I Festival de Paulínia

– Onde fica o estacionamento pra imprensa?

– Humm… hoje não tem estacionamento pra imprensa. Mas se quiser pode parar aí, ó! (apontando pra sarjeta próxima ao monumental teatro).

Dois graduandos, um cientista social e o outro um futuro bacharel em Imagem e Som (dois jovens que podem se considerar tudo, exceto jornalistas), rumam a Paulínia visando a cobertura do I Festival de Cinema a ser realizado nesta cidade. Perante o “Theatro” (assim assinalado na estrutura do prédio) municipal recém inaugurado, de uma magnitude exuberante e de uma dicotomia com o ambiente ainda mais gritante (em função da presença desta obra gigantesca em pleno canavial, projeto que custou R$ 53 milhões e que adota o padrão do Kodak Theatre em Los Angeles), estávamos nós, deslumbrados e intimidados com tamanho monumento. A gente “pagando” de jornalista e incorporando o personagem, e o mancebo que cuida dos carros fazendo pose e fingindo que algum dia já houve vagas para imprensa. Enfim, uma grande brincadeira saudável de papéis.

Havia um sentimento de que algo estava fora do lugar, ao menos para nós. Paulínia tem atualmente cerca de 80 mil habitantes, no entanto, já é considerada a quarta maior investidora em cinema no país. Como uma cidade, cujo desenvolvimento cultural ainda é embrionário se comparado a sua vizinha Campinas (que não oferece também muitas oportunidades de entretenimento, se pensada sua extensão), comporta do dia para a noite tamanho evento tal qual é o I Festival de Paulínia de Cinema (cuja soma total em prêmios destinados às 40 categorias apresentadas chega a R$ 650 mil)? E qual o pensamento e o respectivo desenvolvimento cultural na população local e regional, assim como o impacto desta nova empreitada cinematográfica abraçada pelo município (que deve custear à prefeitura, de acordo com a secretária de Cultura de Paulínia, Tatiana Quintella, R$ 100 milhões no desenvolvimento da indústria cultural, com ênfase no cinema, nos próximos anos)?

Um monumento em meio a um mar de cana

Visando obter tais respostas, entrevistamos pessoalmente o crítico de cinema, consultor e diretor do projeto Paulínia Magia do Cinema, Rubens Ewald Filho. Super despojado, de camiseta pólo rosa, calça jeans e blusa de moletom amarrada na cintura avantajada. Rubens vestido de Rubens, e nós pagando de chique, de terninho e gravata vinho. Mais uma vez a opressão cai sobre nós. Antes pela magnitude e solidão do gigante teatro no meio do deserto de cana, e nós, tão pequeninos (quando fomos buscar o crachá de imprensa antes do festival, no meio da semana anterior ao lançamento deste), e agora pela nossa vestimenta de gala, nada convencional para a situação (todo mundo à vontade com tênis e camiseta da C&A). Nós nos apresentamos ao prestativo Rubens com algumas perguntas de linguajar rebuscado e natureza pseudo-crítica (no entanto, o mesmo portou-se de forma extremamente simpática e informal com os inexperientes pretensos jornalistas), dentre elas as seguintes: Como é trazer um projeto cultural para uma cidade/região sem cultura (entenda-se sem uma vivência cultural associada a uma falta de estrutura física); e qual a relação da estrutura criada com o desenvolvimento do cinema nacional?

Vamos às anotações da entrevista:

Segundo Rubens há, sim, uma cultura desenvolvida recentemente em Paulínia, ainda que incipiente. Fator que constata esta afirmação é produção de sete longas filmados na cidade nos últimos anos, dentre eles Ensaio Sobre a Cegueira de Fernando Meirelles. Ambiciona-se a criação de uma infra-estrutura apta a abraçar um mercado crescente no município, o do entretenimento e da cultura. Tais idéias estariam associadas, segundo Rubens, à postura visionária do atual prefeito Edson Moura (não entraremos no mérito político do projeto aqui discutido, ainda que cientes dos inúmeros processos referentes ao gestor que envolvem abuso de poder, improbidade administrativa, fraude em licitações e superfaturamento em desapropriações e licitações), cujo anseio seria abrigar na cidade um crescente pólo realizador e divulgador do cinema nacional.  No entanto, a idéia de um projeto levantado por uma personalidade política, o prefeito, e seus seguidores aponta para um temor, em vista do personalismo do projeto, apresentado por Rubens: a incerteza quanto à continuidade do investimento em cinema e entretenimento nas futuras gestões do município. Tanto é verídica esta preocupação – recorrente aos profissionais participantes – que um manifesto vem sendo desenvolvido por jornalistas exigindo a manutenção do projeto em um próximo mandato, independente do candidato eleito.

