Mesa de Debates do Lançamento da RUA

(Veja o vídeo do debate aqui, na íntegra, feito pela TVCECH)

Na noite do dia 10 de junho ocorreu, no auditório do Centro de Educação e Ciências Humanas da UFSCar, uma mesa de debates no lançamento da Revista Universitária do Audiovisual. Para discutir revistas de audiovisual e diversas temáticas ligadas a este assunto, contou-se com a presença de três membros representativos da nova geração da crítica contemporânea: Lila Foster (redatora das revistas Cinética [http://www.revistacinetica.com.br] e Paisà [http://www.revistapaisa.com.br] ), Sérgio Alpendre (editor da revista Paisá e redator da revista Contracampo [http://www.contracampo.com.br] ) e César Zamberlan (editor da Cinequanon [http://www.cinequanon.art.br] e redator da revista Paisá). A mesa foi mediada pela professora Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo, do Departamento de Artes e Comunicação da UFSCar, núcleo no qual se insere a RUA.

Da esquerda para a direita: Luciana Araújo, Lila Foster, Sérgio Alpendre e César Zamberlan

O debate foi praticamente um bate-papo informal dos debatedores entre si e com o público, os convidados falaram sobre suas vivências e opiniões acerca de: cinefilia, o papel da Internet na crítica contemporânea, a nova crítica em relação à imprensa dominante, profissionalização das revistas online, a movimentação dos críticos dentro da amplitude do audiovisual, a importância da Contracampo no novo cenário da crítica cinematográfica, a preservação da produção crítica, o papel da universidade perante a crítica, dentre outras questões.

Em virtude da longa duração do debate, transcrevemos a seguir apenas alguns trechos em que os convidados discorrem sobre suas trajetórias, cinefilia, a passagem para a crítica e a Internet como meio que hospeda a crítica cinematográfica, bem como suas vantagens e desvantagens.

Em breve, o debate poderá ser assistido na íntegra no site da TV CECH [http://www.tvcech.ufscar.br].

Trajetórias e Cinefilia

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
Queria que vocês falassem um pouco da trajetória de cada um de vocês, como vocês chegaram a essa atividade crítica. E também, no caso do Sérgio e do César, que vocês falassem um pouco dessa iniciativa de criar uma revista, no caso online da Cinequanon e a Paisà impressa.

Lila Foster:
Eu vou iniciar com como a minha historia começou, mas antes vou contextualizar, eu sou de uma geração que viveu muito intensamente a leitura da Contracampo e um universo da crítica eletrônica já razoavelmente configurado, sou um pouco mais nova que o César e o Sérgio. Primeiro, buscarei pensar a cinefilia, a crítica e a importância das revistas eletrônicas, tendo como ponto de partida a minha experiência. Eu sou de Brasília, fiz cinema durante dois anos na UnB. Decepcionada com o curso e com a cidade, comecei a fazer filosofia na USP… É importante essa diferença, porque vindo pra São Paulo eu percebi que a vivência para o cinema era uma vivência completamente diferente… Entendi o que era cinefilia e vivi a cinefilia em São Paulo. A cinefilia não quer dizer somente o amor ou a paixão pelo cinema, inclui um contexto, uma ambientação, e eu tive muita sorte no momento em que eu cheguei a São Paulo, nesse momento de pré-escrita.

