Entrevista com Rodrigo Diaz Diaz

Por Rafael Simões, Estela Andrade, Thomas Canton e Marcelo Félix*

Nos dias 12, 13 e 14 de abril de 2011 ocorreu a  Oficina “Organizando o Caos” – uma introdução à assistência de direção e continuidade no Núcleo de Produção Digital de São Carlos ministrada por Rodrigo Diaz Diaz, diretor do curta Depois do Almoço, premiado no Festival de Paulínia, e da série Escola 2.0, da TV Cultura, que  trabalhou como continuísta em diversas campanhas internacionais de publicidade (Nike, Smirnoff, Sony-Ericsson e Peugeot) e em mais de 10 longas-metragens, entre eles O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia e Som e Fúria, de Fernando Meirelles; como assistente de direção trabalhou no longa-metragem “Os Inquilinos”, de Sérgio Biachi. Assista um trecho da entrevista com o diretor e leia abaixo a transcrição completa!

Rafael Simões: Quanto a formação acadêmica contribui para a formação de um profissional do audiovisual?
Rodrigo Diaz Diaz:
Bom, não só na Imagem e Som, mas também em outras faculdades de cinema, de audiovisual, rádio e TV, elas tem sempre um enfoque mais teórico do que prático, porque muitas vezes o prático é um pouco desatualizado, por causa dos professores, eles sempre têm essa distância. Mas, por mais que não se tenha um enfoque tão grande em cima da prática, na faculdade você estuda tanta teoria e você vai se preparando para o mercado de outra forma. Claro, às vezes se você fizer um curso prático, mesmo de técnico, de alguma função de alguma área, você pode de repente muito mais rápido, estar apto a exercer essa função, uma função determinada, mas se você tem toda essa formação acadêmica por trás, teoricamente, você esta muito mais apto a fazer qualquer outra função e poder transitar melhor e entender a relação entre todos. Há um conteúdo maior que serve para te aprofundar em outros caminhos. É muito diferente o que é prático e o que é teórico, é muito diferente da prática profissional mesmo depois que se sai da faculdade. Até o ensino prático da faculdade muda quando é o mercado mesmo que dita as regras, os tempos e tudo isso. Mas, eu acho fundamental ter essa formação acadêmica também para te deixar mais completo, como um ser humano inclusive.

