Entrevista com Adriana Falcão

Por Vitor Vilaverde*

Adriana Falcão é carioca, mas viveu grande parte de sua vida em Recife, é formada em arquitetura e trabalha como roteirista do seriado A Grande Família há 11 anos na Rede Globo de Televisão. É autora de livros como Mania de Explicação, Luna Clara e Apolo Onze e Pequeno Dicionário de Palavras ao Vento.

Na TV também assina trabalhos como O Auto da Compadecida e Decamerão, A Comédia do Sexo. No cinema, Adriana colaborou com os filmes Eu e Meu Guarda-Chuva, Se Eu Fosse Você, Se Eu Fosse Você 2, A Mulher Invisível, Chega de Saudade e muitos outros.

Adriana começou como redatora publicitária, mas logo passou a escrever para TV e cinema. É uma das poucas profissionais a trabalhar majoritariamente com os diálogos dos roteiros e esteve em São Paulo entre os dias 27 e 30 de junho ministrando um curso sobre o tema. Na ocasião, Adriana também concedeu uma entrevista à RUA, a entrevista foi realizada por Vitor Vilaverde. Abaixo assista a entrevista com a roteirista ou leia a transcrição completa.

Vitor Vilaverde: Sua formação é em arquitetura, como foi começar na área de roteiro para Cinema e TV? O que veio primeiro na sua carreira, roteiro ou literatura?

Adriana: Eu acho que a gente escolhe a faculdade muito cedo. Então, com 16 anos, eu já tava terminando terceiro ano e tinha que escolher qual faculdade eu iria fazer. Eu sabia que era na área de arte, eu sabia que eu gostava de escrever e de ler, porque eu já ensaiava umas poesias, coisa de jovem, que eu não mostrava pra ninguém e gostava muito de literatura. Mas nessa época eu morava em Recife. Eu nasci no Rio, mas eu morei em Recife durante muito tempo. Se já é difícil pra uma brasileira de qualquer cidade do Brasil pensar: quero escrever, quero ser escritora, quero ser roteirista de cinema. Quanto mais pra uma menina que morava no Nordeste do Brasil, então isso nem passou pela minha cabeça, nem tinha faculdade pra isso na época, não tinha faculdade de cinema. Tinha Letras, mas minha irmã tinha feito Letras, mas eu não queria ser professora. E aí aquela coisa de artes, eu fui fazer arquitetura, que não tinha nada a ver comigo, porque o lado da arte que eu gosto é justamente música, palavra, literatura, cinema; não tem nada a ver com arquitetura, que é espaço. Meu desenho parece uma mancha. Então eu fiz a faculdade, não serviu pra nada fazer essa faculdade, até hoje eu não fui buscar o diploma, até hoje está lá.

Terminei a faculdade por terminar, porque já que eu comecei vou terminar, mas na faculdade eu conheci o João Falcão, meu grande parceiro, e ele abandonou a faculdade logo no começo, no segundo ano pra fazer teatro. E aí eu fui produzir teatro, e aí eu fui conhecendo pessoas de teatro, aí comecei a conhecer pessoas de publicidade e aí fui ser redatora publicitária. Foi como tudo começou, eu sabia que eu não queria ser arquiteta. Apareceu uma chance de eu ser estagiária de um redator de publicidade, eu não sabia direito como que funcionava aquilo, eu tinha vinte e poucos anos, fui experimentar e aí descobri que eu podia ter um emprego e ganhar a vida escrevendo. Era pra publicidade, era pra vender produtos, mas era escrevendo, que era a coisa que eu mais gostava de fazer e tudo começou aí, com a publicidade. Trabalhei anos com a publicidade e aí a carreira do João Falcão com teatro e cinema começou a andar, e gente veio pra São Paulo, passou um ano aqui, depois fomos pro Rio e aí eu fui pra televisão, sai da publicidade e fui pra televisão e aí fui escrever livro, e a minha carreira foi toda ao contrário.

Geralmente as pessoas começam escrever e desejam a televisão, até porque a televisão dá uma estabilidade financeira, que livro no Brasil, tirando quatro ou cinco nomes não dá. Mas eu não, comecei na televisão depois da televisão eu fui fazer livro e roteiro pra cinema e foi assim.

Vitor: Há 11 anos você trabalha em A Grande Família, ainda há como se divertir? Como é o dia-a-dia de trabalho nesse caso? Ainda há aprendizado, inovação ou se tornou algo automático?

