Norwegian Wood (Tran Anh Hung, 2010)

Por Estela Andrade *

I once had a girl
Or should I say
She once had me ?

A partir desses versos, Lennon e McCartney escreveram a música Norwegian Wood. Essa também é a premissa do romance homônimo do escritor de best sellers japonês, Haruki Murakami, lançado em 1987. A música e o livro baseiam-se numa paixão complicada entre um homem e uma mulher que não acaba da forma esperada: “uma balada de amor com notas de angústia e lirismo”, como escrito na contracapa de uma das edições do livro.

Em dezembro de 2010, vinte e três anos após a primeira publicação do romance – um pouco tarde se compararmos com hoje, tendo em vista o estrondoso e imediato sucesso da obra escrita – uma adaptação cinematográfica extremamente fiel ao livro foi lançada. Com direção do já premiado no Festival de Cannes, o vietnamita Tran Anh Hung, que também assina o roteiro junto ao próprio Murakami, a obra, com título original em japonês Noruwei No Mori, foi indicada a vários prêmios, como o Leão de Ouro no Festival de Veneza em 2011, e vencedora de vários prêmios em importantes festivais asiáticos. Porém, para muitos fãs do livro, assim como esta que vos escreve, o filme poderia ter ganhado o prêmio de maior decepção do ano.

A história se passa numa Tóquio do final dos anos sessenta que, assim como o resto do mundo, passava por profundas transformações socioculturais. Com fortes traços autobiográficos do autor, seguimos a trajetória do jovem Toru Watanabe, um garoto introspectivo do interior que tem como companhia apenas livros, seu melhor amigo, Kizuki e a namorada dele, a tímida Naoko. Após o suicídio de Kizuki, Toru muda-se para a capital a fim de estudar teatro em uma universidade particular mediana. Acreditando que nada de novo pode acontecer em sua vida, um dia ele revê Naoko, um encontro que muda seu destino. Ao mesmo tempo em que se entrega a esse relacionamento – sem saber ao certo se é correspondido -, Toru conhece a excêntrica e extrovertida Midori que de cara revela seus sentimentos pelo rapaz. É como um conflito entre o velho e o novo, passado e futuro que coloca o protagonista em profunda indecisão e angústia.

O elenco principal é composto pelos atores nipônicos: Ken’ichi Matsuyama (Toru), Kiko Mizuhara (Midori) e Rinko Kikuchi (Naoko), sendo a última a atriz que interpretou a jovem problemática japonesa de Babel (Alejando Gonzáles Iñarritu, 2006) e que começa a despontar uma carreira no ocidente. A direção de atores deixa um pouco a desejar, talvez não por falta de esforço dos atores e do diretor, mas por um simples problema de comunicação entre a equipe, já que esse não falava japonês e se comunicava através de um intérprete. Como consequência, os diálogos, principalmente entre Toru e Midori, que são parte fundamental da carga dramática, não conseguem transparecer a solidão e as questões existenciais dos personagens, que acabam por parecer vazios; somando isso às atuações apáticas, com poucas exceções, o filme torna-se um pouco maçante.

A fotografia, apesar de ser esteticamente “bonitinha” quase não possui nuances e não chega ser marcante, com exceção da cena em que Toru e Naoko tem sua primeira noite juntos e quando ele recebe pelo correio um cachecol feito por ela, a luz torna-se levemente azulada para expressar o sofrimento. De resto contentamo-nos com uma luz branca que sempre imita uma leve luz solar nos ambientes abertos e passa a sensação de clima frio correspondente à melancolia dos personagens e, nas cenas internas, com uma luz diegética amarela proveniente de um abajour ou lustre.

Ao contrário da fotografia, a montagem torna-se muito perceptível ao longo do filme. Alternada entre momentos de curtos planos – sequência e cortes secos muito rápidos, dá algum dinamismo à obra e a sensação de estarmos lendo um texto muito pontuado, o que causa inquietação em alguns espectadores (como exemplo, posso citar as transições entre cenas internas e externas). No entanto, a trilha musical, inteiramente original e composta pelo músico da banda Radiohead, Jonny Greenwood, foi vencedora de vários prêmios e é totalmente centrada em Toru, e muda de acordo com os sentimentos desse. Para tanto, é variada e composta por gêneros como rock, baladas tristes e instrumentais profundamente dolorosos. É curioso ver que as músicas, quando presentes, tem longa duração, não permanecendo apenas em um plano; por vezes, chegam a durar uma sequência inteira, como quando Toru despede-se de Midori e em seguida descobre sobre a morte de Naoko e decide viajar para ficar sozinho com seus pensamentos; a sequência dura em torno de sete minutos e as duas músicas tocadas são ininterruptas.

Reluto em terminar esse texto caindo no clichê de “o livro é melhor do que o filme”, até porque reconheço ser uma fã irremediável de Haruki Murakami e minhas expectativas eram altíssimas.  A parte técnica foi a principal decepção, o enredo criou várias possibilidades para a fotografia ser uma aliada na expressão de sentimentos, porém muitas delas não foram devidamente aproveitadas. Além do que, por mais que haja uma conexão, literatura e cinema são duas mídias completamente diferentes e cada uma tem suas particularidades. Uma transcrição fiel, às vezes, não é o suficiente, são necessárias adaptações na montagem, na arte, na fotografia, nos efeitos sonoros e, principalmente, no roteiro para transformar uma sensação literária em aspecto visual, algo muito bem feito, por exemplo, em filmes como Fahrenheit 451 (François Truffaut, 1966) e O Poderoso Chefão (Francis Ford Coppolla, 1972), mas que se perdeu em Norwegian Wood.

Para espectadores de blockbusters, esse filme será uma tortura, para aqueles que são amigáveis ao cinema asiático através de obras de Kurosawa ou Mizoguchi, Norwegian Wood será uma interessante experiência estética, e para os que transitam entre os dois lados pode ser uma ótima oportunidade de se familiarizar com a obra de um excelente escritor e de um razoável diretor e, então, responder à pergunta feita por Lennon e McCartney: “Isn’t it good? Norwegian Wood”.

* Estela Andrade é graduanda do curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editora Responsável por Entrevistas da Revista RUA.

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