
Por: Vitor Hugo Pereira
Redação RUA
Vários são os gêneros que integram o cinema brasileiro e suas discussões, sejam eles mais ou menos nichados ou com maior ou menor popularidade. Nesse sentido, tem-se presenciado um verdadeiro boom a respeito do nordestern, seja sobre os debates suscitados pelos filmes mais contemporâneos do gênero, ou pelos filmes mais antigos – quando o termo ainda não havia ganhado popularidade – ou até mesmo pela sua configuração como gênero brasileiro com influência estrangeira, no caso, o Western.
Em 2024, foi premiado, no Festival de Gramado, chegando aos cinemas em 2025, um filme que se mostra como uma síntese de toda a discussão a respeito do gênero em questão. Oeste outra vez (2024), retoma o motor de filmes bang-bang, a ação e a violência de modelos masculinos, mas as problematiza; isto é, recupera questões tradicionais com abordagem contemporânea. É outra vez o mesmo, mas de outro jeito, é o Oeste, outra vez. E o nome da região no título não é arbitrário. O centro-oeste é também o centro do Brasil, ainda que não seja o eixo principal, ou polo, da produção audiovisual no país. Nesse sentido, deslocar a discussão para o interior é também se deslocar a uma região específica (local) que, falando de si, fale do ao redor, do país como todo (nacional), como feito, mesmo que sob outra temática, em Fogaréu (2022), de Flávia Neves.
Não é por acaso que a temática trabalhada na obra se integra com facilidade nas pautas do cinema em geral: a masculinidade e suas problemáticas histórico-sociais. Desde Comeback, em 2016, o diretor Erico Rassi vinha traçando um cinema que abarcasse o estilo seco da paisagem do cerrado goiano à uma fragilidade latente nos homens (de lá e do mundo todo). Homens, violência, armas e tudo que o western, ou melhor, o nordestern pede, mas não só estiliza, pois, antes de tudo, questiona: por que homens? por que violência? por que armas? E mesmo que esse questionamento seja central na obra, ele não se faz explicitamente, nos diálogos ou em ações que poderiam facilmente cair num discurso óbvio e pseudoprogressista. Pelo contrário, ele se faz pela própria encarnação dos elementos-problema: se faz por um elenco integralmente de homens, por uma violência crua, e por armas barulhentas, mais “falantes” do que as vozes das personagens. Oeste outra vez, questiona porque encara a situação não de frente, mas de dentro.
Na trama, acompanhamos a luta de dois homens. Um deles se interessa pela esposa do outro, que contrata um capanga para matá-lo e lavar a sua honra, fato que inicia um jogo de gato e rato entre ambos. Nessa perseguição circular, tudo é silencioso e ao mesmo tempo caótico: os únicos gritos que se ouvem são, na verdade, os barulhos de tiro das armas que rasgam o silêncio como prantos contidos de quem as dispara. O som e a imagem, nesse sentido, evidenciam uma paisagem estéril, infrutífera porque solitária: uma problemática terra de ‘homens’.
As relações e ações das personagens são sempre centradas no paradoxo da “companhia solitária” masculina e o complexo da masculinidade expresso por meio da incompletude pela falta feminina; isto é, homens que, juntos, partilham de uma solidão da qual não querem sair ou se expressar, tomados pela irracionalidade. É nessa questão que os elementos do faroeste são incorporados, transformando o cerrado goiano, suas parcas habitações e hinos sertanejos de Nelson Ned como palco de batalhas anticlimáticas, já que, mais uma vez, são estéreis, porque há uma falta: a presença feminina, causa cega de tudo aquilo.
E nessa incorporação, os elementos de tal gênero são sempre deturpados em certo grau: a montagem constantemente desloca os indivíduos geograficamente no espaço dos enquadramentos, quebrando uma certa noção espacial mesmo em ambientes pequenos; o triângulo amoroso não tem um centro, ou melhor, tem um centro invisível, mas presente por meio dos dois homens que o disputam: a mulher amada, mesmo que só apareça no início, é onipresente, porque é o motor da rivalidade dos dois.
Falando na rivalidade, tudo que se aflora dela é sempre protocolar, porque segue uma tradição inquestionável: os dois rivais já sabem todos os passos para disputar a pessoa – ou disputar o corpo, já que é o corpo e seu gênero que se vê em jogo. E, mesmo assim, tudo o que os personagens fazem, em certo grau, é frustrado e anticlimático: todos fracassam em algum momento no filme, mas nunca repensam seus atos, caso contrário, não haveria todo o jogo de gato-e-rato; não haveria o filme, ou o nordestern, propriamente dito. A lógica do jogo de bilhar que eles jogam em determinado momento do filme representa bem esse pensamento: ambos precisam se acertar pelas bolas de sinuca na mesa, mas sem “morrer” no jogo; é a tradição que garante a luta porque nunca é questionada e move aquele mundo.
A engenhosidade da obra reside nessa lógica da tradição e ruptura em si mesmo. O filme é o faroeste nacional, mas também é seu questionamento, na medida em que se utiliza dos próprios princípios composicionais do gênero para esmiuçar e expor suas contradições, reverberando no modo como esses filmes são interpretados e enraizados na cultura masculina, patriarcal e machista do país.