Virada Cultural: Sessão Zumbi

Para começar, é preciso ser um verdadeiro zumbi para agüentar em pé toda a programação da Virada Cultural da capital paulista, ocorrida entre os dias 2 e 3 de maio de 2009. O evento surge como uma das grandes oportunidades aos cidadãos culturalmente hiperativos, curiosos de plantão ou simplesmente interessados em assistir algumas coisas, tais quais shows, filmes, danças e afins, com a possibilidade de virar as costas a qualquer momento e ir tatear coisa nova nos arredores de onde estavam; muitos palcos e locais com atividades estavam localizados bem próximos uns aos outros, em sua maioria na região central de São Paulo, sendo assim bem fácil de locomover entre eles. Quer dizer, nem tão fácil assim.

São Paulo é a cidade luz
São Paulo é a cidade luz

Uma dessas atividades era o chamado “Cine Zumbi”, localizado no antigo Cine Dom José, o qual entrou pela primeira vez no recheado circuito da Virada. O cinema teve a honra de fazer a sua estreia no evento com um ciclo dedicado a um subgênero do terror, o de filmes dedicados a histórias de zumbi. Quatorze obras de nomes renomados dessa temática, como George A. Romero e Lucio Fulci, foram exibidos nas 24 horas de programação do Dom José.

Minha vida de zumbi já havia começado quando tentei acompanhar alguns shows da Virada, sendo humilde e levemente (ou não, exageradamente!) esmagada por milhares de pessoas alteradas pelo êxtase do evento, mas obteve seu ápice no ingresso do tal “Cine Zumbi”. Como ninguém no início controlava a entrada ou saída de contingente do cinema (depois o controle começou a ser feito nas portarias), milhares de pessoas se esmagavam entre as sessões para adentrarem na sala, que por sinal, é bastante grande. Aí é esquecer-se de ser humano, prender a respiração e agüentar o empurra-empurra para conseguir um assento. E eu o consegui, ufa. Por sorte alguns lugares me esperavam ali, poltronas vermelhas como o rosto de metade das pessoas no pós-esmagamento da entrada.

Uma vez ali dentro, era bom não decidir sair se realmente fosse a intenção acompanhar algum filme que estava por vir; tinha gente até sentada no chão dos corredores e no palco em frente a tela (uma sessão torcicolo para estas). Apesar da projeção ter sido em DVD, a imagem era boa, porém o som era bem fraco, e se tornava bastante inaudível mediante os comentários nada baixos do público que acompanhava esses filmes. Muitas pessoas entravam na sala com a finalidade de dar uma revigorada para agüentar mais as x horas de Virada as quais estavam ainda por vir, mas outros muitos estavam ali para bagunçar (após as muitas garrafas de “Cantinas da Serra”, que custavam cinco reais lá fora; uma pechincha), e bem poucos realmente queriam ver o que ia ser passado no telão. Ou seja, nem o sono da beleza dos virados foi respeitado: a cada zumbi, cena de nudez, de morte ou de violência, o público ia ao “delírio”, e o Maracanã se instalava ali mesmo, no centro de São Paulo.

Uh! Ah! Tira a roupa! Ronaldo! Que medo!
"Uh! Ah! Tira a roupa! Ronaldo! Que medo!"

Uma grande decepção para mim (e para grande parte ali presente) foi o curta A Última Mulher do Mundo, versão de um longa de Romero, editado pela Ludo Filmes. Na programação, parecia constar que haveria uma orquestração ao vivo do curta, ali na hora, no calor (e que calor) da bagunça. No entanto, o que foi visto (e vaiado, gritado) foi uma gravação de uma banda editando o filme, e, ao que deu para entender, com um VJ mixando as imagens. A mixagem da imagem não era das mais atrativas, mas talvez poderia tornar-se pautável com a orquestração ali aos nossos olhos, e menos barulhenta aos ouvidos; o que mais ouviu-se foi aquele longo e famoso “ah” quando parecia que o vídeo ia terminar, e a imagem voltava a encher o telão, e assim também, a boca insatisfeita do seleto público (além de outras frases menos polidas). Mais um adendo a essa exibição: o curta era uma edição do longa-metragem que havia acabado de passar em sessão anterior,  A Noite dos Mortos Vivos, ou seja, para quem não é fã de carteirinha mesmo, como enorme fatia que estava sentada lá, não fazia muito sentido ver aquele remix logo tão em seguida.

Depois dessa sessão controversa, muita gente deixou o local, seja por insatisfação, cansaço de ver zumbis e vontade de partir para alguma outra atração da Virada, ou pela hora que já era (mais de quatro da matina). A sala ficou um pouco mais tranqüila, mas claro, com os mesmos barulhos e comentários super apropriados de todas as outras sessões. E, ainda às cinco e tanto da manhã, havia uma enorme fila aguardando pela entrada no velho Dom José, para continuar com a madrugada (já dia) de mortos-vivos.

Mas nem só de zumbi foi fomentada a programação cinéfila da Virada Cultural. Em frente ao Teatro Municipal (ainda grafado com H, para o espanto de muitos), acontecia a exibição do Festival Internacional de Curtas, nos intervalos de espetáculos teatrais, de dança e afins. Lá os ânimos estavam mais calmos, a mostra era tranqüila, muitos assistiam sentados no chão, e o Teatro adornava o espaço de uma maneira bela, a qual só podemos testemunhar em noites especiais, tal qual essa. Ainda em cinema, concomitantemente, no Cine Olido ocorriam exibições de filmes da Mostra Internacional de Cinema, porém não com menos fila, como a obra francesa Canções de Amor e o nacional Corpo. O Festival do Minuto também foi presente em intervalos de shows, apresentando curtas de um minuto nos telões lá instalados.

A farra do boi da Virada Cultural é então um evento extremamente interessante em amplos termos, além do aspecto de você descobrir que seu corpo é muito mais flexível e resistente do que se pensa. As possibilidades são quase infinitas de se entreter, das calcinhas voadoras com destino ao show-man Wando, ao mundo caótico-zumbítico de um lendário cinema, desconhecido por muitos, mas não menos desinteressante, ainda que só a título de conhecer a coisa. Depois de muita cultura, barulho, diversão, aperto, espetáculos e cinema, o foco se volta a somente uma dissílaba: cama. E sem zumbi nenhum por perto.

Juliana Soares é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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