Cerimônia de Encerramento da 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Texto e Fotos por
Gabriel Ribeiro Alfredo

Pelo trigésimo quinto ano consecutivo os principais cinemas da cidade de São Paulo exibiram um conjunto dos mais expressivos e prestigiados filmes produzidos ao redor do mundo atualmente, juntamente com Clássicos restaurados em 35 mm. A 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que aconteceu na capital nos dias 21 de outubro a 3 de novembro, teve uma série de altos e baixos (talvez mais baixos do que altos), porém não deixou de ser um evento exemplar e rico em cultura, que movimentou tanto os cinéfilos quanto os curiosos, através da cidade em busca de boas horas na sala escura do cinema.

CineSesc foi o local da Cerimônia de encerramento da mostra, seguida da exibição do Filme "Fausto" de Alexandr Sokurov

Por mais bem divulgado que tenha sido, é valido comentar que a principal baixa do evento neste ano foi a morte do seu visionário criador, o crítico, e cineasta das horas vagas, Leon Cakoff. Ele, através da Mostra, foi o responsável por trazer ao Brasil diversos filmes e diretores que, de outra maneira, dificilmente teriam sido exibidos ou reconhecidos por aqui. Como, por exemplo, o iraniano Abbas Kiarostami, o alemão Wim Wenders, o tailandês Apichatpong Weerasetakhul (no ano passado) e mais recentemente o armênio Atom Egoyan. Juntamente a isso, a Mostra deste ano passou por uma série de problemas de financiamento, levando à redução do número de filmes exibidos e atividades a serem desempenhadas durante as duas semanas do evento. Isso é algo curioso de se refletir, sendo este um evento que, bem ou mau, movimenta uma grande quantidade de dinheiro na economia da cidade e, mais importante do que isso, tem um grande valor cultural. Entretanto, a organização, agora comandada pela viúva de Cakoff, Renata de Almeida, apostou em uma seleção de filmes que foram destaque em festivais pelo mundo a fora e os filmes nacionais que são considerados mais relevantes artisticamente, que já haviam emplacado em Paulínia no meio do ano, como “ O Palhaço” de Selton Mello.

Infelizmente, a RUA não pode cobrir o festival durante suas duas semanas de exibições, porém esteve presente na cerimônia de encerramento, que ocorreu no dia 3 de novembro, no CineSESC da famosa Rua Augusta. A noite marcava o fim das exibições da programação oficial, a premiação dos vencedores  dos diversos prêmios concedidos aos preferidos do Público e do Júri (entre outros); e por fim a pré- estréia do filme “Fausto” do russo Alexandr Sokurov, vencedor de melhor filme no Festival de Veneza deste ano.

Marina Person e Sergio Groisman apresentaram os prêmios da noite.

A Cerimônia  foi comandada pela famosa ex-apresentadora da MTV (porém também cineasta), Marina Person e o jornalista, também apresentador de TV, Sérgio Groisman. Falaram da importância do evento para o cinema  na cidade como um todo e agora também para o Estado já que este ano a Mostra irá realizar uma Itinerância pelo interior de São Paulo com filmes selecionados, passando pelas cidades: Araraquara, São José dos Campos, Sorocaba, Ribeirão Preto, São Carlos, Piracicaba, Santos e São José do Rio Preto. Os 11 títulos escolhidos podem ser vistos aqui

Após alguns agradecimentos e apresentações iniciou-se a premiação. O primeiro prêmio foi o Aquisição Canal Brasil – Melhor Curta Metragem que foi para o documentário A Casa da Neyde do estreante Caio Cavechine. O filme retrata a crise pessoal do diretor ao descobrir o uso de crack por  um de seus familiares. O curta também foi ganhador de melhor filme digital no Festival Cine PE deste ano.

Em seguida é chamada ao palco a chefe de promoção do audiovisual do Itamaraty  Paula Alves de Souza . Ela apresentou os vencedores do Prêmio  Itamaraty de melhor longa  e curta de Ficção, melhor documentário e Conjunto da Obra em Audiovisual.

