Entrevista com Jusceni Resende

Jusceni Resende: membro da comissão organizadora do Perro Loco

O Festival Perro Loco é feito de universitários para universitários. Qual a importância deste tipo de evento para o cinema como um todo?

Todos os festivais têm um papel decisivo no processo cinematográfico por garantirem a exibição das produções que muitas vezes não teriam alcance algum junto às salas comercias de cinema. Estas salas comerciais, apesar de ser o principal meio de exposição no Brasil, funcionam quase como um cartel. Boa parte da produção nacional ou mesmo dos filmes de arte ou independentes não chegariam ao público se não fosse a Internet e os festivais. Penso que a importância reside aí, em estabelecer essa ponte entre público e produção. Em particular, a contribuição do Perro nessa busca por levar às pessoas a diversidade de linguagens e formatos cinematográficos reside em, ainda que de forma tímida, levantar o que vem sendo produzido dentro das universidades latino-americanas a que temos alcance. Apresentar à sociedade o resultado destas produções e aos estudantes o incentivo de continuar produzindo.

O Festival é importante para resgatar e manter viva a cultura dos países latino-americanos. Neste sentido vocês o sentem como forma de resistência, além do artístico?
Avaliando que com exceção de alguns países que fomentam a distribuição e exposição de produções nacionais, se não fossem os festivais e cineclubes, além da Internet, estaríamos fadados a indústria cinematográfica norteamericana e ao seu formato. Infelizmente teríamos acesso a um ou outro filme de arte. A política de distribuição e exposição cinematográfica, aliciada pelas salas de cinema é cruel em relação ao que se produz fora do eixo das grandes distribuidoras. Os festivais, junto com os cineclubes e a Internet são uma resistência, com certeza, pelo papel de garantir a exposição da pluralidade. Não funcionamos apenas como defensores de um nicho especifico de produção, cada festival acaba sendo o ponto estratégico de defesa do cinema enquanto arte, quanto espaço de livre expressão, de construção poética, de manifestação cultural.

Qual a diferença de fazer um festival com os universitários e não com cineastas já inseridos no mercado, tal como é o Perro Loco?

Não sei, será que realmente há uma diferença tão gritante assim?  Não escolhemos o espaço universitário por entendê-lo como uma forma diferenciada de fazer cinema, amador, até porque é visível que assim como no mercado as produções são plurais, algumas têm incentivo outras não, algumas tem um rigor técnico de impressionar outras não, algumas apresentam uma maturidade na escolha e construção da linguagem outras não. O cinema universitário esta muito mais para dizer: filmes produzidos dentro da universidade, do que dizer: a estética universitária ou cinema universitário é isso. Se há algo que os festivais universitários estão aí pra desmistificar é que o cinema universitário é amador, pelo contrário, há muito dele com rigores tão profissionais como qualquer filme dentro do mercado.

A integração entre as universidades da América Latina através das artes é algo utópico ou vocês já têm visto alguns resultados concretos nas duas primeiras edições do evento?

Falando em números, temos perto de 7000 escolas diretamente relacionadas a cinema em toda a América Latina, considerando que a produção universitária vai além disso. Durante duas edições do Perro atingimos escolas em Cuba, Argentina, Uruguai, Bolívia, Peru, Costa Rica e Brasil. O que proporciona dois diálogos, o dialogo humano em que são colocadas as realidades de produção dentro destas escolas, fomentado pelo debate fílmico que ocorre depois de cada mostra dos realizadores com o público, e o debate artístico em que igualdades e diferenças são confrontadas. A partir do momento que um espaço de diálogo é estabelecido, existe sim a possibilidade de integração. Nem sempre ela virá na forma de um movimento, mas de um intercâmbio, de um reconhecimento. Mas isso é processo, demanda décadas de projeto e sabemos que não vamos crescer e chegar a atingir todas as escolas de uma vez, isso é impossível. Talvez nunca atinjamos todas, mas nosso papel é garantir que o espaço para essa possibilidade exista.

A América Latina é dificilmente retratada em filmes comerciais. Que propostas o cinema universitário traz para mudar isto?

O que seria uma representação da América Latina? Penso que qualquer filme feito por um latino-americano traz consigo um retrato da América Latina, porque traz consigo a subjetividade do diretor, da equipe, uma subjetividade que é impregnada de latinidade, ainda que muitas vezes esse sujeito não tenha dimensão disso. O melodrama na América Latina tem características próprias, tem rigores morais específicos. Outro ponto, a América Latina não é uma proposta estética, é uma extensão geopolítica, o que não falta é diversidade cultural e isso é refletido em suas manifestações artísticas e com o cinema não é diferente.

Qual a ligação dos universitários com a comunidade através do cinema? Em que sentido a Perro loco tem auxiliado esta conexão “meio acadêmico – sociedade”?

O Perro Loco Festival, nossa principal atividade quanto projeto, acontece dentro do campus da Universidade Federal de Goiás. Todos os espaços do festival, oficinas, mini cursos, palestras, mostra, shows são gratuitos e abertos a quem quiser participar. Os filmes inscritos no festival entram para o acervo do projeto, que ao longo do ano alimenta os Perros Itinerantes, que são mostras em comunidades e cidades sem acesso ao cinema, nas quais também trabalhamos oficinas. Também temos parcerias com cineclubes.

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