Rafael: Você foi diretor do curta Depois do almoço que foi premiado no festival de Paulínia. Como foi a concepção do projeto e qual é o significado do polo de Paulínia e desse prêmio como incentivo?
Rodrigo:
Bom, são duas coisas: o curta, o Depois do almoço, na verdade é um episódio de um longa metragem que se chama Fucking Different São Paulo, esse projeto é um projeto alemão, é um filme alemão que tem produção associada com o Brasil, nos somos coprodutores associados também, e a ideia é um projeto bem, como posso dizer, é um projeto super de baixo orçamento, quase não tem apoio de nada, não tem patrocínios e tem alguns apoios por ai. Por que a ideia é discutir a questão da homossexualidade, e a proposta é que diretores homens façam uma história sobre o relacionamento, o amor, entre mulheres e as mulheres diretoras façam histórias sobre o relacionamento entre homens, para partir um pouco até dentro do estereótipo de como um homem pode imaginar um lance de só mulheres e as mulheres sobre só homens. Na verdade esse é um filme que é uma série já, ele já foi feito, esse Fucking Different, essa mesma experiência de seis diretores e seis diretoras, em Berlin a primeira vez, Nova York em 2006, em 2008 em Tel Aviv e ai em 2009 foi produzido em São Paulo. E como é um projeto de muito baixo orçamento, o orçamento que a gente recebeu do produtor alemão era muito baixo, porque realmente a ideia é que todo mundo contribuísse com isso. É um projeto que meio que a gente abraça a causa, vamos falar desse tema, vamos colocar essa temática nas telas e vamos cada um investir um pouco também. Por conta disso a gente tinha uma produção meio livre, e ai eu captei outros patrocínios e outros apoios para a realização do curta, e eu também tenho o direito de explorar o curta individualmente. Esse longa, por exemplo, é finalizado só em digital e teve sua carreira em festivais, e ele na verdade alavancou muita coisa para o curta virar sozinho também, porque a primeira exibição internacional do curta metragem foi dentro do longa e no festival de Berlin, na Berlinale, e foi selecionado na seleção panorama na sexagésima Berlinale que foi em fevereiro de 2010. Então a exposição que tem um festival como Berlim para uma estreia é gigantesca e a gente teve acho que três ou quatro exibições lá em Berlim e foram todas muito boas. Todas com debate e foram seis ou sete dos realizadores para acompanhar o filme. E ai meio que o filme cresce sozinho. Todo mundo começa a ouvir falar dele e só de você colocar no currículo a hora que você começa a trabalhar o curta sozinho que ele passou em Berlin as pessoas já ficam loucas e todos já querem ver ele. E isso é muito nítido porque o filme ficou pronto para o festival de Berlim, o curta inclusive, ficou pronto bem nessa data porque eu o finalizei todo em 35 mm, filmei em película e para a finalização do longa, que é digital, foi uma finalização. E o curta sozinho tem outra finalização, inclusive porque, tem padronização de créditos no longa e é um pouco diferente, como uma “versãozinha”, embora a história seja a mesma e o tempo do filme em si tem créditos que é uma animação. Mas isso abriu totalmente as portas, eu voltei e as pessoas começavam a ligar e a mandar e-mail. E geralmente você tem que fazer inscrições em festivais e correr atrás, mas as pessoas começaram a mandar convites para participar da seleção, não era classificado, mas já queriam ver, o que talvez não tivesse acontecido. Participamos de uns 40 festivais, nacionais e internacionais, e o filme começou a ganhar vários prêmios. Paulínia foi primeiro prêmio que o curta ganhou e o festival de Paulínia é muito importante, o polo de Paulínia é fundamental para o cinema brasileiro hoje em dia, eles estão investindo milhões e milhões. Quase não tem longas filmados em São Paulo ou no sudeste que não passam por Paulínia. E o festival para se firmar também começou a oferecer prêmios que são muito bons e não se comparam com nenhum festival brasileiro, a não ser o de Brasília. E com certeza é um estimulo para fazer. Esse filme que eu falei vinha de um orçamento super apertado, com parcerias, negativo de uma agência de publicidade, o laboratório deu toda a revelação, consegui toda finalização também de graça, estúdio de mixagem de graça e depois consegui alguns apoios para fazer o “transfer” de volta para 35 mm, e mesmo assim com todos os apoios o curta teve um gasto muito maior que o orçamento do produtor alemão. Mas nossa estratégia, eu sou de Campinas e inclusive me associei com um produtor de Campinas que tinha todo o equipamento de luz, foi desenhar o curta como um filme de produção local de Campinas, com técnicos de Campinas. O que foi uma facilidade, porque a locação que era grátis e perfeita por ser dos meus pais era em Campinas. E preencher as outras pessoas com pessoas da Unicamp, gente que eu nem conhecia, para fazer o filme. E todo mundo topou e trabalhou de graça. Assim focamos Paulínia e pensamos em fazer um filme assim “bom para caralho” para ganhar o prêmio e pagar a produção. Por mais que tenha o apoio de todos, finalizar um curta em 35 mm gera um gasto bem grande e no fim das contas com o prêmio igualamos os gastos da produção e depois vieram outros festivais com prêmios e deu um pouquinho mais de folga. Eu não digo que deu lucro, porque é difícil curta metragem dar lucro, mas já é bom que ele não teve gasto e esse dinheiro que foi além da produção foi todo gasto em correios e coisas de festivais. Mas tudo bem, você não teve um gasto significativo, meio empata o gasto com o lucro e ganha um retorno de imagem gigantesco. Eu posso dizer que o filme realmente fez uma grande carreira em vários festivais, que vão conhecendo os filmes da nossa produtora e começam a ter uma constância e começam a pedir material, como a Mostra de Audiovisual Paulista fez uma só com os curtas da Filmes de Abril que é minha produtora. Por isso é bacana um festival como o de Berlim ter essa visibilidade internacional gigante. E assim se constrói uma carreira boa para o curta.

