Nossos Parabéns ao Freitas (Felipe M. Sant’Angelo, USP, 2003)

Nossos Parabéns ao Freitas é um curta vinculado a Universidade de São Paulo, ganhador de vários prêmios, dentre eles o Prêmio Cachaça Cinema Clube no Festival Internacional de Cinema Universitário de 2004. O filme conta a história de Freitas, um pai de família reprimido e conservador, que tem uma trágica surpresa no dia de seu aniversário.

por Sofia Mussolin*


RUA: Quais foram as dificuldades encontradas para a realização do curta? E em relação aos equipamentos não houve dificuldades ou falta de?

Felipe Sant’Angelo: O curta tem bastante ator. Num contexto universitário, no qual ninguém é pago, a dificuldade foi conciliar as agendas dos atores com as datas previstas de filmagens.Outra grande dificuldade foi carregar a estátua da branca de neve, que era bem pesada.

Com relação aos equipamentos, tínhamos plena consciência do que tínhamos em mãos, e a estética do filme foi pensada já levando tudo isso em consideração. Mesmo assim, para estudantes, era uma bela câmera (filmamos em 16mm), e equipamento de som de ótima qualidade. A iluminação era, na maior parte, luz do sol. E a ECA tinha convênio com locadoras de equipamento que emprestavam o que pudesse faltar. Na cena do carro, por exemplo, pegamos emprestado uma luz específica que imitava luz do dia, para preencher a imagem caso não tivesse luz o suficiente. Em outras palavras: não tínhamos abundância, mas tínhamos consciência.

RUA: Como surgiu a ideia do curta e como foi trabalhar para mostrar a hipocrisia e conservadorismo de forma polêmica?

Felipe Sant’Angelo: A ideia do curta surgiu a partir da força motora do personagem, o princípio: “Come cu de puta, mas não da mulher”. Esse conceito nasceu num exercício de roteiro simples, quando eu ainda estava no segundo ano da faculdade. A partir daí, trabalhar esse personagem se tornou uma obsessão. E quando chegou a hora de desenvolver o roteiro do projeto, quis fazer isso a partir da personagem. Aí, me juntei com o parceiro Pedro Granato e fomos tendo ideia de como fazer esse personagem transcender o bizarro, e se tornar um tipo reconhecível por todos. Então,carregamos a história com situações tipicamente brasileiras. Ainda assim, faltava algo, que representasse o universo cultural. Foi aí que entrou o Frota.

Não houve um momento em que, racionalmente, pensamos em denunciar hipocrisia e conservadorismo ou fazer polêmica. A ideia era debochar de um tipo bem brasileiro de uma forma pouco moralista e o mais abrangente possível.

RUA: O curta foi feito para qual disciplina da sua graduação? De que forma foi escolhida a equipe? Qual foi a contribuição da faculdade?

Felipe Sant’Angelo: Isso talvez fique meio confuso de explicar, porque o curta, para mim, foi uma coisa extra-curricular, embora contasse com todo apoio da faculdade e fosse algo oficial. Mas, como não havia uma matéria de direção, não ganhei nota ou tive o filme analisado. Apenas o montador e o diretor de fotografia realizaram o curta vinculados a uma matéria específica. Antes do curta se tornar um projeto ele foi desenvolvido na aula de roteiro, durante o terceiro ano. Aí sim, valeu nota. Depois, nada.

Mas, como disse, a faculdade participou de forma decisiva: ao final do terceiro ano, todos os alunos interessados apresentavam projetos de curtas metragens para um “pitching” interno diante de professores e alunos. Todos votavam, sendo que os professores tinha voto peso dois e alguns eram escolhidos para serem produzidos. O meu foi um dos escolhidos, sendo bem aceito por professores e alunos. Em nenhum momento os professores demonstraram qualquer ressalva aos temas e ao teor polêmico. Pelo contrário, viam tudo de forma aberta e com bastante humor. Assim, o curta foi inteiramente financiado pela ECA.

Vale lembrar que equipe e elenco trabalhavam de graça. A equipe foi escolhida por afinidade. Os “chefes” (produtor, diretor de fotografia, técnico de som, assistente de direção, montador) eram escolhidos por mim, e aí partiam em busca de seus assistentes quando era o caso. O elenco escolhi assistindo peças de teatro ou por indicações de gente próxima.

RUA: Quais foram as influências do curta?

Felipe Sant’Angelo: As principais foram Macunaíma e Guerra Conjugal, ambos do Joaquim Pedro. O primeiro, pelas ambições e a busca de uma essência nacional e popular do cinema. O segundo, pelos temas sexuais, personagens enrustidos, reprimidos, mas nada muito direto. Eram filmes que eu gostava muito na época, escrevi sobre eles em trabalhos de teoria e por isso acabaram influenciando minha forma de pensar cinema. Na prática, no momento da criação, não pensava neles.

RUA: Como foi a construção dos diálogos? Como foi trabalhar a direção de atores? Gostaríamos que comentasse a frase final “na vida somos todos Freitas ou Frota”.

Felipe Sant’Angelo: Tudo partia da escaleta inicial bolada por mim e pelo Pedro. Numa primeira versão nos permitimos ser mais verborrágicos. Aí, a cada versão nova, fomos afinando, deixando as poucas e boas. O trabalho de atores partia de improvisos. A essência da cena era passada pros atores e brincávamos um pouco. Aí, fomos fechando. Antes, achei que fosse improvisar mais as falas durante a filmagem porque temia que o texto fosse uma trava. Mas, na hora h, percebi que estava trabalhando com atores de diferentes “escolas”. Uns eram de teatro de grupo, outros eram clowns, e dois eram “não atores”. Então, percebi que o texto não estava travando, e sim, libertando, como um porto seguro comum, que todos seguiam, e brincavam com o resto. Ainda assim, coisas divertidas de improviso foram incorporadas, como a cena em que a mãe traz Beto pela orelha pra pedir desculpas pra Freitas, depois que o filho come o rabo da filha. A presença da Branca de Neve também foi incorporada durante a filmagem, não estava prevista no roteiro. Quanto a frase final, sem comentários. Prefiro que cada pessoa que assista o curta reflita profundamente sobre ela, e chegue a suas próprias conclusões.

* Sofia Mussolin é graduanda do curso de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Editora da seção Curtas na Revista Universitária do Audiovisual (RUA)

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