Mesa: Cinema e Gênero na XII SOCINE

Mediação: Profa. Dra. Flávia Cesarino Costa

A questão do gênero no cinema não poderia faltar na SOCINE, felizmente. Quando se fala sobre gênero, geralmente, pensa-se em discussões relativas à representação da mulher e aos filmes também como retratos de um mundo patriarcal.

Os trabalhos assim, a primeira inocente vista, focar-se-iam na questão feminina. No entanto, não foi o que aconteceu no inicio dessas apresentações da SOCINE. A Dra. Flávia Cesarino Costa, quem abriu e mediou a mesa, discutiu de modo instigante a década de 50 quanto, majoritariamente, a representação do universo masculino.

A caracterização da época, focando aqui (tal como o discurso de Flávia) nas comédias paulistas dos anos 1950, era estereotipada. As personagens tinham dotes que se repetiam e o analisado pela Dra. como sintoma da nova ambiência e dos novos comportamentos da década foi o incômodo, o desconforto do  homem-provedor. Esse sentimento tangível em diversos trechos de filmes como “Família Lero Lero” e “O homem Papagaio”, mostrados e comentados por Flávia, relaciona-se mais especificamente com a cidade e com a mudança do papel feminino frente àquela nova era…  A precariedade da vida, os problemas financeiros, as pressões familiares acabaram por configurar os cenários (tanto o citadino quanto o familiar) como rivais do homem “fornecedor”. O primeiro seria o palco do anonimato, da concorrência, enquanto o segundo, um ambiente de cobrança.

A Profa. Dra. Flávia entregou um panorama bem completo, falando dos jovens, que não almejavam mais tornarem-se rapidamente adultos e das esposas, que cobravam os homens e reclamam a domesticidade… Dotes estereotipados que contribuem para o retrato de marido em crise.

A discussão sobre a pesquisa da Dra., enfim, comprova mais uma vez o que muitos estão cansados de dizer: o  cinema acaba sendo um retrato da época em que foi produzido. Obviamente, não é tanto essa constatação que importou para a discussão mas sim o retrato da metamorfose, dos conflitos homem versus mulher e também do homem versus novos comportamentos (que também se mostrariam mais sólidos em filmes posteriores como São Paulo S.A. e em realizações dos anos 60 e 70, de Nelson Rodrigues).

De qualquer forma, a mesa continuou e a sua segunda parte seria problematizada pela Profa.Ms.Marcela Amaral (UFF), que acabou, infelizmente, não comparecendo. Aparentemente, seu trabalho discutiria a posição que as mulheres assumiram na hierarquia da indústria do cinema…

A última apresentação foi realizada pela Profa. Dra. Ângela Julita Leitão de Carvalho (UNIFOR) e seu tema foi “Representação do feminino e do masculino no Cinema Novo”. Ao contrário de Flávia, pode-se dizer que Ângela deu ênfase a questão feminina, sem deixar, no entanto, de falar da fragilidade do masculino.

A década de análise foi a tão trabalhada década de 60 e o filme “Os Cafajestes“, a partir de duas cenas. Seu trabalho não enfocou as questões sociais como de costume, mas sim os dramas íntimos e a relação homem /mulher.

Em Os Cafajestes, a questão da ascensão social está posta. Mas, o emblemático discutido foi a questão da violência contra a mulher, a subjugação dessa aos caprichos masculinos e a representação deste de forma não maniqueísta (o homem teria seus conflitos e contradições).

A mulher no Cinema Novo não seguiu a personagem modelo de beleza e de sensualidade. Ela era, muitas vezes, questionadora e, por vezes, assumia posição central na narrativa. Em Os Cafajestes, a personagem feminina, Leda, era uma mulher intimidante e de atitude, e que, segundo o universo patriarcal, deveria ser punida.

A cena que Ângela escolheu analisar foi a famosa cena de nudez de Leda (ápice da punição patriarcal). Leda está nua e um carro com 2 chantagistas gira em torno dela fotografando-a. O ato em si já poderia ser enquadrado como violento em geral , mas mais especificamente tem-se uma cena que representa violência sexual , física e moral (prática que se assemelha a “costumes” da época, denominado “urra”, como nos informou a palestrante). Outros recursos que podemos identificar como signos de violência e subjugação são, por exemplo,  o som incessante da buzina, o movimento circular “encurralador” do carro, a nudez da personagem versus a roupa de seus abusadores e o rolar de Leda na areia demonstrando sua subordinação final.

As personagens masculinas também têm suas fragilidades postas de forma mais sutil como mencionado anteriormente. Essa fragilidade apontada pela Dra. pode ser respaldada por certos momentos do filme… Para “ter força” e seguir com o plano de chantagem, tomam-se entorpecentes. Juntamente a isso, as personagens masculinas sentem necessidade de ascensão, de “ser alguém” (cujo símbolo aqui é possuir um carro). Sexualmente, Jandir parece impotente ao tentar ter relações com uma mulher.

A outra cena que privilegia a análise do masculino e uma possível mudança é a (também famosa) cena final. Jandir, cujo objetivo principal era ter um carro, no final, abandona o automóvel e caminha pela estrada. Seu rumo tem direção diferentemente do restante do filme, o que poderia exprimir uma transformação da personagem: seria uma negação do aspecto “cafajeste”? Outra concepção de mundo? Abandono do status social?

Assim encerrou-se a apresentação da Prof. Dra. Ângela e as apresentações da mesa intitulada Cinema e Gênero, que foi composta sem dúvida nenhuma por apresentações bem discutidas e ilustradas. Particularmente, foi interessante ver que nas duas apresentações feitas por mulheres tratou-se de uma fragilidade masculina mesmo que na segunda, a análise que tomou mais corpo foi a violência sofrida pela mulher e sua subjugação.

Suzana Bispo é graduanda em Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

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