londrina que vê em seu novo amante de 30 anos a chance de ter aventuras na vida ao invés da mesmice que é sua rotina. Muito bem cotado, apesar de não ter levado nada.

Distrito 9 (Neil Blomkamp) – um filme cultuado que conta a invasão alienígena na África do Sul em pleno apartheid, anos 90, e a exclusão/escravização que os “camarões” (como os extraterrestres são chamados) sofrem perante mãos humanas. Uma metáfora do preconceito muito bem executada, com efeitos primorosos, sendo um dos melhores filmes de 2009 – porém, não se sabe por que, desprezado no Brasil.

A primeira bela surpresa foi ver Alec Baldwin e Steven Martin engraçadíssimos, com a já normal abertura da premiação com um show de stand-up de mais ou menos dez minutos. Primeira vez que o Oscar é apresentado por uma dupla – e deu certo. Com piadas internas, como não poderia deixar de ser (afinal, é uma festa de uma grande panela: a do cinema americano), mas divertidos, irreverentes e ousados. Algumas das anedotas você entende, outras não – depende do seu grau de entrosamento com o dia-a-dia do cinema mundial. A sátira que ambos fizeram do (bom) filme Atividade Paranormal (Oren Peli, 2007), para quem o assistiu, fora muito engraçada, por exemplo. Também, quando um dos atores que entrega os prêmios disse “vamos ver o que Alec e Steven estão fazendo”, corta para uma sala com eles com cobertores estirados num sofá vendo o Oscar numa pequena TV. Ou quando Martin e Baldwin citam pela primeira vez o nome do badalado James Cameron, ambos pegam um óculos de 3D e botam para “poder enxergar o diretor”.

“Não importa o que aconteça, eles sempre indicam a Meryl Streep, por isso ela é recordista de indicações, ou melhor, tem o maior número de derrotas” – brincou Steven Martin.

George Clooney foi quase como um terceiro apresentador, sentado, fazendo caretas para as câmeras, que sempre o procuravam, como fora com Jack Nicholson (aliás, que infelizmente, não compareceu a festa) em 2009.

Outra brincadeira o ator de comédia Ben Stiller entrar em palco maquiado de na’vi (extraterrestres do filme Avatar).

“Parecia uma boa ideia durante o ensaio” disse Ben Stiller, quando entrou maquiado no palco, em silêncio. Depois, completou: “A ironia é que Avatar nem foi indicado a esse prêmio”. Ele apresentou a categoria Melhor Maquiagem. Star Trek (J.J. Abrams) levou essa estatueta e Stiller fechou com chave de ouro: “Podia ter vindo fantasiado de Dr. Spock, mas seria muito nerd”.

Seguidamente, os personagens dos indicados a Melhor Animação foram capazes de comentar suas indicações. Isso já é feito há algum tempo, porém não deixa de ser interessante e se consolida como uma boa piada.

Está cada vez melhor a ordem dos prêmios, mesclando os de mais importância e relevância midiática com os técnicos. Foram tiradas as entediantes músicas apresentadas ao vivo, indicadas para Melhor Canção, e ao invés disso, a parte artística ficou com um grupo de street dance fazendo performances dos indicados a Melhor Trilha Sonora, que são muito mais relevantes (e interessantes) que as canções. Ficou mais bonito, mais divertido e mais lógico. Mérito aos compositores que são essenciais e muitas vezes esquecidos (afinal, do que seria de Hitchcock sem as trilhas de Bernard Herrmann?).

A homenagem ao relevante diretor John Huges fora emocionante, que faleceu em agosto de 2009, novo, com 59 anos. Fora diretor de um filme que marcou os anos 80, Curtindo a Vida Adoidado (1986), e fora roteirista e produtor da série Esqueceram de Mim. Primeiro, uma edição com cenas de seus filmes. Posteriormente, o personagem de Matthew Broderick de Curtindo a Vida Adoidado, fala: “você tem que aproveitar a vida. Quando você percebe, ela acaba, e você não fez nada”. Como se isso não fosse emocionante o bastante, entraram palco adentro sete atores que trabalharam exaustivamente com o diretor, e cada um deu um breve depoimento merecido. Entre eles, estavam Broderick, Macaulay Culkin, Ally Sheedy, Molly Ringwald, Judd Nelson, Jon Cryer e Anthony Michael Hall. A família de Huges fora as lágrimas no palco. E Culkin deu mesmo as caras no palco, após um longo tempo de desaparecimento.

