Durante a última edição da Mostra Quadro a Quadro, realizada na cidade de São Carlos, que reuniu nomes da animação nacional para um bate papo, o cineasta Fábio Yamaji concedeu uma entrevista para a RUA, falando de sua carreira que se confunde com a história recente da animação nacional.
Por Estela Andrade e Fernanda Costa *
Estela Andrade e Fernanda Costa: Como ingressou no meio audiovisual ?
Fábio Yamaji: Eu sou cinéfilo desde os 14 anos, daqueles de ver todos os filmes que entram em cartaz, de ver mostra, festival de cinema. Na época que eu ia prestar o vestibular, eu resolvi mudar de Arquitetura pra Cinema. Eu prestei cinema na ECA e na FAAP, e no Mackenzie e na Belas Artes, Design Gráfico. Isso aconteceu em uma época, em 93/94, da extinção da Embrafilme pelo Collor, era uma área totalmente morta e eu resolvi apostar no design gráfico, que era na verdade desenho industrial, com habilitação em programação visual, porque nesse curso eu teria aulas de áudio, vídeo e cinetv. O foco era a produção de comerciais, vinhetas, videoclipes, mas incluindo animação. Até então eu queria fazer filmes, longas com atores mesmo. A animação entrou meio que por acidente. Durante a faculdade eu fiz um curso de desenho animado e tinha um Estúdio em São Paulo, chamado HGM que é um estúdio do Aroldo, um animador que se formou e trabalhou em produções da Disney. Ele abriu um curso de desenho animado, até pra criar mão de obra porque não existia escola de animação em lugar nenhum no país. Ele iria trabalhar na série do Rei Leão, abriu esse curso e eu fui fazer. Pensei que esse poderia ser um caminho para entrar no cinema. Eu já desenhava, trabalhava com Arquitetura e por isso eu já tinha uma prática com maquetes. Depois do curso eu fiz um curta de um minuto, mas eu vi que não era ainda a minha praia. Eu não tinha desenho suficiente e paciência pra ficar desenhando o dia inteiro em uma sala fechada e sozinho. E aí na faculdade eu comecei a testar filmes de animação em stop motion aproveitando a experiência que eu já tinha com modelagem, maquete. Foi aí que eu comecei.
Estela e Fernanda: O Brasil possui um grande festival de animação internacional, o Anima Mundi, tem a ABCA – da qual você é um dos fundadores – e tem diretores conhecidos internacionalmente. O que você acha do panorama atual da animação no Brasil?
Fábio Yamaji: Desde que eu comecei melhorou bastante, na maioria dos aspectos da animação. Na maioria eu digo em termos de formação, então hoje existem cursos de animação em vários lugares, com várias técnicas, tanto cursos que duram um ano inteiro, faculdades, pós-graduação ou cursos livres, e por isso tá mais fácil de aprender animação. Tá se criando um mercado, com longas metragens e séries, que é uma realidade mesmo. Longas já foram produzidos, séries já foram produzidas e a demanda é maior, mais séries estão vindo por aí e tá até faltando animador no mercado pra essa demanda. Mas no aspecto que me interessa especificamente e que me levou a fazer dessa fundação, da ABCA, que é a animação autoral de curta-metragem, ainda tá meio esquecido. No começo, durante os primeiros anos da ABCA, a gente conseguiu editais públicos específicos pra animação, mas esse edital foi extinto pra que se pudessem surgir editais que contemplassem longas-metragens e séries – o que é importante pra estabelecer um mercado mesmo, estabelecer a animação como um ambiente de trabalho, pra empregar pessoas – só que nesse processo o curta-metragem acabou sendo esquecido e pra quem tem o foco principal nele fica longe do ideal; não há muitos recursos, não tem muito para onde ir se você quiser fazer curtas se não for “na raça”. Eu e alguns colegas temos o curta metragem como objetivo de carreira, de fazer filmes autorais de curta duração e, na minha opinião, é onde está o “filé”, o melhor da animação, o formato nobre da animação é o curta-metragem, todos os outros formatos ou estão submetidos a um aspecto comercial ou a uma economia de produção, no sentido de ter que fazer coisas mais baratas. Com as séries, por exemplo, e com o curta-metragem você pode separar um tempo estudando, criando e desenvolvendo técnicas novas ou mais sofisticadas com um objetivo artístico.
Estela e Fernanda: Apesar da considerável produção de conteúdo adulto, a maioria das pessoas crê que animações são destinadas apenas ao público infantil; o que você acha que falta pra mudar esse paradigma? Melhor divulgação e distribuição, mais investimento nos filmes e séries…
Fábio Yamaji: Eu acredito que pra quem faz não muda muita coisa. Eu não tenho projetos ou intenção de fazer série ou longa, mas talvez se eu tivesse essa pretensão, esse foco, esse seria um aspecto a ser considerado porque se o público tem essa impressão da animação e aí se eu fosse fazer uma série adulta, eu já saberia de antemão que talvez ela teria menos espaço, uma divulgação limitada. Mas acho que, fazendo curta-metragem, não tem esse problema e acho que até que o público mudou bastante, com o Anima Mundi, com os festivais, mudou um pouco essa ideia de que animação é coisa pra criança. Eu mesmo não tenho nada infantil, mesmo em trabalhos autorais, e eu, na verdade, cuido pra que não tenha pra não cair em uma categoria infantil, porque eu acho que acaba limitando, acaba fazendo com que chegue pra menos pessoas do que se estivesse em uma categoria mais geral.
Estela e Fernanda: Além do stop motion, você também trabalha com animações em 2D e 3D; você acha que essa expansão do 3D nos últimos anos vai tomar o lugar das outras plataformas ou é só uma euforia momentânea ?
Fábio Yamaji: Na realidade, é uma euforia que já passou e a gente percebe isso mais na publicidade. Eu animo pra comerciais desde 1999, lá para 2004/2005, que foi quando teve esse boom do 3D, aconteceu das produtoras ou dos clientes das agências quererem comerciais em 3D, em computação gráfica, mas acho que era pela moda, era uma estética que agradava e aí caiu bastante a demanda pelo stop motion, e até mesmo pelo 2D. O que aconteceu foi que o 3D pegou uma fatia, que antes era basicamente 2D e stop motion, até por ser mais acessível, tanto no aprendizado quanto pra fazer, porque quem faz o 3D só precisa de um computador, não precisa saber desenhar, operar câmera ou modelar. Acabou virando um meio de estudo de animação e muita gente continua na computação gráfica. Mas voltou, e eu vejo isso pela publicidade. Porque no autoral acho que não faz muita diferença, porque você escolhe sua técnica e você vai receber seu dinheiro pela técnica e o 3D acaba sendo desfavorecido nesse aspecto. 50% ou 70% dos projetos de animação digital em editais acabam favorecendo a técnica. Na publicidade voltou, e acredito até que tenha saturado esse visual do 3D, meio plástico e bem feito. Um exemplo disso é o fato desse ano ter sido o ano em que eu mais fiz comerciais em stop motion, mais do que no começo dos anos 2000 quando não tinha 3D ainda, e até menos animação de boneco, massinha, de látex e mais coisas mais simples como animação de objetos, de comida, roupa, porque acho que eles perceberam que se tentou bastante emular em 3D coisas que poderiam ser feitas dessa forma e que não fazem sentido, fica parecido mas é uma cópia, e acho que as pessoas estão percebendo que o que é autêntico é melhor e tem espaço pra todas as técnicas.
* Estela Andrade e Fernanda Costa são graduandas em Imagem e Som pela UFSCar e editoras responsáveis pelas seções Entrevistas e Plano Detalhe, respectivamente.