Nesse percurso, eu teria que ressaltar algumas coisas desse ambiente, que foram muito importantes, e que são muito importantes pra quem começa a escrever: como pensar essa vivencia em São Paulo, pensar a vivência na Universidade, e a reflexão de certos filmes, que causaram muita movimentação, Cidade de Deus e Cronicamente Inviável, essa movimentação causa uma necessidade de expressão e muito mais. Pensando muito na Universidade e na importância desse papel formativo, na USP tivemos respostas muito rápidas ao Cronicamente Inviável, um debate muito marcante para mim foi um debate com o Sergio Bianchi, a Paula Arantes, o Ismail Xavier e Roberto Schwartz, que foi uma grande celeuma, causou furor… E o debate sobre Cidade de Deus, que foi uma resposta muito rápida, uma coisa que aconteceu não só na universidade, mas teve toda uma reverberação nos meios de comunicação, e eu me lembro muito marcadamente dos textos que eu li na Contracampo sobre esses filmes, texto do Filipe Bragança, entrevista com Fernando Meirelles… Outra coisa da Universidade que me foi muito importante também foi o CINUSP [www.usp.br/cinusp], que tem um correlato aqui no CineUFSCar [www.cinema.ufscar.br/]. O CINUSP foi fundamental. Se você pensar a Universidade, pensar o cinema dentro da Universidade, pra um ambiente de cinefilia e pra um ambiente de escrita, essas coisas são indissociáveis. O CINUSP foi muito importante pelas mostras organizadas, eu poderia lembrar de várias… Foram inúmeras mostras muito importantes para uma série de questões com relação ao cinema, a vontade de escrever principalmente. Uma outra coisa muito importante para mim, é a vivência na Cinemateca. E além das mostras, os catálogos organizados, como o catálogo “Anos 90 e 9 questões”. Todo esse contexto foi permeado por uma leitura muito forte da Contracampo, que acompanhava as mostras com dossiês bastante completos, e por discussões em um grupo da Internet denominado Infancinéfilos. Com tudo isso, começou meu desejo de alimentar minha cinefilia, com a escrita e o desejo de publicação.

Comecei com um texto sobre O Signo do Caos na Infancinéfilos e passei a conhecer as pessoas desse grupo de discussões online nas Mostras, sendo a primeira o Sérgio. Portanto, este é um debates entre pessoas bastante camaradas… Conhecendo as pessoas e reagindo à efervescência desse contexto, lancei um outro texto sobre a mostra “Cinema Brasileiro: A Vergonha de Uma Nação”, e posteriormente fui chamada para escrever na Cineimperfeito, revista que era editada pelo Francis Vogner dos Reis e era com poucas pessoas, talvez por isso não tenha tido fôlego para se manter… Na Cineimperfeito comecei a escrever mais, perdendo o medo, e com a dissolução da Cineimperfeito em 2006, fui chamada a escrever na revista Cinética, revista na qual contribuo mais regularmente.

Sérgio Alpendre:
Eu sou um maluco que adora gastar dinheiro. E eu não tenho dinheiro pra gastar. Abri uma loja de LPs e CDs, primeira loucura, e, logo em seguida, fundei uma revista impressa, com dinheiro do meu bolso, dinheiro emprestado, isso é uma loucura, vocês já vão me conhecendo por aí… Mas, vamos voltar ao começo da minha cinefilia, quando eu entrei na faculdade, em 1989, e lá eu conheci a turma de cinéfilos, aquela turma do fundão, que não estava muito afim de aula, gostava de sair mais cedo da aula pra pegar a estréia da sexta-feira no cinema. Eu me aproximei dessa turma e comecei a ser cinéfilo assim. Mas, na verdade eu tenho dois marcos zero: eu costumo dizer que com O Anjo Exterminador do Buñuel eu virei cinéfilo, porque aquilo deu um nó na minha cabeça em 1990, e costumo dizer também que a primeira vez que fui ao cinema sozinho me tornou cinéfilo, porque cinefilia é uma atividade meio isolada, é uma coisa meio doentia, tem um pouco de doentio, então se você pode pensar em ir ao cinema com alguma pessoa, como quase todo mundo pensa, mas não, eu falava assim: “eu quero ver esse filme, e ninguém quer ver”, então eu ia ao cinema no meio da tarde ver o filme. O primeiro filme que eu vi sozinho eu me lembro até hoje, era um do Frank Oz, com a Goldie Hawn, não me lembro agora do nome do filme, mas foi o primeiro filme que eu vi sozinho no cinema, então eu dato mais ou menos daí esse começo da cinefilia.

