FICA – 10º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental

COBERTURA DO 10º FESTIVAL INTERNACIONAL DE CINEMA E VÍDEO AMBIENTAL – FICA

Nas belezas da Serra Dourada tem festival de cinema, onde a famosa artista Goyandira Couto utiliza em suas pinturas mais de quinhentas cores de areia retiradas da própria região, sem nenhum tipo de corante. A pacata Vilaboa de Goiás é patrimônio histórico da humanidade. Três meses após conquistar o título concedido pela Unesco em 2001, uma forte chuva abalou a cidade de Goiás, alagando a casa de Cora Coralina e carregando a Cruz de Anhanguera, símbolo do município. Hoje já está tudo restaurado e a cruz foi reconstruída. Capital do estado de mesmo nome até Goiânia ser construída meio século atrás, Goiás Velho, como é conhecida no Brasil central, combina cinema, turismo, história, educação, cultura, meio ambiente e cidadania.

Casa de Cora Coralina
Casa de Cora Coralina
Vilaboa de Goiás
Vilaboa de Goiás

O FICA, que além de filmes disponibiliza 17 atividades, entre cursos e oficinas, é referência em produções audiovisuais de foco ecológico. Mas isso não basta; idealizado há muito tempo e presidido pelo jornalista Washington Novaes, o FICA é um dos festivais mais bem organizados. Contrata cooperativas de reciclagem e de artistas; é totalmente gratuito; fornece assistência total à imprensa; contrata artistas menos populares como Luiz Melodia e Cachorro Grande, dentre diversas intervenções culturais pelas ruas; estimula o cinema para fora do eixo Rio-SP; e, paliativamente, neutraliza os impactos da emissão de gases com plantio de mata nativa do cerrado.

No entanto, dada a importância dos diretores que traz, ainda precisa ser destaque na grande mídia em vista de sua relevância para o cinema e para a problemática ecológica do planeta. Nesta edição, o Festival teve como um dos pontos de discussão o Fórum “O Cerrado, o clima e o meio ambiente”, com debates sobre um dos biomas brasileiros mais ameaçados. Contou ainda com um abaixo-assinado para o cerrado ser reconhecido como bioma pela Constituição, junto à Caatinga e aos Pampas Gaúchos.

O FICA possui uma das maiores premiações da América Latina, distribuindo um total de R$ 240 mil em prêmios. Este ano, contou com a inscrição de 446 obras, das quais 238 vindas de 42 países e 208 vindas de 17 estados do Brasil. Foram selecionados 22 filmes para exibição na mostra competitiva. Ao passar dos anos, o festival se aprimorou e decidiu aproveitar melhor os concorrentes da mostra competitiva; o FICA é um dos que traz o maior número de diretores estrangeiros. A organização realizou debates à noite entre os diretores que apresentaram suas produções naquele dia. Isso propiciou não só o contato entre estes, mas a participação do público com opiniões. A premiação é dividida em sete categorias: melhor obra; longa; média; curta; série ambiental para TV, além de dois prêmios para as melhores produções goianas, que são prêmios do estado de Goiás.

Para escolher os participantes, além de critérios comuns, o impacto ambiental da obra também é avaliado. Os diretores têm de comprovar esforços para minimizar as emissões de gases, e neutralizar o que tiver emitido através do seqüestro de carbono por reflorestamento. A mostra competitiva exibe 15 horas de documentários, ficções e animações com o que de melhor se produz em cinema e vídeo ambiental.

Cacá Diegues esteve presente como homenageado da tradicional Mostra do Cinema Brasileiro, evento que acontece em paralelo ao 10º FICA. Além de todas as obras do cineasta, foi exibido O Maior Amor do Mundo (um dos únicos em que o diretor é o único autor), seu mais recente filme. Outro convidado especial do 10º FICA foi o professor João Ângelo do curso de Psicologia da UFSCar, que participa de grupos de pesquisa em Semiótica Psicanalítica. Ele esteve no festival para uma palestra sobre cinema e psicanálise, as novas formas de sofrimento e o meio ambiente.

O diretor suíço Stéphane Brasey apresentou A lenda da terra dourada, o seu documentário-denúncia sobre o trabalho escravo no Pará, onde acompanha uma inspeção do Ministério do Trabalho em uma das fazendas, na qual os técnicos decidem remover os trabalhadores dali. Mas o problema continua: depois de libertados, grande parte dos ex-escravos não consegue trabalho remunerado, não recebe seguro-desemprego e não tem como se sustentar.