Rafael: Na Filmes de Abril você trabalha com pessoas que também fizeram o curso de Imagem e Som da UFSCar e são amigos seus. Como funciona essa parceria? É melhor trabalhar com os amigos? E como é a rotina e o processo de criação?
Rodrigo:
Eu acho bom trabalhar com amigos, assim, mais são duas coisas: ou você trabalha com amigos que você já conhece, ou quando você escolhe alguns profissionais e rola uma sintonia criativa e artística você acaba virando amigo. Então eu não sei nem o que vem primeiro, mas eu acho que também só por ser amigo não funciona, não adianta querer juntar uma equipe só porque são amigos. Tem que ser amigo, mas tem que ter alguma outra característica. Inclusive porque têm amigos muito diferentes. Tem todo tipo de gente, tem as turmas específicas. Quem se identifica mais com um estilo ou mais com o outro. Então, só com amigos eu não formaria uma equipe. Mas ajuda bastante quando você já é amigo da pessoa, já tem um relacionamento e a pessoa já te endente, dá para trabalhar com o olhar e a pessoa te entende rapidamente. O principal no caso da produtora é que você trabalha com confiança sem ter medo de ser roubado ou coisas assim, você sabe como vai acontecer porque não é alguém que você acabou de conhecer no dia anterior. Eu tenho um histórico de conhecer o pessoal da Filmes de Abril há 15 anos e a produtora só tem 5, então a gente já se conhecia antes de montar a produtora. Aí acontece uma super confiança, mas para fazer um filme como equipe é diferente. É muito mais gente, roda muito mais a equipe, você escolhe profissionais que tenham mais haver com teu filme, e é isso. Geralmente, acontece de você ficar mais amigo por causa do filme.

Rafael: E como é o processo de criação na produtora?
Rodrigo: Varia bastante na verdade. Depende do projeto e de como se quer a criação dele. Os filmes geralmente nascem ou de um roteiro interessante ou de uma ideia interessante minha ou da Mônica [Palazzo] que é a outra diretora, sei lá, meio que os projetos desenvolvem e criam uma forma especifica de como se vai desenvolver cada projeto. Já a parte comercial, nós fazemos grandes reuniões criativas para começar o desenvolvimento desde o zero, e se trabalha muito com outros projetos audiovisuais também, como instalações. Nesse caso, a gente faz mais junto a uma equipe criativa, sempre com alguém que escreva alguém do visual que tenha essa visão de diretor. Nós precisamos juntar pessoas não só da produtora como outros profissionais. Assim, a gente vai desenvolvendo e manda a proposta para o cliente. Quando é filme de cinema, tem histórias muito diferentes, porque não foram todos os filmes que nasceram na Filmes de Abril. A gente já pegou vários filmes que estão no processo e precisam de uma produtora, que estão começando e querem um apoio de alguém que ajuda a acompanhar e ajuda a desenhar o projeto inteiro, aí a criação de roteiro, de concepção do filme já está feita e a gente entra para auxiliar no desenho de produção, na organização melhor da filmagem e controle do orçamento. Nós pegamos vários projetos que já tinham ganhado um prêmio e precisavam de uma produtora para criar o filme, e aí não é um projeto do nada, já tem data e já com o dinheiro curto para fazer um curta. Nesses projetos a gente tem que adaptar nosso jeito de fazer com o jeito que a diretora do projeto espera fazer o curta. Então varia um pouco do projeto.

