John Williams e Spielberg: como a música e o cinema

Cada vez mais sinto que poderia, sem problema algum, apostar algo como minha vaga na Universidade numa coisa: se eu pedisse a uma pessoa para que entoasse para mim (ou pelo menos arriscasse um breve solfejo), quais seriam, para ela, as dez maiores trilhas sonoras de toda a história do cinema, pelo menos cinco delas seriam desse homem: John Williams. Façam um teste, se duvidarem. Tentem recordar agora, mesmo que mentalmente, os temas de Indiana Jones, Star Wars e Superman*, só para citar alguns conhecidos. Muito improvável que tenham tido grandes problemas. Ainda aos que tiveram alguma dificuldade em se lembrar, proponho agora um outro teste: procurem ouvir as músicas desse compositor e se surpreendam. A maioria delas é hoje de conhecimento geral, por mérito delas próprias e em boa parte também, devido aos blockbusters nos quais se encontram. São, estas, melodias que estão gravadas em nossa memória e com certeza não sairão daí tão facilmente. E não é à toa. Não apenas nos grandes sucessos de bilheteria nos quais se encontram, são, hoje, as músicas que aparecem mais freqüentemente em programas da televisão brasileira: “Jaws em reportagens que tratam de tubarão, Dracula em notícias de suspense, Jurassic Park sempre que surge um dinossauro, Earthquake em notícias de terremoto, CETK (Contatos Imediatos de Terceiro Grau) e E.T. quando tratam de extra-terrestres e The Time Tunnel em nostálgicos retornos ao passado” (Marcos Queiroz). Tamanha a identificação com os filmes dos quais fazem parte, dão-se hoje quase como símbolos sonoros destas películas e, mais do que isso, dos personagens nela inseridos.

John Towner Williams nasceu em Long Island, Nova Iorque no dia 8 de fevereiro de 1932 e rapidamente, em meados da década de 50, aos 18 anos, já se destacava como um grande talento promissor na Julliard School of Music – um dos principais conservatórios de dança, música e dramaturgia do mundo – exibindo já então em seu curriculum um primeiro concerto para piano. Ainda na metade desse decênio, migrou para a Califórnia e foi buscando conquistar espaço na vertente cinematográfica e, após alguns ofícios como pianista, trabalhando para mestres como Alfred Newman (Heaven Can Wait, 1943) e Bernard Herrmann (Citizen Kane, 1941) conseguiu chegar à orquestração magna de trilhas sonoras de alguns filmes em sua totalidade. Em constante ascendência, atingiu o auge de sua carreira durante o decorrer da década de 70, período no qual teve início um vínculo, uma espécie de “contrato”, com ninguém menos que Steven Spielberg, diretor com o qual trabalhou em sucessos arrebatadores – de bilheteria – como Jaws (Tubarão, 1975) e Close Encounters of the Third Kind (Contatos Imediatos de Terceiro Grau, 1977). Essa carreira, da maneira pela qual se deu, é algo que não pode ser contestada – mesmo que a contragosto de milhares de cinéfilos ao redor do mundo – pelo menos quanto a números (num primeiro momento): é ainda hoje o compositor para filmes mais premiado de todos os tempos (vivo, é o maior, ficando atrás apenas de Walt Disney), tendo sido indicado a nada menos que 45 estatuetas do Oscar®, das quais levou para casa cinco; além disso, carrega consigo ainda 16 Grammys®, três Globos de Ouro® e quatro British Academies®.

Porém, para mim isso tudo são números e história; têm seu valor, é claro, mas estão longe de ser tudo. Eu, como tocador de piano nas horas vagas (não chegando a me considerar um músico propriamente dito) e como apreciador de toda e qualquer boa música, consigo ver em seus trabalhos algo além disso: o importante não é apenas tudo isso o que ele conquistou, mas sim os motivos pelos quais chegou a essa façanha magistral. Com certeza não é preciso que se diga aqui que não se tratou de mera coincidência o fato de cineastas renomados como Steven Spielberg e George Lucas não hesitarem em associar seus trabalhos a um compositor como John. Numa esfera cinematográfica comercial como a holywoodiana o é, nada se dá por acaso. Assim dito, pretendo aqui vasculhar não apenas uma dessas razões que atraíram nomes como esses para seu trabalho, mas quantas eu for capaz. Procurá-las-ei até acabarem as músicas do próprio [John Williams] que estou a ouvir em meu computador, como inspiração; agora como um desafio, talvez.

Saudosista – e talvez visionário -, John Williams fez questão de explorar muito de sua bagagem erudita durante a composição de suas obras – inclusive as mais famosas – como exímio pianista clássico que era. Na realidade, pareceu não fazer questão alguma de acompanhar a “evolução” a que a trilha sonora como conceito vinha sendo submetida desde que o “silencioso” deixara de existir naquela área, com a introdução do som na produção cinematográfica. Ao contrário, fez por subvertê-la. Não que John errasse ou não soubesse o que estava fazendo; muito pelo contrário. Numa época (meados de década de 70) em que a música pop vinha com força avassaladora para dominar a presença física nas produções cinematográficas (sendo mais lucrativas para os estúdios), extravagando-se em superproduções musicais como Hair e Jesus Christ Superstar, o que o compositor fez foi retomar aspectos gerais que permeavam as trilhas e os filmes no final da década 40, o que Filipe Salles* caracteriza como uma espécie de “domínio da trilha em função do gênero” no qual “os filmes noir, os suspenses e os romances são ambientados musicalmente de formas mais sutis”. Para o cineasta e músico, “algumas trilhas encaixam tão bem no espírito de um filme que o diretor ‘adota’ o compositor oficialmente em todas as suas produções”. Assim sendo – guardando-se as devidas proporções e, aqui, longe de aplicar juízo de valor qualitativo -, podemos aproximar à parceria Williams/Spielberg “o caso de Nino Rota com Fellini, Herrmann com Hitchcock, e, mais recentemente, Michael Nyman com Peter Greenaway”.*** Mas é interessante ressaltar que a parceria entre os dois (Spielberg e John) é até hoje a maior que a história cinematográfica já vivenciou.