Outra atração artística foi o cantor James Taylor perfomizando In My Life, dedicando aos artistas do cinema que faleceram em 2009. Uma das mais bonitas homenagens póstumas do Oscar, pela simplicidade – um cantor sentado num banquinho cantando e tocando seu violão – apesar de (felizmente) os falecimentos do ano passado não terem sido tão relevantes à produção cinematográfica mundial como visto em outras edições – citando, no ano passado, a homenagem ao relevante Heath Ledger fora de despencar lágrimas dos espectadores.

Um dos Oscar’s mais longos da história (quatro horas!) teve uma pequena-grande mudança: ao invés de anunciarem o vencedor com “and the Oscar goes to…” voltou ao velho e bom “the winner is…”, apesar de uma atriz ter errado ao entregar um prêmio e ter dito a enunciação antiga.

Indicar dez filmes ao invés de cinco para Melhor Filme foi outra retomada de tradições longínquas do Oscar. Achei exagerado, o bom e velho “Top Five” sempre é mais simples e condizente com o resto do prêmio. Afinal, faltou lógica em indicar dez a Melhor Filme, três para Efeitos Especiais e Maquiagem e cinco e todas as outras categorias.  A cada chamada de intervalo, um ator (de relevância) falava de um dos 10 filmes indicados à Melhor Filme. Pedante, pois, quem vê a festa, geralmente, sabe muito bem de quais filmes se tratam. Talvez um pequeno trailer somente ao invés de um anúncio redundante fosse mais eficaz.

A audiência, que fora baixa ano passado, subiu 14% nessa ano. A média fora de 26,5 pontos e 40% de share. Cada ponto equivale a 1,1 milhão de domicílios americanos. Ou seja, 29.500.000 de espectadores em média, nos Estados Unidos. Muito devido à estratégia de elencar mais obras para Melhor Filme, assim contemplando mais fãs para assistir a cerimônia.

Melhor Ator ficou para Jeff Bridges, que já fora injustiçado pelo Oscar, recebeu “desculpas” (assim como Martin Scorsese em 2007) pelo filme Coração Louco (Scott Cooper). Já a estátua de Melhor Atriz foi para Sandra Bullock, lamentável. Aliás, ela ganhou o prêmio de Pior Atriz no Framboesa de Ouro, no dia passado ao Oscar, por sua atuação em Maluca Paixão (Phil Traill). Melhor Ator Coadjuvante ficou para Christopher Waltz foi mais que merecido. O ator está perfeito em Bastardos Inglórios, méritos de Tarantino, também. A (de pernas naturais e peludas) apresentadora de TV Mo’Nique ganhou Melhor Atriz Coadjuvante, por sua participação em Preciosa – Uma História de Esperança (merecida). O filme também levou Melhor Roteiro Adaptado, do livro de mesmo nome. Animação, como não poderia ser diferente, Up – Altas Aventuras. O filme também levou Melhor Trilha Sonora, com louvor.

“Muitas pessoas disseram a mim: ‘Você me fez chorar’. E isso só aconteceu porque eu mesmo chorei quando assisti ao filme” – disse o compositor da trilha sonora da animação, Michael Giacchino.

Documentário ficou com o impactante The Cove (Louie Psihoyos), que mostra o massacre dos golfinhos numa cova, que, aliás, pode ser visto de graça na internet, por streaming. Nota: um dos realizadores do filme levantou um cartaz quando subiu ao palco com uma frase e um número, para mandarem torpedos protestando contra essa barbárie. Porém, como a festa rejeita comerciais não autorizados, a câmera cortou para o público e lá ficou até o cara abaixar o cartaz. Assista: www.thecovemovie.com.

O Segredo dos Seus Olhos (Juan José Campanella), filme argentino, desbancou o favorito alemão A Fita Branca (Michael Haneke), e comprova mais uma vez que o cinema argentino é muito mais elaborado que o nosso – basta ver os roteiros dos hermanos, que mesmo com orçamentos mais baixos, chegam mais alto. O filme fez 2,5 milhões de espectadores em seu país. Segunda vez que os argentinos levam o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – a primeira vez fora com A História Oficial (Luis Puenzo, 1985). Juan José já havia sido indicado por O Filho da Noiva (2001), que é protagonizado por Ricardo Darín, mesmo ator principal de O Segredo de Seus Olhos. Darín prometeu dar uma volta olímpica nu no Obelisco de Buenos Aires. Vamos ver se ele cumpre a promessa.

