Crítica | Medida Provisória (2022), Lázaro Ramos

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Por Murilo Bronzeri

Medida Provisória é um filme distópico no qual a premissa básica é a de que, um dia, é proposto uma medida para que todos os pretos brasileiros “voltem” aos países africanos. É claro que uma proposta tão absurda — ou talvez nem tanto, levando em conta tudo que temos visto e ouvido nos últimos anos — geraria revolta por parte das personagens. Assim, o filme segue, principalmente, o ponto de vista de 3 personagens que tentam resistir à medida: a médica Capitu, interpretada por Taís Araújo; o advogado Antônio, interpretado por Alfred Enoch; e o jornalista André, interpretado por Seu Jorge. É válido comentar também que o filme é uma adaptação da peça teatral Namíbia, Não!, escrita por Aldri Anunciação. O filme foi dirigido por Lázaro Ramos e estreou no Festival Internacional de Cinema de Moscou, em 2020. Porém, foi só em 2022, que o filme teve seu lançamento nos cinemas comerciais.

No geral, o enredo, ao tomar como ponto de partida uma premissa que extrapola um pensamento racista que existe na sociedade, consegue muito bem criticá-lo e ainda instiga uma enorme curiosidade no público, que talvez não tivesse o mesmo interesse caso as críticas fossem feitas de outra maneira. O filme ainda tem alguns momentos de alívios cômicos e piadinhas que ajudam o lado do entretenimento que a obra tem. Aliás, mesmo sendo uma obra que se propõe a fazer críticas severas, o filme ainda é um filme comercial feito para o grande público, que está inserido na cadeia produtiva e distributiva desse grande cinema.

O grande problema do filme é que esse seu antirracismo parece ter um limite. Um trecho da obra que é significativo para entender esse ponto é quando há uma montagem paralela entre duas cenas de violência. As duas violências sendo cometidas são: a polícia, que agride até a morte André, um resistente contra o absurdo da medida; e um grupo de resistentes, que se reúnem no “afrobunker”, uma espécie de quilombo moderno, que agride, também até a morte, um homem branco, que havia trabalhado para o governo, ajudando a cumprir a tal medida, mas que estava arrependido. Essa cena, ao ser montada paralelamente, acaba por igualar as duas reações violentas.

Primeiramente, parece pouco verossímil que a segunda violência aconteceria de fato caso toda a situação se passasse no mundo real. Não é difícil lembrarmos de notícias que envolvem a morte da população preta pela mão de policiais, seja no Brasil, nos EUA ou em qualquer outra parte do globo terrestre. Já o contrário, notícias de manifestantes antirracistas que acabaram por matar um possível aliado, são definitivamente mais difíceis — ou impossíveis — de se encontrar, e não porque casos assim não são noticiados, mas porque eles não acontecem — ou aconteceram numa proporção infinitamente menor. De qualquer maneira, talvez ainda seja possível argumentar que, sim, existem “exageros” em algumas manifestações por parte dos oprimidos, como as “violências” contra vidraças de bancos, coquetéis molotov, pixações, etc. Mas de que forma seria possível igualar a reação do oprimido com a violência do opressor? No fim, esse trecho do filme parece apenas querer estigmatizar — ou reforçar o estigma que já existe — de que alguns manifestantes são “terroristas”.

Fica claro, portanto, que o filme tem um limite na sua visão da luta antirracista, que vê como boa apenas as lutas “pacíficas”, aquelas que, não coincidentemente, não perturbam o status quo. São aquelas manifestações aos finais de semana para não atrapalhar o funcionamento das fábricas; ou as notas de repúdio no Facebook, telas pretas no Instagram e frases no Twitter, que, apesar de bonitinhas, não interferem no lucro dos bilionários como uma greve geral. Medida Provisória critica o racismo a partir de uma ótica do movimento negro liberal. O fato de que os principais personagens pretos do filme são de “classe média” também pode reforçar esse argumento — ainda que o fato de o filme não mostrar os pretos apenas como pobres e inferiores, mas sim ocupando lugares que, geralmente, não lhes são permitidos ocupar tenha seu lado positivo.

Talvez tudo isso aconteça porque é a visão do diretor, que também faz parte do time de roteiristas do filme, ou talvez não, o filme pode ter sofrido diversas mudanças para que fosse possível o seu financiamento, aliás sabemos que a Globo Filmes, uma das produtoras do filme, não tem os mesmos interesses de classe que o proletariado. Por fim, cabe dizer que o filme, apesar dos limites mostrados, vale a pena ser assistido, pois talvez os debates gerados em torno dele sejam mais benéficos do que maléficos para a sociedade, e também porque ele é um filme com bons atores, boa direção de Ramos, e uma ótima trilha sonora, com destaque para a obra de Elza Soares.

★★★

Referências

MEDIDA PROVISÓRIA. Lázaro Ramos. Lereby Produções, Lata Filmes, Globo Filmes, Melanina Acentuada. Brasil: Elo Company, H2O Films, 2022. (94 min.).

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