Eu passei praticamente os anos 90 só acumulando informação, lendo revistas, fiz francês para poder ler a Cahier… Passei os anos 90 acumulando… Na época não havia blog, senão eu teria montado um blog, todo mundo teria me xingado e eu nunca teria virado crítico… Então, eu passei um bom tempo acumulando informação até ser convidado em 2000 para ser redator da Contracampo, foi um período longo em uma cinefilia até isolada, era até complicado. E daí, para ser crítico, tem dez anos, e foi justamente nessa época, em 2000 que eu abri a loja de discos. Então minha profissão era dono de loja de discos, eu trabalhava na loja e meu hobby era ver filmes e de vez em quando eu escrevia sobre eles na contracampo. Até que um amigo, um maluco também falou, “Vamos montar uma revista impressa, quero montar uma revista impressa para ganhar dinheiro…”. Eu pensei “Ganhar dinheiro a gente não vai, mas beleza, vamos tentar um trocado, pelo menos, sobreviver.”. E nasceu a Paisà. Claro que nisso têm uns meses. Nessa gestação. Conversamos em abril e a revista saiu em novembro. Teve um período, fomos amadurecendo a idéia, foi ficando diferente, menos comercial até. Eu perdi muito dinheiro, dinheiro que eu não tinha, peguei empréstimo de banco… Cezar já está acostumado a ouvir esta ladainha… Luciana ainda não, mas vai se acostumando… Mas eu não me arrependo, porque graças à Paisà eu tive um compromisso com a crítica que eu não tinha na Contracampo. Na Contracampo é aquela história, não é remunerado, todo mundo é amigo… Na Paisà não, eu era obrigado, como editor e como redator, a ter um compromisso com a crítica, a ver todos os filmes pensando em escrever, porque se eu não encontrasse um redator que pudesse “fazer” (escrever), eu teria que “fazer”. Então, a Paisà mudou um pouco a minha vida por causa disso, e hoje eu sou crítico graças à Paisà, um pouco graças à Contracampo também, óbvio, eu continuo escrevendo lá, agora com outra postura, mas eu não tinha esse compromisso com a crítica que eu adquiri fazendo a Paisà. Então, acho que por mais que ela tenha me esfolado o bolso, foi muito bom pra esse lado.

César Zamberlan:
É muito legal estar aqui hoje vendo mais uma revista eletrônica. Ocorreu um debate no começo do ano em Belo Horizonte, Sérgio estava lá, na comemoração de um ano e lançamento do novo site da revista Filmes Polvo [www.filmespolvo.com.br]. Então, hoje estamos aqui de novo, curtindo uma nova revista eletrônica, uma revista com formato diferenciado, pois ela nasce do meio acadêmico. Com certeza, é muito importante pra mim, pro Sérgio e pra Lilá estarmos aqui hoje porque só mostra estarmos no caminho certo, que nossa dura experiência, de anos, tem servido pra alguma coisa e tem servido como um espelho de que é possível trilhar esse caminho, é possível escrever sobre cinema, e que há espaço para isso.

Começo a curtir cinema em 89, coincidentemente quando eu entro na faculdade de jornalismo, na Cásper Líbero. E quando eu começo a me dar conta de que às vezes matar uma aula pra ir no cinema era muito mais gostoso do que assistir algumas aulas. Estudava na Cásper Líbero, na Paulista, onde tinha todos cinemas ali. Então, matava muita aula… Mas eu virei professor agora… Então, em 89 não havia emule e outros recursos para baixar filmes, e DVDs, sou da geração VHS mesmo. VHS para poder conhecer aquilo que era básico, clássico. Depois do VHS, outra etapa importante de minha formação foi ter descoberto a Mostra Internacional de São Paulo, e ter descoberto, assim como falou o Sérgio, uma turma com a qual eu pudesse dialogar sobre os filmes que eu via e gostava. Formamos uma turma muito grande na mostra. E a partir do contato com cinéfilos e críticos na Mostra que o cinema passou de um hobby pra algo mais sério. Isso tem muita ligação com a Contracampo também, vocês vão ouvir muito dela aqui, a menção a ela é mais do que justa, realmente é uma revista que fez história. Porque à partir do momento que começamos a ler a Contracampo e ver que as pessoas que estavam envolvidas no projeto ofereciam uma visão de cinema muito diferente do que se tinha na mídia impressa, uma reflexão que ia muito além, muito mais profunda, originava uma série de questões que para a mídia impressa passava batido, à partir da Contracampo que surgiu a idéia de montar uma revista eletrônica, o Cinequanon, mas com um viés muito diferente, até porque o pessoal da Contra é meu amigo e na Cinequanon queríamos fazer uma revista direferente, com um perfil diferente, com o olhar do cinéfilo, do curioso… Surgiu o Cinequanon em agosto de 2005, formada naquele momento por mim, Cid Nader, Fábio Yamagi e Érico Fuks, quatro ratos de Mostra. Outras pessoas foram chegando ao projeto. Pessoas da ECA vieram, profissionais que trabalhavam com cinema também. Até vamos lançar uma edição reformulada agora em agosto, por termos 3 anos… Vamos ver o que vai acontecer… Nesses anos, no trajeto, aprendemos vendo, escrevendo e tendo contato com pessoal da Cinética e da Contracampo…