Paula Alves de Souza entrega os Prêmios oferecidos pelo Itamaraty por sua potêncial relevancia internacional

A seis anos que o prêmio existe e esta foi a terceira vez que a mostra abrigou sua premiação. Paula comentou que graças à Leon, esta premiação foi ampliada e seu valor triplicado nestes últimos anos, explicando o quanto isso pode ser importante, não apenas para o cineasta mas para o filme que possui maior probabilidade de circular no exterior . Os vencedores foram:

Melhor Longa De Ficção Brasileiro:

Eu Receberia as Piores Notícias Dos Seus Lindos Lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca. O filme foi baseado no livro homônimo de Marçal de Aquino e é estrelado por Camila Pitanga, Zé Carlos Machado e Gustavo Machado. Conta a história do triângulo amoroso vivido pelos personagens dos três atores, com o pano de fundo sobre a questão da devastação da Amazônia, através do corte ilegal de madeira e também da força das populações locais em promover um pensamento de resguardo da floresta.

Melhor Documentário Brasileiro:

RaulO Inicio, O Fim e o Meio”, de Walter Carvalho.  O filme faz um abrangente retrato da vida do ícone da música Brasileira, Raul Seixas,  por dentre as diversas fases de sua carreira. O documentário é um provável sucesso de bilheteria que tem estréia no circuito comercial ainda este ano.

Walter Carvalho (com troféu na mão) e equipe recebendo Prêmio Itamaraty de melhor documentário Brasileiro

Melhor Curta-Metragem:

“Cine Camelô”, de Clarissa Knoll. O documentário é o primeiro trabalho de Clarissa como diretora e, segundo ela, foi um processo muito enriquecedor em sua formação como cineasta e como pessoa. O filme retrata a ida da diretora até a rua 25 de Março em São Paulo, onde passa a vender curtas metragens. Sua relação com o povo do lugar é o aspecto principal do filme.

Conjunto Da Obra:

Hector Babenco. Acompanhado de sua companheira, a atriz Bárbara Paz, durante o evento, o diretor subiu ao palco após algumas elogiosas palavras da apresentadora sobre a particular forma de olhar do artista e de seu grande sucesso internacional com filmes produzidos em nosso pais (para quem não sabe, Hector Babenco é  Argentino). Ele modestamente agradeceu ao prêmio e contou de sua experiência na mostra. Como ,através de Leon Cakoff ,ele veio ao Brasil e apresentou seu segundo longa metragem brasileiro, na primeira mostra que ocorreu em 1977, chamado “Lúcio Flávio, o passageiro da agoniaque foi ganhador do prêmio de melhor filme escolhido pelo público. Um fato curioso e que foi muito enternecido pelas pessoas na cerimônia.

Enquanto os diretores iam pegar seus troféus. A tela do cinema mostrava uma ilustração do vencedor.

Passadas essas primeiras premiações começaram os prêmios cedidos pela Mostra em si. Eles se dividiam em 3 categorias, que se tornaram 4 este ano, que são o Prêmios da Critica, do Júri, do Público e da Juventude.

Os prêmios da critica, que tiveram como um de seus apresentadores o crítico cinematográfico do jornal Estado de São Paulo, Luiz Zanin Oricchio foram:

Grande Prêmio da Crítica:

Era uma vez na Anatólia”, de Nuri Bilge Ceylan (Turquia, Bósnia-Herzegovina).  Segundo Zanin, “ Por sua investigação profunda sobre as motivações e perplexidades humanas, realizada com sofisticação visual, estilo contido e olhar duro…” a indicação se justificava.

Prêmio Especial da Crítica:

Sábado Inocente”, de Alexander Mindadze (Rússia, Ucrânia, Alemanha). O drama ambientado em uma catástrofe nuclear foi homenageado pela críica devido a seu olhar crítico e sarcástico, e de sua eficiência em linguagem cinematográfica ao  se utilizar virtuosamente da câmera na mão para causar tensão e dramaticidade.

Marina e Sérgio assumem novamente os microfones e começam a revelar os ganhadores escolhidos pelo público.  Essa “categoria”, que na verdade se divide em outras, premia tanto filme nacionais quanto internacionais. Essa divisão é um pouco estranha, particularmente falando, já que fica uma impressão de diversidade ou de incompatibilidade entre os filmes nacionais e os estrangeiros para concorrerem em uma mesma categoria. Diferentemente do prêmio da crítica ou do Júri. Mas os ganhadores foram:

Melhor Documentário Brasileiro:

“Raul – o Início, o Fim e o Meio”, de Walter Carvalho e “VaiVai: 80 anos nas ruas”, de Fernando Capuano dividiram o prêmio por empate. O fato do documentário sobre o Raul ter ganho novamente, só mostra o prestigio que ele carrega com si ao ter sido produzido por profissionais de muita experiência e talento, com um assunto tão caro ao público no geral. Mas a surpresa foi o filme de Fernando Capuano, outro estreante em longas, que, segundo o diretor, fala muito mais sobre as pessoas que fazem o samba  e o espetáculo que vemos do carnaval do que uma história do estilo músical ou da escola de samba.

