MOSCA 4 – Mostra Audiovisual de Cambuquira

MOSCA, e a idéia de cinema ainda está viva

Malas no carro, agasalhos, bastante café e água no rosto; estávamos quase virados da balada. Foi assim que eu mais o amigo Rafael Rolim saímos da SUA (Semana Universitária de Audiovisual) em Campinas e fomos para o sul de Minas onde estava acontecendo a quarta edição da Mosca (Mostra de Cambuquira).

No caminho entre uma parada e outra fomos degustando as delícias mineiras e as frutas da estação nas inúmeras barraquinhas de comida que ficam na beira da estrada. Nós, paulistanos, acostumados com nossas estradas sem graça onde a variedade de barraquinhas foi substituídas pelas mega-lojas de conveniência onde, por uma coxinha, chega a se pagar R$ 5,00.

Abro parênteses, antes que os críticos me condenem, para falar sobre minha relação de amor e ódio com as estradas de São Paulo. Realmente tenho orgulho da qualidade das estradas, porém não sei até quando terei dinheiro para continuar andando nelas.

Dos dias 9 a 13 de julho, período que aconteceu a mostra, num antigo cassino abandonado onde hoje é um centro cultural, estive em contato com outra maneira de se pensar uma mostra ou um festival de cinema.

Ao contrário de muitos festivais que acontecem em cidades pequenas, as quais durante o período do festival são tomadas por críticos, realizadores e ratos de festival, a MOSCA tem como característica um público formado, em sua maioria, por habitantes da cidade.

Essa singularidade traz a reflexão sobre esse papel adquirido pela MOSCA, o de formador de público interessado em ver, discutir e realizar cinema.

Nesse aspecto, após quatro anos de mostra os cambuquirenses freqüentadores adquiriram um interessante diferencial.  No período que fiquei na cidade, confesso que em clima de férias fui surpreendido por pessoas que têm em sua formação de cinema um forte braço no curta-metragem nacional. Pessoas com uma base concreta no formato curta e que estão abertas a discutir e criticar o que está sendo passado. Mas, mais do que isso, pessoas abertas e curiosas para aprender mais sobre a arte do cinema.

Devo abrir outro parêntese aqui para contar uma das coisas mais legais que aconteceu na mostra. Após uma sessão que havia finalizado com um curta que não havia me agradado, passo por uma roda de meninos com seus 12 anos. No espaço entre uma sessão e outra e sem uma companhia para tomar uma cachaça e jogar conversa fora, parei para escutar o que os garotos estavam conversando. Um deles, discutindo com o amigo sobre o filme que eu não havia gostado disse: “O problema é que seu conceito de obra audiovisual está limitado, você tem que pensar naquele filme mais como um espetáculo de dança e não como uma narrativa linear”. Tomei uma rasteira de um grupo de meninos de 12 anos; fizeram-me gostar mais do filme, mas principalmente do papel que a mostra tem exercido na cidade.

Após todas as sessões da MOSCA o espaço era aberto para discussão. Um debate era criado juntando os realizadores dos filmes e o público presente. Gerando um espaço para trabalhar as idéias e sensações obtidas durante a sessão.

Além da mostra competitiva, a MOSCA contava com uma sessão infantil todas as tardes, onde os debates pós-sessão eram substituídos por uma sessão de desenhos que reunia realizadores, as crianças e quem mais quisesse participar.

Havia também, pelas manhãs, oficinas onde conceitos gerais cinematográficos e de atuação eram passados.

Para consagrar a atuação da mostra na cidade, esse ano o grande vencedor através do júri popular foi um curta de ficção experimental realizado por jovens da cidade. Homeostase, curta que conta a jornada de um jovem em busca do sentido da vida, abocanhou também o prêmio de melhor curta experimental.

Além do Homeostase, tivemos também como premiados: Boca no Lixo (melhor documentário), Rua das Tulipas (melhor animação), Engano (melhor ficção), A doce turminha e o bom samaritano (melhor infantil) e Ecos da Terra (menção honrosa).

Aliás, o vídeo “Boca no Lixo” provocou um dos melhores debates pós-sessão. O documentário aborda o dia a dia de varredores e de coletores de lixo (popularmente chamados de lixeiros). Através de entrevistas eles foram convidados a falar sobre esse subproduto que descartamos todos os dias e que tiram do nosso campo de visão, dando opiniões pessoais sobre a problemática do lixo, e também falando sobre seu dia a dia, de como são vistos e tratados e também sobre como armazenar o lixo para que não venha a causar acidentes.

Através de uma câmera na mão que, por estar seguindo a correria dos coletores, ganha uma liberdade estética, onde o caos de imagens sem referencial culmina em belos planos de composição.

Pós-sessão, a questão do lixo foi colocada em debate. Saindo do debate puro e simples sobre o curta, foi discutido o papel dos coletores de lixo e dos catadores de material reciclável, colocando em questão as medidas que o Estado tem tomado para valorizar cada um desses trabalhadores. Foram também discutidas medidas para se diminuir o desperdício dentro de casa e não só medidas para se reaproveitar o lixo já descartado.

Mas a grande injustiça do festival foi não ter lembrado o que, na minha opinião, foi o melhor filme: o documentário Vida de balcão sobre armazéns e pequenos comércios em Curitiba. Através de um olhar, a primeira vista, pouco intervencionista nas ações dos estabelecimentos visitados, o curta consegue uma incrível aproximação com os freqüentadores dos estabelecimentos, colocando em choque estes pequenos lugares onde a vida pulsa, através de amizades, cantorias e conversas, com os mega e frios supermercados, aqueles que, de ver um, já se conhece todos. É nesse ponto que o curta joga, nas particularidades de cada local e das pessoas que lá freqüentam. Com uma grande sensibilidade o curta consegue entrar nesses pequenos universos sem que pareça um corpo estranho.

A semana passou rápido, e no domingo após a apresentação do grupo de congada da cidade a mostra teve seu fim. Abraços e sentimentos de saudade chegam enquanto os carros se vão. Mas com eles também a certeza de uma volta, para continuar acompanhando esse interessante festival e aproveitar as belezas dessa pequena cidade paradisíaca escondida no sul de Minas.

Gabriel Silva Mendeleh é graduando em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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