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
Acho impressionante essa capacidade da Cinefilia de se renovar, porque se vermos que no Brasil tivemos desde o Chaplin Club e a revista o Fan, de amigos, pessoas com o mesmo gosto pelo cinema, que se reúnem, vêem filmes, conversam, discutem e eventualmente formam uma revista e permanecem em uma discussão. E mesmo com toda essa fragmentação atualmente, de você ver filme sozinho no computador, poder baixar quantos filmes quiser… A Cinefilia, ao lado a atividade solitária, ela tem uma atividade coletiva muito forte, e hoje mesmo com todo esse isolamento, encontram-se maneiras de se constituir esse grupo. Então, uma constante no depoimento de vocês, é essa, a constituição de um grupo, de uma cumplicidade…

“Da cinefilia à crítica” e a Internet

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
Então, queria que vocês comentassem um pouco sobre essa vontade de passar da assimilação cinefílica à produção crítica e sobre a possibilidade aberta pela Internet, de não se precisar necessariamente ser tão doido o quanto o Sérgio de pegar empréstimo e fazer uma revista impressa, mas poder fazer um blog ou uma revista online. Queria que vocês falassem também um pouco das diferenças, as facilidades e dificuldades de uma revista impressa e de uma revista na internet. Pois talvez, ao mesmo tempo, uma revista online é mais viável, mas pode ser uma agulha num palheiro, como dar uma consistência a essa produção? Como efetivamente atuar nesse meio?

Sérgio Alpendre:
Eu acho que existem várias vantagens e desvantagens na revista impressa. Primeiro, que muita gente não gosta de ler na Internet, ainda tem um bloqueio de ler na Internet, às vezes as pessoas passam a imprimir pra ler onde quiser, mas muita gente fala: “Pô, a Paisà não vai sair mais impressa? Não gosto de ler na Internet.”. Mas, acostuma-se também, dizem até que logo não vai ter mais papel… Outra desvantagem que sempre vi na mídia eletrônica é que não tem limite. Eu reparava que muitos textos da Contracampo eram muito bons até a metade, e depois começavam a se repetir, e eu sei bem porque era muito leitor mesmo antes de começar a escrever pra eles… E reparei que quando eu entrei, em 2000, os textos tinha 3 mil toques, 4 mil toques no máximo, e quando comecei com a Paisà, os textos tinham 10000 no mínimo, e não é todo mundo nem sobre todos os filmes que se pode escrever um texto de 10 mil toques, e às vezes não é qualquer idéia que pode atingir esse tamanho de texto, às vezes tem-se uma idéia sensacional,mas é para 3 mil toques e não para um texto de 10 mil… Só que se pode acabar alongando, alongando, e enfraquecendo o texto por ter se acostumado a textos de 10 mil toques. É uma grande desvantagem da revista eletrônica, que eu acho que a Cinética, por exemplo, conseguiu controlar, pois me lembro de que o Duda Valente, um dos editores, quando eu pedia-lhe textos para a Paisà, antes da Cinética, de 3000 toques no máximo, ele dizia “preciso me acostumar com isso”, mas depois ele veio me agradecer, falou: “descobri que pôr limites é a melhor coisa”. Claro que numa revista eletrônica você tem condições de dar mais espaço para um texto do que numa revista impressa, numa revista impressa para o texto caber numa página ele tem que ter 3000 toques, 4000 toques no máximo. Numa revista eletrônica, pode-se conversar com o editor, aí têm o que a Lilá já falou, volta-se o texto, trabalha-se o texto mais e pode-se fazer um texto maior do que o planejado, então essa é uma desvantagem que pode ser uma vantagem. É uma desvantagem inicial, mas pode ser controlada.