Rafael: Você trabalhou como continuísta em várias campanhas internacionais como da Nike e da Smirnoff, e em longas metragens como O Cheiro do Ralo (Heitor Dhalia, 2007) e a série Som e Fúria(Fernando Meirelles, 2009). Qual a diferença entre trabalhar como um publicitário e com o cinema de ficção ?
Rodrigo:
Tem várias diferenças em tudo. Na função específica de continuidade é brutal a diferença, porque a continuidade é uma função que está sempre ligada à história, ao que está sendo contado. É uma função ligada ao roteiro, na verdade em inglês a função chama script supervisor, ou às vezes é continuity script supervisor, tem algumas variações de nome, mas sempre tem a palavra que vem do roteiro que é uma ligação forte porque é realmente trackear como a historia vai ser contada em todos os elementos. Então, no campo visual, no campo técnico pensando sempre na montagem, que é o encadeamento de ideias de tudo o que vai ser filmado para contar uma história única. E no esquema publicitário, primeiro que não tem história no roteiro, você não parte deste tipo de leitura, então é um trabalho mais técnico, de realmente juntar os dados técnicos da filmagem para ajudar a edição, mas sem entrar no campo da história. Digamos que é mais fácil, pois você tem menos coisas para fazer numa campanha dessas. Então é, por exemplo, você vai fazer um longa. Você tem um bom tempo, pelo menos uma semana, que você fica só preparando para poder filmar. Você precisa estudar o roteiro, decupar o roteiro, preparar cenas que tem continuidade e não precisa pensar na logística e no plano de trabalho por causa da continuidade e como isso está previsto para ser filmado. Já na publicidade não. Você pode chegar no dia da filmagem sem saber nada, porque é muito técnico, tem uma lista de planos do que deve ser feito e geralmente o continuísta não participa na decupagem, já foi feito por outros estágios e a produção é sempre atrelada a uma criação que não é a produtora, que é a agência que criou. Então, nos casos de publicidades internacionais é muito grande o controle que se tem do que está sendo criado. A produção é feita no Brasil, digamos que tem um production servisse no Brasil. A produtora não é brasileira, as agências também são internacionais e aqui contratam uma produtora brasileira para executar o serviço de produção. Eles trazem a grana e eles fazem toda a logística para isso acontecer. Mas a produção brasileira, digamos, é só serviço de produção, não interfere em mais nada, tudo já vem processado pela agência. E mesmo produção gringa tem essa agência por trás, então quando se define o storyboard, os personagens, qualquer coisa, isso vai ser aprovado pela agência. A produtora realmente só executa, só tem que garantir que seja exatamente o que foi passado pela agência. Então geralmente com muito storyboard, planos de som muito estudados e a agência de publicidade geralmente está junta no set. É muito diferente no cinema, porque realmente o diretor tem criação, a equipe trabalha envolvida e contribui de uma maneira mais livre do que só a criação que vem da agência. A própria direção de arte no cinema ajuda a contar a história. Na publicidade ela é muito mais funcional e seguindo o que vem da agência. Às vezes vêm cores ou às vezes vem tudo e tem que ser tudo exatamente daquele jeito. Então você tem menos envolvimento, é mais executivo, só fazer o filme mesmo e não pensar muito sobre ele.