O cineasta Jerôme Raynaud levou para casa o Troféu Cora Coralina para Melhor Obra do Festival, pelo seu tocante Jaglavak – O Príncipe dos Insetos. O diretor mostra como vivem os habitantes de uma pequena aldeia localizada nas montanhas ao norte da República dos Camarões. Apegados a tradições seculares, vivem em harmonia com seu meio, em especial com os insetos. No entanto, uma praga de cupins ameaça destruir as rústicas construções do vilarejo. O líder dos Mofu se vê obrigado a pedir ajuda a Jaglavak, uma espécie de formiga guerreira, muito agressiva e perigosa, para defender a aldeia do ataque das nuvens de cupins.

Jaglavak - O Príncipe dos insetos
Jaglavak - O Príncipe dos insetos

Lições Tardias para Avisos Antecipados, do dinamarquês Jakob Gottschau sobre o uso indiscriminado de antibióticos, foi duplamente agraciado. Além de ser reconhecido como a Melhor Série Ambiental de TV, recebeu também o Troféu Júri Popular Luiz Gonzaga Soares, como melhor obra.

Os dois prêmios especiais para a melhor produção goiana foram entregues a Luiz Eduardo Jorge, por Subpapéis, cotidiano dos catadores de papel, pessoas que tiram sua sobrevivência daquilo que uma sociedade cada vez mais consumista joga fora; e a Adriana Rodrigues, que trata de uma tradição antiga em Benzeduras, sobre pessoas de uma comunidade que crêem ter o dom de curar ou amenizar males do corpo e do espírito, numa mistura de sabedoria popular e crenças diversas, em oposição à medicina convencional. Elementos da natureza são invocados ou utilizados nos rituais, como folhas, o fogo e a chuva.

O Prêmio Especial do Júri coube ao filme Veludo Vermelho, dirigido pelo francês Klaus Reisinger. Foi premiado ainda Zona de Diluição Inicial, do também francês Antoine Boutet, como o Melhor Curta-metragem. A premiação também revelou os vencedores da simultânea VI Mostra ABD Cine Goiás, concedido pela Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-Metragistas. O destaque da Mostra foi o documentário O Pesadelo é Azul, de Ângelo Lima. Além de levar o Troféu de Melhor Filme pelo Júri Popular, Lima acumulou os prêmios de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Montagem e Edição.

O Pesadelo é Azul, de Angelo Lima

Outro destaque da mostra Vencedores do FICA é a co-produção Brasil/Inglaterra Batida na Floresta, de Adrian Cowell e Vicente Rios. Em clima de reportagem, os documentaristas viajam pela Amazônia seguindo um fiscal do Ibama que é ameaçado por madeireiros clandestinos. A obstinação do agente em fazer cumprir a lei se contrapõe aos interesses dos empresários e políticos da região, que o ameaçam de morte, mas também atinge os milhares de trabalhadores que não têm outra fonte de renda.

O petróleo gera riqueza para poucos e prejuízos para todos: eis a tese do documentário Delta, O Jogo Sujo do Petróleo. Trata-se de um filme grego sobre a ação da companhia petrolífera Shell na região do Delta do Rio Niger, na África, que prejudica a comunidade e o ambiente da qual dependem para subsistência.

O FICA é um encontro de dissidentes, com propostas revolucionárias em tempos que exigem mudança radical de paradigmas. Articula propostas de políticas públicas audiovisuais e ambientais, incentiva participação popular, leva o cinema pra públicos excluídos, possibilita maior contato entre os cineastas, jornalistas e profissionais da temática ambiental. A organização tem ainda postura exclusivista quanto à divulgação dos filmes: das 446 obras inscritas, somente as 22 selecionadas estarão disponíveis para consulta ao público no Museu de Imagem e Som de Goiânia, e somente os 10 vencedores fazem parte da Mostra Itinerante que percorre o Brasil.

Realizado desde 1999 com objetivos ambiciosos, como valorizar o cinema, discutir amplamente a questão ambiental, conquistar o título de Patrimônio da Humanidade para a Cidade de Goiás, movimentar o setor cultural, gerar riquezas (como cultura e informação), empregos e fomentar o turismo, o evento ajuda muito a cidade, o estado, o país e o mundo. Apesar de muitas conquistas, mesmo depois de uma década ainda não conseguiu se consolidar por interesses políticos contrários e boicote ao tema de crise ambiental.

Diego Barbosa é graduando em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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    Geraldo Dutra

    Olá, sou Caparaoense nascido em Alegre-ES. Aqui dias 23 a 26/09 estaremos realizando a VI Mostra de Vídeos Ambientais da Região do Caparaó – A MoVA Caparaó -,inclusive teremos o ” O pesadelo é Azul”, do Angelo Lima, entre outros trabalhos de porte nacional e uma mostra competitiva Caparaoense, produzida por alunos da rede pública e privada de ensino.
    Aproveito para convidar a tod@s. Será uma honra ter vcs aqui na Serra do Caparaó. Visitem http://www.secult.es.gov.br ou http://www.alegre.es.gov.br (a esquerda da tela).
    Abç, Geraldo

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