Uma outra coisa, é a relação que se tem com a cinefilia hoje em dia… Na minha época não havia blog, então quando eu comecei a ser cinéfilo eu tinha que escrever num papel e guardar para mim ou quando um amigo fosse me visitar, pedir-lhe para ler, então eu escrevia muitas críticas e guardava para mim, mas eu já escrevia críticas, mas eu não me considerava um crítico, eu escrevia para anotar, para ter uma organização de pensamento… E essa cinefilia mostrava-se mais em mesa de bar mesmo, em encontros com amigos, ou mesmo na faculdade, entre uma aula e outra, discutindo com professores. Lembro-me de ter discutido com um professor um filme do Brian de Palma, toda o pessoal esperando pra começar a aula e eu lá… Então, tudo isso tem vantagem e desvantagem, porque você vai acumulando aquela vontade de se expressar e eu me lembro que quando começou a InfanCinéfilos, que eu também fui um dos primeiros… Que o Duda montou em 97, 98, a gente começou a jogar todas as idéias, escrever tudo o que a gente pensava… Eu tinha idéias acumuladas de toda a minha cinefilia, que eu fui desenvolvendo… Hoje em dia não, um rapaz começa a ser cinéfilo, já vai no emule e já baixa aquele filme mais difícil que tem, aquele que é mais para iniciados, coisas cabeludas, e já joga num blog, e isso é divertido também, é um aprendizado que faz com que se dê a cara pra bater… Mas tem as suas desvantagens também, porque se se tem um blog já se tem uma pressão maior por essa freqüência em opinar sobre os filmes, tem-se uma pressão maior, mas isso também tem suas vantagens e desvantagens… No meu caso, eu acho que foi bom acumular um período longo de cinefilia antes de entrar para a crítica, acho que é sempre bom ter um período de cinefilia, um ano, dois anos ou , dependendo da pessoa, 6 meses. Antes de se aventurar à crítica. E outra: crítica depende de cinefilia, eu não acredito em crítica sem cinefilia, a pessoa pode ser estudiosa, pode querer fazer crítica por trabalho, mas não acho que assim saia uma boa crítica, isso é uma opinião pessoal, claro… Amparada por feras, muito mais feras do que eu, que já falavam isso, Jean Duchet… Mas eu acho importantíssimo que a cinefilia seja uma condição essencial para o exercício da crítica.

César Zamberlan:
Até porque o crítico cinéfilo tem um prazer naquilo que faz, o qual muitos críticos que não são cinéfilos não têm. É impressionante quando se é convidado pra uma cabine de imprensa, e quando se vai ver o filme, a gente vê alguns críticos reclamando… Aí eu encontro com o Ségio, com o pessoal, digo: “Pô, tem um monte de filme bom pra ver!” Então o legal é que o cinéfilo já vai escrever a crítica com prazer, porque gosta do que faz. Um crítico que não é cinéfilo já leva para seu texto aquela obrigação de estar trabalhando. Para nós, não se trata de um trabalho, é um estudo permanente, uma necessidade. Até o nome “Cinequanon” surge dessa condição de ver filmes, de estar no cinema sempre… Eu preciso estar na sala escura vendo um filme, é uma necessidade…

A Luciana perguntou sobre a passagem da cinefilia à escrita, concordo plenamente com o Sérgio, pra escrever tem que ser cinéfilo. Não se pode partir pra um texto sem ter um referencial teórico, sem conhecer outras coisas que o cineasta fez, as influencias…

Sérgio Alpendre:
Na crítica, isso é importante ressaltar, pois existem excelentes trabalhos acadêmicos de pessoas de outras áreas e gostam de cinema e que não são exatamente cinéfilos. Cinefilia é uma coisa mais doentia, tem aquela coisa de batalhar, de participar de cineclubes… Então, existem trabalhos muito bons por pessoas que não são cinéfilos, para a crítica que eu acho essencial ser cinéfilo, para o exercício crítico…

César Zamberlan:
Complementando, acho que essa passagem se dá depois de um filme, muitas vezes, de sair do cinema e conversar com amigos, depois de um tempo, depois de se absorver bem um filme, aquilo de conversar sobre um filme e resolver escrever sobre, desenvolvendo melhor as idéias… E é assim que surgem os textos, eu acho, aquilo de ver um filme e ficar com o filme na cabeça por muito tempo, pensando, buscando novas possibilidades de leitura… Então, acho que é assim que se dá a passagem da cinefilia à crítica, tentando novas leituras.