“Agradeço à Academia por não ter considerado Na’vi uma língua estrangeira” – brincou Juan José Campanella.

A batalha Avatar x Guerra Ao Terror gerou muita discussão. Seria a tecnologia e o cinema de entretenimento contra o filme “cabeça”? Muitos dizem que esta batalha definiria a linha que o Oscar irá aplicar daqui pra frente. Premiaria os filmes-entretenimento (no entanto, não havendo nenhum demérito artístico nisso) ou os filmes com mais “profundidade”? Afinal, é um prêmio às produções hollywoodianas ou ao cinema americano em geral? Alguns relevaram a revolução tecnológica de Avatar e o tempo investido para se fazer o filme. Porém, o resultado parece raso enquanto Guerra Ao Terror é um dos filmes mais interessantes dos últimos anos, dando uma cara de suspense a um estilo que já estava ficando batido e chato – os filmes de invasão americana no Oriente Médio.

Não é um filme revolucionário, como Avatar é tecnicamente. Mas é um filme melhor que Avatar é. O melhor de tudo é que Kathryn é ex-esposa de Cameron, que acirrou mais a disputa – mas somente para a mídia. Eles são muito amigos, até hoje. Kathryn é a primeira mulher a ganhar Melhor Diretora e justamente no dia da mulher – pois já era madrugada de oito de março de 2010. Justo o bastante.

PLACAR:

Guerra Ao Terror – Melhor Filme, Melhor Diretora, Roteiro Original (de um jornalista que vivenciou o drama dos soldados americanos), Melhor Edição, Melhor Edição de Som e Mixagem de Som. Justíssimos.

Avatar – Melhor Direção de Arte (?), Melhor Direção de Fotografia (?) e Efeitos Especiais (ah, bom…).

“O que nós fizemos com ‘Avatar’ foi pegar coisas que estão aí fora no mundo diariamente e torná-las maiores, mais brilhantes. Toda nossa inspiração veio do mundo real, e eu queria encorajar as pessoas a saírem e olharem para elas” – disse o diretor de efeitos visuais do filme, Loe Letteri, ao ganhar a estatueta.

O resultado? 6×3 para Guerra Ao Terror. Na verdade, a Academia está tentando mudar de foco. Aos poucos. Apesar de premiar em 2009 um filme que tem uma máscara artística mas é um filme totalmente pipoca, o badalado Quem Quer Ser Milhionário? (Danny Boyle), premiou, por exemplo, em 2008, o pesado e poético Onde Os Fracos Não Tem Vez (Irmãos Cohen). Talvez o Oscar mude para um foco artístico-americano, estilo Festival de Sundance, para resgatar a credibilidade e corrigir os erros e injustiças que fez durante sua bela história.

A lista completa dos vencedores e indicados:

Melhor Filme

Melhor Diretor

Melhor Ator

Ator Coadjuvante

Melhor Atriz

Melhor Atriz Coadjuvante

Melhor Roteiro Adaptado

Melhor Roteiro Original

Melhor Animação Longa-Metragem

Melhor Animação Curta-Metragem

  • Logorama
  • French Roast
  • Granny O´Grimn´s Sleeping Beauty
  • La Dama e la Muerte
  • A Matter of Loaf and Death

Melhor Filme Estrangeiro

Melhor Documentário Longa-Metragem

  • The Cove (sem previsão de estreia no Brasil)
  • Burma Vj (sem previsão de estreia no Brasil)
  • Food Inc. (sem previsão de estreia no Brasil)
  • The Most Dangerous Man In America: Daniel Ellsberg and the Pentagon Papers (sem previsão de estreia no Brasil)
  • Which Way Home (sem previsão de estreia no Brasil)

Melhor Documentário Curta-Metragem

  • Music by Prudence

· Province

· The Last Campaign of Governos Booth Gardner

  • The Last Truck: Closing of a GM Plant
  • Rabbit à la Berlin

Melhor Curta-Metragem

  • The New Tenants
  • The Door
  • Instead of Abracadabra
  • Kavi
  • Miracle Fish

Melhor Direção de Arte

Melhor Fotografia

Melhor Figurino

Melhor Montagem

Melhor Trilha Sonora Original

Melhor Canção Original

· “Take it All” Nine

Melhor Edição de Som

Melhor Mixagem de Som

Melhores Efeitos Especiais

Melhor Maquiagem

  • Star Trek
  • Il Divo
  • The Young Victoria

Thiago Köche é graduado em Realização Audiovisual pela UNISINOS.

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