Rafael: Você também foi assistente de direção em Os Inquilinos (Sergio Bianchi, 2009). Como foi esse trabalho? O continuísta é teoricamente um assistente de direção?
Rodrigo:
O continuísta não é um assistente de direção, eu costumo dizer que o continuísta é da equipe de direção, mas originalmente o continuísta é da equipe de produção no cinema americano, ou digamos que é meio solto, não tem departamento específico. Aqui trabalha a direção. E faz todo o sentido, porque o continuísta fica do lado do diretor mais tempo que o próprio assistente de direção. Enquanto o assistente fica lá na frente fazendo tudo que o diretor falar, o continuísta fica do lado do diretor prestando atenção aos mínimos detalhes, às pequenas intenções, um detalhe que passa ou outro detalhe de enquadramento, vendo o tempo da montagem e só pensando no filme, não vendo nada da produção. E o assistente de direção é uma função bem executiva. Você coloca ordem no set, planeja as atividades da equipe inteira, tem mais cara de produção inclusive do que de direção, porque você comanda tudo para acontecer e coordena uma equipe, coordena os elementos, coordena a produção inclusive em função da ideia do diretor ou o planejamento de como vai ser filmado, e o continuísta não. Então, eu não diria que o continuísta é um assistente de direção e sim mais um membro da equipe de direção, assim como se tivesse um preparador de elenco isso está dentro da direção porque está trabalhando com os mesmos olhares que o diretor, mas é outro fator completamente diferente. O bom é justamente isso. Então é uma equipe de direção? As coisas trabalham juntas. Então, tanto para o continuísta quanto para o assistente de direção é bom que eles tenham essa sintonia e consigam trabalhar juntos mesmo. O assistente de direção pode confiar mais coisas, até às vezes de análise técnica, de estudar coisas de cena, de fazer os lembretes do que entra na continuidade e já passar isso para o assistente de direção para incluir na ordem do dia. Então são funções complementares. Como todas na verdade, mas ali se trabalha muito junto. Assim, no longa Os Inquilinos foi uma experiência interessante. Foi o primeiro longa assim, dito grande. Eu tinha feito alguns outros longas, menos, produções menores que nem chegaram a fazer muita carreira como Os Inquilinos fez. Eu comecei como continuísta no filme. O [Sérgio] Bianchi é um diretor que tem muitos conflitos sempre. Ele é conhecido, ele é famoso por trocar as equipes no meio do filme muitas e muitas vezes. E cargos importantes como diretora de arte, de produção, produtor executivo, assistente de direção, trocam realmente qualquer um da equipe. Então já é um processo complicado e eu sabia disso no fundo, porque qualquer pessoa no mercado sabe as histórias do Bianchi, que ele troca as equipes. Mas eu achei legal, eu gosto do trabalho dele e já tinha visto outros filmes dele. E eu achei interessante a oportunidade de trabalhar do lado de um cineasta que eu considero bom para entender um pouco do processo criativo dele. E fui. Comecei a fazer como continuísta e, obviamente, as equipes começaram a trocar em menos de uma semana. E nisso ficaram sem assistente de direção e o produtor executivo já tinha trabalhado comigo em outros lugares e sabia que eu também fazia assistência de direção, ele falou assim: “olha eu acho que melhor pessoa para colocar é o Rodrigo porque ele já está aqui no filme, já fez a decupagem do roteiro e queria saber se o Rodrigo poderia continuar no filme. É só mudar de área”. Ai o Sérgio gostou e falou: “olha vamos tentar, vamos fazer isso”. Então foi muito bacana, me deram uma oportunidade grande, porque era um filme bem grande e bem complicado até por ser o Sérgio Bianchi. E demorou muito para eu entender como era filmar com ele, quem era esse diretor. Mas aí, a grande lição que eu tirei do Sérgio foi aprender que primeiro: é uma função técnica, é uma profissão, ninguém está casando com ninguém, então o grande desafio é – mesmo sendo um diretor difícil de trabalhar- como achar a maneira de trabalhar com ele, como ser útil para o processo criativo dele. E isso que eu acho interessante, quando a gente consegue sair da técnica. É assim, as coisas são , assim e assado, ou não. Tem filme que pode não ser assim ou assado, você pode flexibilizar em umas coisas e outras. Então nunca se deve bitolar em uma coisa que é muito certinha e deve ser igual em todos os filmes. É como uma produção de carros que são produções diferentes cada um vai ter uma peculiaridade. Um produtor de um curso falava muito do risco da indústria, por que o cinema é uma indústria complicada? Por que ela é cara? Por que ela não funciona como uma indústria de refrigerante? E ele falou que o específico do cinema é que os filmes não são iguais, então você está fazendo protótipos. Então você envolve todos os riscos e todo o alto custo para a realização de um protótipo. Vai ser a primeira vez que você vai fazer aquilo, então você não faz cinema, você faz aquele filme. E o Sérgio me colocava isso, ele falava :“Quem disse que tem que fazer assim ? Você só tem vinte anos seu arrogantezinho !”. E ele tinha razão. Em alguns casos também ele não estava certo, como em um caso que ele quis ir contra os direitos humanos da equipe não querendo deixá-la descansar por 12 horas. Então, para mim, a grande lição com o Sérgio foi isso, ele deixava muito claro que tinha que se pensar uma maneira diferente, ele se colocava de uma maneira de como sendo muito respeitado e se colocava como uma pessoa muito importante que ele é, de fato. Pra mim não chega a ser arrogante mesmo, ele se colocava como quem ele é. E ele dizia: “Eu já fiz muitos filmes na minha vida, e você acabou de nascer praticamente, então quem te disse que o cinema se faz assim? O cinema do Sérgio Bianchi não se faz assim !”. Eu entendo, o jeito é muito difícil, muita gente pode não entender porque ele diz as coisas, mas eu garanto que a maioria das coisas que ele diz são grandes verdades, inclusive enquanto ele está brigando ele diz coisas muito pessoais. E foi aí que me deu o estalo de fazer essa diferenciação: até que ponto você tem uma técnica super precisa, seguindo modelos que tragam produtividade, eficiência e tudo isso ? Mas adaptando a cada diretor que vai existir, inclusive limitações físicas dos diretores, por exemplo, o Sérgio gosta de dormir tanto tempo depois do almoço, então como fazer para se organizar o tempo para a gente não ficar parado. O mesmo processo com os atores, como fazer, como preparar, como conhecer cada um e ajustar para a melhor experiência.