Outra questão interessante que foi levantada: “Como dar credibilidade a uma revista online, pois tudo é permitido na Internet?”, esse é um grande desafio, hoje sofremos muito, mas cada vez menos e o evento de hoje é uma prova disso, sempre fomos taxados como “aquele pessoal da intenet”, nas mostras, nos festivais, a gente sofreu muito, sempre tivemos que bancar nosso trabalho, ainda bancamos, mas hoje já somos convidados a participar de eventos que antes não eram abertos à mídia online, porque há uma desconfiança com os sites. Até entendo o motivo, porque no site tudo pode, site é barato, então você compara uma revista impressa que tem um custo, ou um jornal que tem uma credibilidade de muitos anos, com um site que tem um ano… Até entendo um pouco, mas quando se começa a ler, vê-se que há um diferencial, como se ocorre o diferencial? Mantendo uma credibilidade e um trabalho muito sério. Essa é a dificuldade de manter um site no ar, é muito complicado semana a semana estar atualizando o site e cobrando de uma equipe que não recebe nada para escrever. É muito complicado buscar uma pessoa que viu tal filme que tenha estreado e batalhar para a pessoa escrever. E manter todo o site no ar, então, é algo muito difícil, manter um site no ar, é algo que dá consistência ao trabalho que vai sendo lido semana a semana e aferido… Hoje estamos num momento muito importante, considero hoje a Cinética a principal revista online de São Paulo, ou do Brasil, a Paisà impressa é um marco na crítica do Brasil e agora online vai fazer o mesmo, a Contracampo teve um papel muito importante, vejam também a revista Filmes Polvo, uma turma tão nova quanto a RUA, a revista surgiu no Festival de Tiradentes de 2007, quando um professor levou os alunos para o festival e falou para a curadoria que a partir do festival montaria uma revista online. A revista foi feita pelo Rafael Ciccarini e por uma série de alunos, e agora está a um ano no ar… Enfim, acho que é um momento muito interessante em que se tem conseguido dar credibilidade a este meio, a Internet.

Encerrando, o Sérgio falou de espaço dos textos, pode ser um problema, mas também é uma solução. A primeira entrevista do Cinequanon foi com o Ruy Guerra, fizeram uma coletiva de imprensa com ele no CineSesc, lembro-me perfeitamente disso, pois havia apenas eu e uma jornalista do CineWeb, Neusa Barbosa, na coletiva, porque no mesmo momento estava ocorrendo uma cabine para um filme blockbuster e foi todo mundo assistir o filme blockbuster. Fui conversar com o Ruy Guerra, a Neusa fez algumas perguntas e teve que ir embora, e eu pude ficar três horas conversando com ele, ele fumando milhares de charutos e eu gravando uma entrevista longuíssima. Em nenhum outro lugar eu conseguiria publicar aquela entrevista, porque era longuíssima… E eu fiz questão de publicá-la quase na íntegra. Com relação aos textos, concordo, acho que podem se perder no meio do caminho. Outra coisa, acho que algo importante para nós da Internet hoje, tentar usar a Internet com os recursos que ela tem. Nesses anos a Internet tem sido usada para textos, como se fosse uma revista impressa, mas ela tem muito mais possibilidades, vídeos, sons, muitas ferramentas… O Cinequanon vai começar agora a trabalhar com vídeos… Pra usar a Internet de uma maneira diferenciada… É muito complicado, pelos custos, pela necessidade de aprender a técnica, mas é interessante para não ficar com cara de revista impressa na Internet.

Lila Foster:
Apenas duas questões a acrescentar. A primeira, por escrever na Paisà impressa e na Cinética online, uma grande diferença, pelo menos no momento em que escrevo, algo meio fantasmagórico, é não saber qual é o público, as pessoas que reagem aos textos são poucas, mas esse fantasma do público é diferente quando escrevo pra Paisà e pra Cinética. Uma revista impressa pressupõe um outro espaço de interlocução, o meu texto por isso acaba sendo menos especulativo em tal meio, mais uma tentativa de dar conta do filme em si. Imagino se tratar de um público diferente, talvez não seja, mas a postura acaba sendo diferente. A segunda não me encaro muito como crítica de verdade, mas encaro esse trabalho como um trabalho, não prazeroso. É muito bom escrever, mas é muito difícil. Percebo uma facilidade das demais pessoas que escrevem nessas revistas de reagir muito rapidamente aos textos, mas meu perfil não é de ver um filme em cartaz e logo escrever, até porque eu me vejo no campo da cinefilia como tendo que aprender um pouco mais. Concluindo, não acho fácil escrever, é difícil externar as idéias, é prazeroso, mas muito difícil.

