Cineclube “Olhares sobre a cidade”

“A man who is perpetually thinking of whether this race or that race is strong, of whether this cause or that cause is promising, is the man who will never believe in anything long enough to make it succeed. The opportunist politician is like a man who should abandon billiards because he was beaten at billiards, and abandon golf because he was beaten at golf. There is nothing which is so weak for working purposes as this enormous importance attached to immediate victory. There is nothing that fails like success.”
– G. K. Chesterton, Heretics

“Eles estragam sua natureza saudável através de convenções, faltas de gosto, não tem coração suficiente para aguentar um copo porque são obrigados a tomar medicamentos para mantê-lo inteiro (…)”
– Schiller, Os Bandoleiros

“É cinema pernambucano quando se mostra um prédio”
– piada feita durante o debate de “Olhares sobre a cidade”

 

Nascido de 2011 a partir da ideia de trabalhar com temas vinculados às pesquisas e às aulas de estudantes de geografia da UFPE, o cineclube LECgeo com o tempo desenraizou-se de suas tradições e voltou-se à exibição e discussão dos filmes chamados “videoativistas”. Procuraram, a partir do ativismo audiovisual, veicular “o ato social do cinema e sua relação com os ciclos acadêmicos”. Foi no contexto desta 8ª SUA, a do eixo temático de movimentos sociais, que o cineclube promoveu a exibição de curtas-metragens “Olhares sobre a cidade”, coletânea sobre a cidade de Recife, com a proposta de pensar e discutir como se representa de diferentes formas a capital pernambucana. Logo depois das exibições, sucedeu-se um debate, o qual eu voltarei a comentar mais adiante, com a presença de Rodrigo Almeida, diretor do curta Casa Forte.

Praça Walt Disney (Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, 2011), Ave Maria ou A Mãe dos Oprimidos (Camilo Cavalcante, 2003), Eiffel (Luiz Joaquim, 2009), Casa Forte (Rodrigo Almeida, 2013) e Em Trânsito (Marcelo Pedroso, 2013) foram os filme exibidos.

Em primeiro lugar: política não é conveniência, e esta enquanto discurso não passa de retórica demagoga e oportunista. Valer-se deste discurso para atender a uma causa bitolada e rasteira, então, é um desserviço e mesmo um atentado a isto que chamamos comumente de cinema – concepção que parece sempre fugir das mentes ineptas destes supostos potenciais revolucionários que se revelam ser não mais do que meros publicitários. É justamente isto o que mais me preocupa quando assisto estes curtas-metragens, filmes de ironia putrefata, juvenil e ingênua, que se vendem como produto de ativismo político para impressionar e conquistar estes tais universitários engajados (Em Trânsito, não à toa – e exatamente por isto o pior de todos os curtas – foi o mais saudado e aplaudido entusiasmadamente pelos estudantes que acompanharam a exibição).

Em outras palavras: cineastas arrivistas e estudantes entorpecidos pelo discurso hegemônico que lhes convêm, de uma esquerda limitada que não entende ou mesmo não conhece o significado de dialética.

“Conveniência” esta que, aliás, talvez seja a palavra que melhor define o que estes curtas são e representam. Nada mais conveniente, afinal, do embutir sons e músicas de filmes da Disney e, não satisfeitos, filmar pessoas vestidas de Mickey Mouse, Francis, etc, em um curta com o intuito de transformar a cidade num verdadeiro parque de diversões e versar sobre uma praça chamada Walt Disney; pensar sobre o racismo e a herança colonial a partir de nomes de prédios no bairro de Casa Forte e ao final mostrar um branco e um negro fetichizados e entregues um ao outro num abraço; filmar por três minutos dois prédios (as “duas torres”) que integram o projeto Recife Novo, que ganhou contornos maiores recentemente a partir do movimento Ocupe Estelita; tirar vantagem da figura de um marginalizado para demonizar o ex-governador Eduardo Campos e construir um discurso panfletário e cínico.

(Ave Maria é provavelmente a exceção, mas nele a conveniência cede lugar a uma estética videoclipezada e torpe).

Em Trânsito, particularmente, representa o que há de mais oportunista, unilateral e baixo no cinema que vem sendo feito pela esquerda brasileira nos últimos anos. A tática de transformar Campos em um monstro, cuja cabeça chega a ser cortada pelo morador de rua em determinado momento do curta (enquanto a classe universitária aplaudia e estremecia com tamanha força discursiva, espectadores passivos quando a vestimenta discursiva lhes cabe), e de representar por intermédio de um cinismo sujo e arrogante o poder que o marginalizado adquire quando veste uma máscara do ex-governador de Pernambuco, me deixa com saudades de Glauber, Sganzerla, Saraceni – estes sim os verdadeiros revolucionários, os anti-arrivistas obsessivos, bitolados, oportunistas, publicitários, vaidosos, chantagistas e, portanto, covardes e apolíticos.

No debate pós-exibição, a discussão obviamente centrou-se muito menos nos filmes, ou seja, fugindo escancaradamente – importante ressaltar, entretanto, que de forma natural, visto o solo e ambientes solapados do meio acadêmico  – de toda proposta inicial da sessão de “pensar como a cidade é representada em termos fílmicos”, do que na política por eles abraçada. Travaram-se discussões sobre videoativismo, cultura participativa, segregação, Casagrande e Senzala, projeto Recife Novo, problemas sociais e impasses urbanos na capital pernambucana. O pouco que se comentava sobre cinema e os curtas-metragens não passavam de comparações esdrúxulas e infundadas entre Praça Walt Disney e o cinema de Jacques Tati – isto é, comparar um curta-metragem dissimulado e autocomplacente, de simbologia frágil e ingênua, com o cinema de um gênio dialético, verdadeiramente moderno, que recusa toda e qualquer conveniência ou facilidade – e sobre como estes “curtas irônicos e sutis superam o velho cinema militante com pessoas berrando” (sic).

Ao final de “Eiffel”, nos é estampado um letreiro pseudo-sagaz: “cada lugar tem o monumento que merece”. É triste dizer, pelo carinho que guardo da minha passagem por Recife, mas nem todo lugar parece ter, por sua vez, o cinema que merece.

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