Rafael: Então será que nessa visão a formação acadêmica contribui ? Porque é uma formação mais humanística, e você diz que durante a história se mostra bem heterogênea.
Rodrigo:
É eu acho muito bom ter esse olhar contextualizado, de saber em que momento histórico você está, qual tipo de filme você está fazendo. Mas por exemplo: eu estudei Imagem e Som, fiz até vários anos a mais de Imagem e Som, e o Bianchi precisou me dizer muitas coisas na cara do tipo: “Você não sabe o que está fazendo de verdade” para eu poder perceber isso. Eu acho que é natural de quem está chegando, ter um pouco da arrogância, de achar que está fazendo melhor, que está superando coisas passadas, e isso é muito necessário, é um grande estímulo, você tem que fazer coisas novas. E geralmente esses movimentos artísticos querem romper com algo, serem assim diferentes. De alguma maneira tem um espírito vanguardista, a gente está em começo de século. Então tem algumas coisas que acontecem assim que é natural que tenha esse conflito de gerações. E eu acho saudável que tenha, eu acho que tem que quebrar mesmo. Eu enquanto assistente técnico contratado para fazer um filme do Sérgio acho que minha função era entender e fazer tudo isso, agora eu enquanto diretor acho que minha função é justamente, pela minha idade, de onde eu venho, da minha geração, é fazer outra coisa mesmo, é quebrar. É usar essa experiência dos processos criativos e falar: “Nossa talvez tenha uma coisa diferente ainda”. Então são meio que as duas coisas, é quase até característica pessoal de você conseguir entender uma pessoa de um jeito diferente ou tolerar algumas coisas e passar por cima de outras para construir o fazer.

Confira os outros trabalho de Rodrigo Diaz Diaz no site da produtora Filmes de Abril (www.filmesdeabril.com.br) ou no youtube (www.youtube.com/user/diazdiazzz).

*Rafael Simões, Estela Andrade , Thomas Canton  e Marcelo Félix são graduandos do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A RUA agradece o apoio da TV Educativa de São Carlos (http://tve.saocarlos.sp.gov.br), do NPD – Núcleo de Produção Digital (http://npd.saocarlos.sp.gov.br) e especialmente a Diego Doimo, Superintendente Executivo e Diretor Geral da TVE e Coordenador do NPD São Carlos, para a realização dessa entrevista.

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