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
Talvez seja esse o desafio, porque é muito fácil ser cinéfilo, aquela acumulação, mas depois produzir, externar as idéias é complicado.

A crítica cinematográfica e a Universidade.

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
O César e a Lila estão fazendo mestrado, o Sérgio também é muito próximo a este mundo… Como vocês vêem esta relação entre a crítica de cinema e a universidade? Vocês três, como já dito, têm já na graduação esta experiência de aproximação com o cinema…

César Zamberlan:
No projeto original do Cinequanon havia uma coluna intitulada “Ensaios e Pesquisas”, a idéia era ter um espaço para a academia, para ensaios e pesquisas acadêmicas, dentro do site… Tínhamos pensado em estender um braço para a academia para termos pesquisadores publicando artigos e ensaios… Até porque eu tenho formação acadêmica na área, mestrado em literatura na USP trabalhando as adaptações literárias da obra do Machado de Assis, mais especificamente o Dom Casmurro do Sarraceni, e outras pessoas do site também têm essa ligação, Laura, Rogério… O que pretendemos agora é conseguir o ISSN, porque quem trabalha com o meio acadêmico sabe que esse reconhecimento é necessário para publicar um artigo. Então ainda não conseguimos muitos textos acadêmicos, pois estes não são validados se publicados no Cinequanon, a preferência ainda é pelas revistas propriamente acadêmicas. Esse é outro desafio, para termos textos acadêmicos no Cinequanon, é algo que sempre quisemos, conversando com Kleber e Eduardo da Cinética também soube da vontade deles de se estabelecer um vínculo desse tipo. É outro desafio, trabalhar essa ponte, não só com a pós, mas com a graduação também. Fiquei muito contente quando surgiram no Cinequanon dois jovens estudantes da ECA, o Fernando Watanabe, que está terminando seu longa, a Anahí Borges, que está em Roma terminando curso de cinema e agora temos mais dois jovens da ECA pra escreverem… Então dentro da graduação, acho que esse contato com o meio acadêmico é muito importante, batalharei sempre por isso.

Sérgio Alpendre:
Conheci muitos cinéfilos na faculdade, mas eu não cursei cinema. Estou querendo fazer um mestrado na área desde 96, mas sempre há um empecilho, primeiro a crise com a cinefilia, depois a loja… Eu sei que entrando nessa, eu entrarei de cabeça, mas vou sempre adiando.

A Paisà também tem planos de expandir sua parte de ensaios acadêmicos ou não e dossiês e pesquisas. Estamos estruturando ainda, pois estamos no nosso segundo mês de revista online… Mas há planos nesse sentido.

Lila Foster:
Na Cinética há vários pós-graduandos. A revista tenta ter uma visão plural do cinema, há várias pessoas que fizeram cursos de cinema ou possuem outro tipo de ligação com o meio acadêmico. O que eu não percebo ainda no meio acadêmico, mas talvez seja uma impressão ainda a se colocar mais à prova, é a absorção dessa produção nos cursos, como bibliografia, referência ou debate… Fazendo pós-graduação vejo que têm perspectivas realmente bem diferentes a academia e o exercício da crítica. Na academia há a preocupação com o que permanece, com o que se olha depois de um certo tempo, as respostas não são tão imediatas, e nesse sentido a crítica acaba sendo o contrário. Eu vejo a produção crítica da Internet como fundamental, podendo ser explorada de forma muito proveitosa nos cursos em diversos níveis. A Contracampo tem dossiês importantíssimos. Não coloco isso como cobrança, mas gostaria de entender como a academia olha esse tipo de produção… Precisa passar o tempo pra ter validade acadêmica? Coloco isso, mais como uma especulação.

Luciana Sá Leitão Corrêa de Araújo:
Às vezes, nós professores utilizamos, eu pelo menos… Do material dessa novíssima geração de críticos.


Apresentação da equipe e coordenadores do projeto

Em breve, o debate poderá ser visto na íntegra, com os outros tópicos discutidos, a participação do público e o clima de estréia, no site da TV CECH [http://www.tvcech.ufscar.br].

Fotos: Flávio Sganzerla
Cobertura em vídeo: TV CECH.
Texto: Diego Y. Anami

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