Mas voltando ao ponto referente à cultura, intrínseca ao Paulínia Magia do Cinema, nos valemos da advertência dada pelo próprio Rubens: trata-se de “um negócio”, um investimento que movimenta muito dinheiro. O coordenador do projeto chegou a nos apontar o exemplo dos Estados Unidos, onde a indústria do entretenimento é a segunda maior, atrás apenas da bélica. O interesse inicialmente é financeiro, cultura é conseqüência. No entanto, para se consolidar este investimento é necessária a criação de uma estrutura física apta a abrigar um grande número de turistas e profissionais vinculados ao projeto cinematográfico do município (e aos eventos patrocinados por este). Um dado interessante é que para este I Festival de Paulínia muitos artistas ficaram hospedados em hotéis em Campinas. Mesmo o comércio, em seus mais diversos segmentos tais como o de alimentação, necessita de uma maior capacidade física para absorção do projeto que está em andamento. Outra iniciativa interessante é a implementação de cursos técnicos lecionados por profissionais da FGV e do SENAC (realizados em parceria com a prefeitura, resultando num custo simbólico aos moradores da cidade que desejarem se inscrever) visando a formação de mão-de-obra especializada em segmentos do audiovisual na cidade. Mais uma iniciativa do projeto é a parceria com a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e com o curso de Midialogia desta (esta união é dada através de diversos mecanismos, um deles pode ser evidenciado pela composição do júri de curta-metragem do I Festival de Paulínia de Cinema, em que boa parte foi composta por professores da graduação em Midialogia). Quando perguntamos a Rubens quanto a uma possível parceria do bacharelado em Imagem e Som – e das oportunidades de profissionais graduados no curso – no projeto cinematográfico de Paulínia, ele informou que “as possibilidades existem”, “as portas estão abertas”, trata-se de “meter a cara” (Rubens bazofiou com o futuro cientista político alertando-o que para ele não há oportunidades: “Você não, que é desse negócio de sociais, não vai ser nada”, já para o futuro bacharel em Imagem e Som: “Você deve se meter!” , úi).

Boca livre patrão para convidados e imprensa


Ao terminar nossa entrevista com Rubens Ewald, tivemos a informação dele de que o I Festival de Paulínia atendeu a suas expectativas de público, que o projeto tem todo o apoio político para a concretização dos investimentos necessários em estrutura física e formação de mão-de-obra, e que o único grande receio pauta-se pela incerteza da continuidade da obra em uma futura gestão, como já havíamos informado previamente.

Invariavelmente, acabamos por abordar em nossa cobertura não estritamente o I Festival de Cinema a ser realizado na cidade (muito em função da necessidade de compreensão de nossa parte da sensação causada em nós diante da magnitude e dicotomia de um recente pólo cinematográfico fixado em um município interiorano, de 80 mil habitantes, mas com uma proposta grandiosa ao ponto de alavancar este como o quarto maior investidor em cinema no Brasil), mas sim todo o contexto em que este evento embrionário se insere. O exercício da escrita desta cobertura nos facilita um pouco a assimilação, à primeira vista, de uma série de obras, em destaque o teatro municipal, na imensidão de pleno canavial.

No entanto, é digno de nota pontuarmos alguns destaques do evento como:

– A premiação de Selton Mello para melhor diretor com seu filme de estréia Feliz Natal.

– A avalanche de prêmios levados pelo filme de Mojica: Encarnação do Demônio, o grande vencedor do festival (no total, 7 premiações).

– A presença da célebre Dercy Gonçalves.

– O queixo avantajado de Zé de Abreu.

– A bolsa do festival destinada à imprensa, recheada de souvenires, incluindo uma caneta que acende a ponta e um porta-retratos em formato de claquete (ambos muito bacanas).

– Além, obviamente, da camisa pólo rosa e do moletom amarrado na cintura do simpaticíssimo Rubens Ewald Filho.

Maiores Informações quanto ao I Festival de Paulínia:

http://epipoca.uol.com.br/premiacoes.php?idp=8&Bano=2008

Maiores Informações quanto ao Projeto Paulínia Magia do Cinema:

http://www.pauliniamagiadocinema.com.br/

Renan Villela é licenciado em Ciência Sociais e bacharel em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Pedro Marcondes é bacharelando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image

    Acho que o investimento em arte e cultura são muito bem vindos. A arte e cultura influenciam positiva e/ou negativamente as atitudes das pessoas. Nossa televisão brasileira, ultimamente, está formando leigos em nosso país, com seus programas inúteis e desprovidos de conhecimento e cultura.
    Certamente o teatro municipal foi um bom investimento. Mas acredito que o atual prefeito deveria focar seu mandato em educação, construção de uma faculdade pública ( existiu a FUPESP até 2006 ) e mudar um pouco dessa “era” Edson Moura. No momento, tudo que os brasileiros precisam é de educação, para construir o futuro desse país e formar uma massa de intelectuais. Com certeza, é o melhor investimento a fazer.

    Meu nome é Danilo Vinicius de Jesus
    Estudante de Zootecnia pela UNESP, Campus de Ilha Solteira.
    Natural de Paulinia-SP

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