O que é mister que se saiba é que as músicas de um e os filmes de outro combinavam. Mais do que isso, pareciam se completar, ou para evitar o sentido de incompletude de ambas as partes que fica nessa frase, pareciam engrandecer-se de tal maneira conjunta no qual uma exacerbasse as qualidades da outra a ponto de se tornarem indissociáveis. Dessa maneira, ao longo do tempo, John Williams conseguiu depositar toda sua característica criativa e a bagagem acadêmica na crescente seqüência fílmica de Spielberg (além de outros cineastas) e de forma assintosa, linkar suas melodias às respectivas obras, com muitos temas simples e até um pouco repetitivos, mas ainda assim geniais (talvez exatamente por serem simples e repetitivas). É praticamente impossível imaginar uma cena na qual o tubarão assassino de Jaws dá as caras sem lembrarmo-nos da assustadora e premonitória música em duas notas que antecedia sua aparição; mais difícil ainda é tentar vislumbrar o vôo do super-homem sem a companhia da famosa melodia que parecia sustentá-lo no ar; podemos também tentar, em vão, desconectar a presença de Darth Vader de sua entrada triunfal com a contundente “Marcha Imperial”. Dessa forma, John Williams, mais que somente uma referência aos filmes, fazia com que o escutar do tema principal de suas músicas evocasse o personagem ao qual se remetia, numa relação intrínseca de referência por associação instantânea. Essa relação, por sua vez, se dava beneficamente para ambos, diretor e compositor: uma música forte e de fácil assimilação garantiria a imagem do personagem reavivada em nossas memórias por extensa e talvez eterna faixa temporal; por sua vez, um personagem forte, como os de Spielberg o eram, garantiriam que aquelas melodias nunca perdessem seu valor, seja referencial como trilha, seja individual como música.

Entretanto, é bom que se frise que a adequação das músicas de Williams não se dava apenas em relação ao conteúdo dos filmes desses diretores – seja enredo, sejam personagens. Mais que isso, adequavam-se às suas propostas como cineastas. Uma vez que tanto Steven Spielberg quanto George Lucas sempre estiveram ligados ao cinema comercial, ao cinema de entretenimento, temos na música de John Williams o máximo de erudição aceitável por todo e qualquer espectador. Suas composições, apesar de estritamente clássicas, nunca deixaram de procurar serem agradáveis aos ouvidos de qualquer pessoa que as escutasse. Dessa forma, com melodias bonitas e bem trabalhadas, sua música era tanto apreciada por espectadores menos exigentes como valorizadas por aqueles acostumados a uma harmonia mais academicista. Fortes e emotivas, conseguiam prender atenções, exaltar sentimentos, privilegiar cenas primordiais, caracterizar personagens e situações. Era praticamente um mundo sonoro paralelo ao filme – que carregava talvez a mesma carga de valor que o universo imagético – mas que caminhava juntamente com esse, não o combatendo, mas reiterando-o constantemente.

Atualmente, com 76 anos, continua exaustivamente ativo, tendo trabalhado em nada menos que 15 superproduções desde o ano 2000, sendo sete delas ao lado do sempre fiel Steven Spielberg. Se hoje ao ouvirmos suas composições as consideramos um pouco repetitivas, isso já não tem mais importância; John Williams já obteve seu êxito maior ao longo das décadas passadas. Num reino de eletrônicas e rock´n roll, conseguiu aplicar no cinema, de forma sábia e eficaz, o que ele próprio entendia por música. Garantiu uma parceria de sucesso e engendrou-se de vez no universo cinematográfico. Seu último trabalho foi Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal, mas alguns projetos como Jurassic Park IV e Harry Potter and the Half-blood Prince já estão engatilhados. Resta a nós, então, esperar para ouvirmos temas parecidos aos que estamos acostumados, porém com a energia absurda de quem sabe, cada vez mais, o que está fazendo.

*A filmografia completa do compositor pode ser encontrada em www.imdb.com/name/nm0002354/

**Filipe Salles é fotógrafo, cineasta e músico; é professor de fotografia na FAAP e mestre em Comunicação e Semiótica na PUC/SP.

***Pode-se creditar essa retomada da música clássica na trilha sonora a Stanley Kubrick, que utilizou em sua obra 2001, A Space Odissey temas de Richard Strauss a Gyorgy Ligeti.

Luiz Gustavo Belezoni Palma é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)


Tributo a Spielberg e Lucas

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

Este post tem um comentário

  1. Author Image
    Alfredo Werney

    parabéns Fellipe! John Willians já está realmente no imaginário popular – melodias simples e contundentes. Gosto muito do seu mestrado sobre “Fantasia”, uma grande contribuição para o audiovisual…um grande braço!

Deixe uma resposta