Walter Carvalho (direita) e Fernando Capuano (esquerda) dividem o Prêmio de Escolha do Público de Melhor Documentário Brasileiro

Melhor Documentário Internacional:

Batidas, Rimas & Vida: As viagens de A Tribe Called Quest, de Michael Rapaport (EUA). Filme sobre um grupo de hip-hop nova iorquino com mais de 20 anos de carreira que após um longo hiato das suas atividades volta a ativa.

Melhor Longa De Ficção Brasileiro:

Teus Olhos Meus”, de Caio Sóh. Este é também um estreante em longas metragens, porém é um verdadeiro prodígio da dramaturgia. Com diversas peças montadas e textos traduzidos em mais de duas línguas (além de musicas e participação na série Maysa da rede Globo), o rapaz, que não aparenta ter mais do que uns 28 anos, deu uma de desavisado, falando que nem sabia que seu filme estava concorrendo àquele prêmio. O filme em si é um drama de passagem e auto conhecimento de um jovem que sonha em ser músico, mas que sem o apoio dos familiares decide sair de casa.

Melhor Filme De Ficção Internacional:

Frango Com Ameixas”, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud (França, Alemanha, Bélgica)  e “Desapego”, de Tony Kaye (EUA). Outro empate. Um deles é uma co-produção européia, dirigida por dois ilustradores (conhecidos pela Grafic Novel Persépolis) que conta a história do violinista que ao ter seu instrumento destruído e não conseguir encontrar um substituto, decide esperar a morte deitado em uma cama . A atriz Maria de Medeiros, uma das protagonistas do filme, que já fez filmes no Brasil e é freqüentadora da Mostra, foi dar algumas palavras para o público. Muito simpática ela disse que iria informar aos diretores sobre o prêmio e que ela tinha certeza que eles iram ficar muito felizes e honrados. O outro é um drama sobre um professor genial ( interpretado por Adrien Brody) que não se conecta com seus alunos, mas é obrigado a tanto quando recebe a incumbência de trabalhar em um colégio publico dos Estados Unidos.

Sergio Groisman volta ao microfone e chama ao palco o Presidente do Conselho Estadual de Educação para anunciar o Prêmio da Juventude. Esse prêmio é resultado do Festival da Juventude, evento realizado a 12 anos, pela Mostra Internacional com apoio da Secretaria Estadual de Educação.  Esta parte da Mostra é voltada para alunos do Ensino Médio, com sessões gratuitas (basta apresentar uma carteira de estudante) onde os alunos escolhem seus filmes favoritos. O vencedor deste ano foi o filme Uma Incrível Aventura, de Debs Gardner-Paterson (África do Sul, Ruanda, Reino Unido). O filme é um road movie através do continente africano (de Ruanda até a África do Sul), que acompanha um grupo de garotos em sua jornada para chegar em tempo à abertura da Copa do Mundo de Futebol de 2010.

Começaram então as premiações mais importantes da noite, aquelas que seriam relembradas depois como os verdadeiros vencedores da Mostra. Sobe ao palco então, sob muitos aplausos, a atual diretora do evento, Renata de Almeida. Ela contou a iniciativa de Leon de criar uma premiação que homenageasse cineastas que, na visão do festival, estivessem produzindo um cinema mais profundo e engajado em questões humanísticas e decidiram chama-lo de Prêmio Humanidade. Porém neste ano o seu nome foi alterado para Prêmio Humanidade Leon Cakoff. Neste ano também, em vez de um vencedor, foram dois vencedores, e realizaram ótimos discursos de agradecimento.

Atom Egoyan faz discurso emocionado ao receber o Prêmio Humanidade Leon Cakoff

O primeiro foi ao cineasta de origem armênia e naturalizado canadense, revelado no Brasil por Leon, Atom Egoyan. Segundo Renata, o prêmio se deve ao fato de que “(…) sua obra revela um questionamento incessante da nossa identidade em meio aos conflitos do mundo”. Ele dirigiu um dos segmentos do filme produzido pela Mostra, “O Mundo Invisível” onde Leon aparece. De maneira tocante ele fez seus agradecimentos, relatando que havia sido convidado várias vezes para vir à Mostra, mas nunca tinha tido a oportunidade pois estava sempre filmando. Ele falou que: “A coisa mais extraordinária que pode acontecer a um jovem diretor é ser convidado para um festival como esse, e há 25 anos eu era um jovem diretor”. Seu primeiro filme exibido em São Paulo foi Family Viewing (1987), na 12ª Mostra.

