Mr. Sganzerla – Os Signos da Luz (Joel Pizzini, 2011)

O filme ensaio ou a antropofagia revisitada: reflexões sobre o cinema brasileiro

Por Ivan Amaral*


Na última edição do festival É Tudo Verdade, o filme Mr.Sganzerla – Os Signos da Luz, vencedor da competição brasileira de longas-metragens, foi sucesso de crítica na sala do cinema. Joel Pizzini, antes da exibição, entre agradecimentos e elogios a parceiros de trabalho, citou Orson Welles e a antropofagia como uma fonte de inspiração. O público mais atento, até então, pôde perceber que, não por acaso, há uma confluência entre o nome do festival e Orson Welles, e que a antropofagia em questão se dá como síntese não apenas do processo de pesquisa, mas da própria intenção do diretor. O filme começa e as primeiras imagens de arquivo exibem nostalgicamente seus grãos como a anunciação de uma forma quase extinta de fazer cinema e esses grãos então se transformam em uma explosão de estrelas. O filme fala do passado: a chegada triunfante de Orson Welles no Brasil e a frustração de não ter concluído o documentário É Tudo Verdade tornam-se o ponto de apoio para falar de Rogério Sganzerla e do cinema brasileiro de sua época.

A homenagem a uma explosão cultural do passado não faz por menos, as imagens são muito interessantes e a impressão de terem sido resgatadas quase tardiamente faz da narrativa criada e do ensaio em si, realizado pela montagem, uma espécie de movimento poético no presente, delicado e provocante ao mesmo tempo. O que o público descobre é que quase tudo o que permeia o cinema de Rogério Sganzerla pode ser sintetizado através do diálogo entre as imagens (neste caso, as de seus próprios filmes, de arquivos pessoais e de Orson Welles) e a montagem; como na dialética de Godard que, segundo Sganzerla, ao mesmo tempo em que zelava por uma tradição cultural do passado direcionava seu olhar para o futuro. Sganzerla,no entanto,se expressa como um cineasta mais sonhador que Godard, vivendo no país do Cinema Novo, afirmando sua idolatria por Orson Welles, “o maior cineasta de todos os tempos”, ou a inspiração em Oswald de Andrade, e defendendo o seu cinema com uma forma de libertação (não nos esqueçamos da ditadura militar), fazia da antropofagia cultural uma potência em sua criação cinematográfica. No filme de Joel Pizzini a antropofagia tem sua melhor expressão quando se estabelece relação entre a intenção de Orson Welles para com o seu filme no Brasil e a de Rogério Sganzerla para com o mesmo filme se ele fosse realizado. A impressão de que tudo é verdade ocorre quando se criam relações inesperadas, entre uma imagem e outra ou entre intenções artísticas distintas, em confluência com a realidade cultural de um mesmo país que se tenta compreender.

A riqueza poética do filme de Joel Pizzini está no fato de que ele não contrapõe forças e não pretende fazê-lo, assim acaba por entrar em sintonia com um público mais exigente, aquele que, nas palavras de Sganzerla, de fato se interessa pela cultura, quando ele próprio afirma a contraposição de seu trabalho com aquilo que o governo do país incentivava. Não parece ser diferente ainda hoje, em um momento de intensa reprodução de imagens industrializadas neste país, uma sessão de um filme ensaio em um festival torna-se um grande privilégio. Neste sentido, o público participa de um movimento composto por imagens que documentam, sem ismos, o imaginário de um cineasta inovador e de um tempo em que se abria um caminho para contestar os caretas e o comodismo. Hoje, Mr.Sganzerla – Os Signos da Luz, por sua vez, com sua qualidade estética e poética, quer abrir caminhos para um cinema experimental que, afinal, devolva ao público a crença na própria linguagem cinematográfica.

*Ivan Amaral é graduado em Audiovisual pelo Senac.

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