Adriana: É um outro desafio. Tem o desafio do novo, quando a gente se depara com alguma coisa que a gente não fez ainda e tem o desafio, eu acho, de como não deixar velho ou não deixar ultrapassado ou antigo dentro do coração da gente e pro público uma coisa que você já faz há muito tempo. Então todo começo do ano da A Grande Família, a equipe se reúne e tenta inventar uma novidade praquele ano, uma novidade qualquer que seja. Esse ano por exemplo, estamos em 2011, o Agostinho tem uma frota de táxi, resolveu comprar um outro carro e ser empresário. A Nenê é presidente da associação de moradores, pegando carona na Dilma, a primeira mulher presidente da República. Isso assim, no geral, na equipe toda. E sempre que chega um texto pra mim, eu sempre tenho o cuidado de não ligar o piloto automático, de não ir naquela coisa de “já faço isso há muito tempo” e de tentar trazer algo novo, de me reciclar, de aprender com quem é mais jovem também. Eu aprendo muito com quem é mais jovem e com as minhas filhas, que na verdade elas não têm uma teoria pra ensinar, o que elas têm pra ensinar é a vontade de fazer algo. Eu acho isso muito legal e é assim que eu tento fazer, pra não cair na rotina.

Vitor: Como você enxerga o trabalho dos roteiristas no Brasil atualmente? Há espaço para novos roteiristas?

Adriana: Eu acho que tem um espaço enorme, eu acho que todo mundo se lembra há vinte anos atrás como era o cinema brasileiro, todo mundo se queixava. Tinha problemas de som, tinha problemas de roteiro, tinha problemas de diálogos… Acho que o cinema vem crescendo, a qualidade do cinema brasileiro está num crescimento vertiginoso. Temos ótimos roteiristas hoje em dia, mas acho que o mercado em geral, ainda funciona de uma maneira diferente dos países como a França, Estados Unidos, mesmo a Argentina. As coisas em geral não partem de um roteiro, partem de um desejo de um diretor, ou de um produtor, ou de um ator que querem fazer determinado filme, ou determinado livro, a adaptação de alguma coisa assim.

E cada vez mais tomara que a gente caminhe pra isso, pra um roteirista ter uma idéia, escrever um roteiro e ter espaço pra o roteirista também fazer parte dessa engrenagem do movimento do cinema. E acho que já temos ótimos roteiristas, mas a demanda, você vê a quantidade de canais de televisão. Temos a Globo, e agora tem Multishow, GNT, HBO… E como as pessoas estão querendo seriados e como precisa de roteirista. Eu acho que a demanda é grande ainda e acho muito legal que as pessoas estejam se interessando por isso, porque eu torço muito pelo cinema no Brasil.

Vitor: Como é perceber tanta gente interessada por roteiro (mais especificamente por diálogos) e como é ensinar, trocar conhecimento com essas pessoas?

Adriana: Eu fico muito espantada em porque é que as pessoas estão interessadas em diálogo? Até porque eu me sinto muito solitária com essa minha determinação de escrever diálogo que foi uma coisa que eu em determinado momento da carreira por uma consciência de que eu não sou a melhor pessoa do mundo pra escrever estrutura de roteiro, pra pensar cinematograficamente; essa não é a minha, gosto mais da palavra, eu fui pro diálogo. E isso não é muito comum no Brasil, então quando eu vejo um monte de gente interessada em diálogo, eu acho isso fantástico! Eu fico muito feliz que as pessoas se interessem, agora é uma coisa que é muito difícil, porque o tempo todo eu fico dizendo que não existe uma técnica, não existe uma teoria, não existe um lugar onde buscar informações praquilo. Tudo que eu aprendi, eu aprendi ao longo de dezesseis anos ou mais que eu trabalho com isso. E eu fui aprendendo no dia-a-dia e todo dia eu aprendo uma coisa nova, então é muito difícil, eu me sinto muito desafiada pra fazer uma oficina como essa, fico até meio esgotada física e mentalmente, mas acho que como funciona é na prática, como a gente tem feito.

No primeiro dia eu falo uma porção de coisas que eu penso e que eu pensei ao longo desse tempo todo de trabalho, e depois as pessoas vão escrever os seus diálogos e a gente comenta e todo mundo comenta. Como o comentário dos outros me ajuda, pois as vezes eu me sinto aqui pressionada pois temos tantos diálogos pra ler na noite e às vezes me passa desapercebido uma coisa importante, que às vezes alguém da turma levanta: “Ah, sabe o que foi que eu percebi? Isso assim.” E como é bom. Eu acho que talvez seja a única maneira de ensinar e de aprender diálogos seja praticando, talvez, isso é uma opinião minha e sem nenhuma certeza, mas eu não vejo muito outra maneira, assim como jogar futebol, eu acho que só praticando, acho que diálogo também.

*Vitor Vilaverde é graduando do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e colaborador da RUA.

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