* Por Henrique Rodrigues Marques
A sessão das 22h30 dessa sexta aqueceu o clima da MOSCA, abrindo alas para a famosa “Sessão da Meia-Noite”. A Mostra Brasil VI se iniciou com o curta Uma Noite, uma homenagem ao cinema de Antonioni. Dirigido por uma mulher, Daniela Santos, o filme consegue ser ao mesmo tempo delicado e sensual, traçando sutis paralelos com as cenas de Antonioni que aparecem na televisão do apartamento e abusando de planos fechados, numa fotografia muito bem estabelecida.
Quem Tem Medo de Cris Negão? deu sequência a exibição. Contando, através dos relatos de travestis, a curiosa história do assassinato de Cristiane Jordan, travesti cafetina e violenta que dominava a região central de São Paulo. Mas os relatos – auxiliados pela belíssima fotografia, que brinca com a ambiguidade de gêneros o tempo todo – transcendem o caso policial e acabam se tornando uma análise de toda a comunidade travesti que, marginalizada, se encontra obrigada a viver no submundo. Destaque também para a montagem, que além de ágil, mescla bem opiniões divergentes ou complementares.
Fechando o ciclo, tivemos um dos curtas mais aguardados do evento. Estrelado por Fernanda Montenegro no papel de uma prostituta idosa assombrada pelo medo de morrer, e com a participação do grande Nelson Xavier, A Dama do Estácio, de Eduardo Ades e inspirado no universo de Nelson Rodrigues, acaba decepcionando. Apesar do incrível material de trabalho, o filme acaba se limitando a uma abordagem simplista, iluminada por um ou dois momentos de criatividade. Mas vale pelo desempenho de Montenegro e tão inusitado papel.
Ao fim da sessão, o debate foi mais uma vez com Yuri Amaral (diretor de The Best of Lambada, também exibido na MOSCA), mas dessa vez na posição de montador de Quem Tem Medo de Cris Negão? O realizador respondeu desde questões técnicas, como a escolha por imagens fragmentadas, criando um efeito de espelho rachado, durante os depoimentos, a questões de curiosidade, como o processo de escolha das travestis entrevistadas. É engraçado notar como ao decorrer das exibições, se torna uma espécie de jogo – delicioso, diga-se de passagem – encontrar um fio condutor, um ponto de intersecção entre os temas tratados nos curtas que compõe uma mesma mostra. E os palpites para a Brasil VI foram bastante inspirados. Um espectador levantou a forte sexualidade presente nas três obras, enquanto outra percebeu uma linda homenagem ao cinema em cada uma delas: se Uma Noite é descaradamente um tributo ao italiano Michelangelo Antonioni e A Dama no Estácio faz referência ao filme A Falecida de Leon Hirszman, não com menos propriedade Quem Tem Medo de Cris Negão? acaba por nos apresentar, mesmo que inconscientemente, a um grupo de mulheres muito fellinianas.
E essa troca que acontece em praticamente todas as sessões da MOSCA é absolutamente cativante. Através de um comentário simples de uma desconhecida, esse que vos escreve entrou num processo incrível de reinterpretação das imagens assistidas. Sendo assim, registro aqui o meu muito obrigado a ela e meus parabéns a MOSCA por proporcionar momentos assim.
* Henrique Rodrigues Marques é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos e editor da RUA.