Crítica | Besouro Azul (2023), de Angel Manuel Soto

Por: Gabriel Pinheiro

Sinceramente, eu não imaginei que este filme realmente veria a luz do dia em algum momento, especialmente quando soube sobre o foco do filme em um personagem de categoria C. Este herói, atualmente parte da equipe dos Jovens Titãs nas animações da DC, não parecia promissor. Além disso, considerei altamente improvável que logo este filme, que veio após três fracassos – o filme do Adão Negro, seguido pela sequência de Shazam, ambos com histórias e interpretações muito aquém das esperadas, e o fiasco de bilheteria de Flash – trouxesse algo realmente inovador e revitalizante ao Universo Cinematográfico da DC. Fico feliz que eles tiraram o escorpião do bolso. 

Baseado nas histórias em quadrinhos da DC, o filme acompanha a jornada de Jaime Reyes (interpretado por Xolo Maridueña), um jovem mexicano recém-formado que retorna à sua casa repleto de ambições para o futuro. Enquanto busca seu propósito no mundo e uma oportunidade de emprego, o destino lhe reserva uma reviravolta ao cruzar seu caminho com uma antiga relíquia alienígena de biotecnologia, conhecida como Escaravelho. Esse besouro alienígena de coloração azul escolhe Jaime como seu hospedeiro simbiótico, conferindo-lhe uma armadura super poderosa e habilidades extraordinárias. No entanto, a complicação surge quando essa relíquia atrai o interesse da empresária Victoria Kord (interpretada por Susan Sarandon), que se alia ao vilão Carapax (interpretado por Raoul Max Trujillo) para tentar recuperá-la. No meio desse caos, Jaime encontra apoio em sua própria família e na jovem Jenny Kord (interpretada por Bruna Marquezine). Enfrentando desafios imprevisíveis, ele se vê transformado para sempre ao abraçar sua identidade como o super-herói Besouro Azul.

Nos vemos num mundo completamente distópico, onde a tecnologia domina e tudo o que vemos na tela é extremamente artificial. Parece que estamos imersos em um universo meio cyberpunk, onde uma corporação capitalista dominadora controla tudo e oprime os habitantes mais desfavorecidos da cidade. Há até mesmo espaço para uma piada sobre luta de classes, a queda do capitalismo, imperialismo e guerrilha revolucionária. O diretor, Angel Manuel Soto, construiu este mundo para nos mostrar desde o início por que viemos aqui, mas não é um mundo que devemos levar a sério. De fato, é um mundo extremamente artificial, sem compromisso algum com a realidade. O filme é tão habilidoso em nos fazer mergulhar nesse universo que ele acaba se tornando extremamente verossímil internamente. Mesmo coisas que poderiam parecer absurdas acabam se tornando normais para nós após os primeiros minutos do filme.

Além de toda a tecnologia e da questão envolvendo o próprio escaravelho, que chega do espaço, provavelmente de origem alienígena, é extremamente interessante perceber que o cerne deste filme reside no aspecto humano. “Besouro Azul” é um filme extremamente engraçado e profundamente bem-intencionado que nos apresenta, pela primeira vez, de forma respeitosa, um super herói latino-americano. Isso pode proporcionar aos espectadores brasileiros uma sensação de familiaridade peculiar com todos os personagens do filme, que se assemelham a nós em suas falas, ações, vivências e até mesmo no ambiente em que habitam. As piadas feitas pelos personagens são tão semelhantes às nossas que, em certo momento, tive a sensação de estar assistindo a um programa de televisão brasileiro. Esse sentimento é ainda mais reforçado pela presença da atriz brasileira Bruna Marquezine em tela, o que faz com que tudo pareça próximo e familiar. Assim como mencionei, a artificialidade está presente no mundo do filme e essa mesma artificialidade também permeia as relações entre esses personagens. Tudo bem, pode até parecer um tanto forçado, mas dentro daquele universo essa dinâmica funciona. Isso, por sua vez, reforça o calor humano construído dentro do núcleo familiar. Dentro desse contexto, a personagem interpretada pela Marquezine também se destaca, sendo uma âncora genuína ao longo do filme.

A contribuição mais significativa desse filme é a maneira como ele ressalta todas as referências latino-americanas que abrangem várias nações do nosso continente. Ele nos mostra, brasileiros, o quanto somos latinos e como nossos países partilham semelhanças, mesmo que frequentemente não nos consideremos como tal. Todos os integrantes da família do protagonista possuem semelhanças com nossos próprios parentes. Este filme foi claramente concebido para nós, em todas as suas formas. 

No entanto, é possível que o coração do filme, que representa esse lado humano e o calor autêntico latino-americano que a obra construiu, seja o elemento que eventualmente desequilibra a narrativa na segunda metade do filme, quando somos introduzidos à ação propriamente dita. O filme traz consigo piadas incrivelmente bem elaboradas e bastante engraçadas. Devido a essa qualidade humana do filme, é exatamente isso que cativa o público. A cada vez que o filme tenta adotar um tom mais sério e iniciar um diálogo profundo, parece que perde o ritmo. Essas transições parecem um tanto desconcertantes, especialmente quando comparadas ao sucesso alcançado pelo enfoque direcionado pelo filme. As coisas acabam se tornando um pouco desconexas. Sentimos o desejo de retornar ao núcleo familiar, às piadas que evocam conexões humanas. Nesse filme, é notável que o aspecto humano é muito mais envolvente do que a ação típica de um filme de super-herói. Isso me parece um grande paradoxo, considerando que, no final das contas, o filme é, essencialmente, um filme de super-herói. Portanto, acredito que ele tenha alcançado o efeito oposto ao que buscava. A ação acaba servindo às relações humanas, o que pode ser visto como um desvio do padrão. Nós precisamos abordar o filme da maneira como ele foi concebido. Não que a ação não seja bem executada; muito pelo contrário, o filme demonstra competência ao construir as cenas de luta, desenvolver o vilão e elaborar os conflitos físicos entre os personagens. As sequências de ação são consistentes. No entanto, o núcleo familiar cativa tanto a nossa atenção que acabamos sentindo sua ausência sempre que a música mais ansiosa começa a tocar.

Isso não diminui o mérito do filme em ser extremamente divertido, possuir um coração genuinamente puro e transmitir uma intenção positiva. Definitivamente, ele é uma obra cinematográfica refrescante, especialmente considerando a enxurrada de elementos desagradáveis que muitas vezes encontramos em filmes de super-heróis. Pelo contrário, eu acredito que ele transcende a simples categorização de filme de super-herói. Na verdade, este filme nos oferece uma oportunidade rara de nos conectarmos de forma genuína, pois foi criado por nós e para nós. Lamento muito pelas pessoas em outras partes do mundo que não sabem o que é Maria do Bairro, mas agora é a nossa vez de rir.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual