David Lynch

O grande topete grisalho e a tradutora-manequim, uma cena lynchiana

Um grande topete grisalho no meio de uma multidão alvoroçada. Uns queriam o autógrafo, outros, ver o diretor de filmes como “O homem elefante”, e tantos outros ouvi-lo falar sobre meditação, cinema e intuição. David Lynch certamente representaria isso a todos que estavam naquela tarde chuvosa do dia sete, na Livraria Cultura, em São Paulo, certamente ansiosos pelo artista-mestre, escritor do recente “Em águas profundas – meditação e criatividade”.

Cheguei bem cedo, umas dez da manhã e não sairia de lá até que o visse falar. E foi assim, David chegou às quinze e pausadamente, ao lado da tradutora loira e levemente inexpressiva, disse de meditação e muita coisa a mais. Tínhamos a possibilidade de escrever perguntas a ele, que talvez fossem lidas e traduzidas pela mulher-manequim. Via-se um David Lynch muito ágil e disposto a responder às mais variadas perguntas. “O que David Lynch sabe sobre David Lynch?” Categórico: “Nothing”. E assim seguiu-se. Logo em seguida, outra, “o que é que não sai da cabeça de David, David?” “Idéias, idéias, idéias”, depois engatou, “idéias são como peixes, e para você pegá-los precisa mergulhar nas águas que são o próprio ser humano, quanto mais fundo for, maior o peixe”. Pois seu livro é assim, simples, metafórico e fluido, ensinamentos embasados na meditação e na busca do campo unificado, a consciência humana aberta à intuição e à espontaneidade do artista. David Lynch hoje é quase um pregador, que pretende (visionário e altruísta?) divulgar e aumentar o alcance da meditação para transformar pessoas, e que através de sua fundação, David Lynch Foundation, desde 2005 tem trabalhado com a meditação em escolas americanas, e agora, com essa turnê, pretende divulgar sua mensagem pelo mundo.

A conversa, que durou pouco mais de uma hora, felizmente não se restringiu a transcendentalismo e meditação, e teve seus momentos cinematográficos memoráveis. Quando perguntado sobre qual seu filme favorito, ele respondeu convicto de que seus filmes são como criancinhas de caras limpas e cabelos penteados e que “perguntar qual eu mais gosto, é perguntar qual dessas criancinhas eu gosto mais”, e o riso se instalou, ele realmente parece ser um homem adorável de se conversar.

A tarde se findou chuvosa, logo após a palestra, as pessoas foram deixando o Teatro Eva Herz e se juntando à quase quilométrica fila de fãs que queriam o autógrafo do cineasta, a grande livraria com seus três andares tornara-se pequena e confusa, um grande show à parte, David Lynch mais pop que nunca terminou sua pregação com risos, fotos e assinaturas, e a tradutora loira, levemente inexpressiva, eu nunca mais vi.

Matheus Chiaratti é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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