Para anunciar o segundo ganhador, Renata chamou ao palco o diretor Walter Salles. O cineasta enfatizou a honra de anunciar um prêmio com o nome do ex-curador do evento. Para ele, Leon foi responsável por mostrar para muitas pessoas que o mundo era maior do que nós imaginávamos, através de filmes de diversos cantos do planeta, que mostravam que culturas muitos distantes poderiam estar mais próximas da nossa do que poderiamos pensar. Uma das culturas que Leon havia mais investigado, neste caso, foi a iraniana, revelando diversos diretores que hoje são onsiderados mestres da sétima arte. Um deles seria o segundo vencedor da noite, Mohsen Makhmalbaf.

A prêmiação de Mohsen Makhmalbaf foi o ponto alto da noite.

Ele subiu ao palco junto com um tradutor e, falando Fársi, deu um discurso emocionado e duro. “Quando cheguei aqui, não estava ciente que o Leon tinha partido, vim pra cá dar um grande abraço nele”, disse o diretor.  Também pediu apoio das pessoas para um alerta ao governo brasileiro sobre as atitudes anti-democráticas que o governo iraniano vem cometendo e que, por isso, não os apoiassem nas Nações Unidas. Para quem não sabe, no Irã, fora todas as questões geopolíticas que podemos ver discutidas nos telejornais, ocorre um censura e perseguição sobre os produtores de arte, comunicadores e formadores de opinião do país. Diversos cineastas já haviam sido detidos pelo governo, por possuírem uma obra crítica ao regime de Mahmoud Ahmadinejad e o Aiatolá Khamenei. Entre eles o diretor Jafar Panahi que teve seu documentário “Isto não é um Filme” exibido na Mostra. O filme fala exatamente sobre o período de cárcere domiciliar em que o diretor esteve, não podendo ir a Cannes receber um prêmio nem fazer parte do júri como havia sido convidado, além de diversas outras privações maiores e piores do que esta, levando a uma mensagem para comunidade internacional sobre esta realidade desagradável do país. Vejam aqui parte do discurso de  Mohsen:

Seguindo com a premiação, chegou a hora dos jurados mostrarem  suas escolhas. Sobem ao palco Lucia Murat e Jean-Claude Lamy, parte do júri composto por eles e Cedomir Kolar, para anunciarem o Prémio de Melhor Documentário. Sob a justificativa de “(…) respeitar seus personagens, e assim respeitar também o espectador” a escolha unânime foi do documentário Marathon Boy, de Gemma Atwal, uma coprodução entre Índia, Reino Unido e EUA, sobre um garoto de uma favela indiana que é treinado para ser maratonista profissional .

Sobe em seguida o outro júri, formado pelos diretores Atom Egoyan, Elisabeth Perceval, Frédéric Boyer, Jorge Furtado e Mahamat Saleh Haroun, para a premiação dos filmes de ficção. Furtado não estava presente no dia porém todos os outros diretores subiram no palco para anunciar os prêmios:

Melhor Ator:

Theodór Júliusson, por Vulcão (Islândia, Dinamarca).

Melhor Atriz

Alina Levshin, por Combat Girls (Alemanha)

O último prêmio da noite foi anunciado por Atom Egoyan, dizendo que iria para um filme poderoso. O Troféu Bandeira Paulista de Melhor filme de ficção da competição foi para o filme “Respirar” de Karl Markovics. O filme mostra um adolescente de 18 anos em um centro de detenção juvenil que inicia uma busca pela mãe desaparecida.

Filme Europeu dramático ganhou o troféu de melhor filme de ficção na Mostra de São Paulo

No final a Mostra foi, por mais um ano, um evento que revelou diversos cineastas muito interessantes que trabalham ao redor do mundo. Para a formação de pessoas que pretendem fazer cinema em nosso pais acho que é muito importante acompanhar essas produções pois abrem novas referências de como se contam história nos dias de hoje.

Gabriel Ribeiro Alfredo é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos e Editor da Revista Universitária do Audiovisual

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