Por: Caio Cardoso Holanda
“A única ferramenta de defesa das mulheres é o crime”
O diretor François Ozon, conhecido por seus filmes satíricos que comentam sobre a sexualidade humana, estreia sua nova obra “O Crime é meu” (Mon Crime) que embarca na sátira, mas coloca a sexualidade de suas personagens em segundo plano para fazer um comentário sobre gênero, adentrando nas contradições que o sistema patriarcal cria ao subjugar mulheres como inferiores.
“O Crime é Meu” conta a história de Madeleine (Nadia Tereszkiewicz) e Pauline (Rebecca Marder) que sobrevivem aos trancos e barrancos em Paris, atrasando salários e vivendo de bicos. Até que a atriz Madeleine acaba sendo envolvida como principal suspeita do assassinato de um famoso produtor teatral. Pauline, como amiga e advogada, faz com que ela assuma a culpa de forma a persuadir o júri de que foi legítima defesa, e assim alavancando a carreira de ambas com o famoso caso que ganharia as manchetes de todo o país. É importante ressaltar que a história se passa nos anos 30, em uma França pré-invasão nazista, quando as artes estavam ganhando cada vez mais espaço, principalmente o cinema e o teatro.
François afirma que seu filme tem caráter feminista, o que comprova sua afirmação é a dinâmica de gênero e poder que sua direção evidencia no longa. Suas protagonistas são proativas, espertas e sagazes, pois sabem que os homens gostam de ter seus egos amaciados e os revela como tolos manipuláveis, se não, assediadores. Com inspiração nos filmes clássicos das cineastas francesas que tateavam o cinema e foram pioneiras na linguagem, como Alice Guy-Blaché e Germaine Dulac, Ozon brinca com a estética do cinema silencioso ao contar com o uso de flashbacks, além de exigir atuações muito físicas que remetem ao cinema da época. Também há de se ressaltar como a linguagem teatral influencia a narrativa, de forma metalinguística ou não, com cenários montados, atuações vibrantes e a dinâmica do texto.
O filme se propõe como uma comédia satírica, abordando a temática do crime para explorar questões sociais a partir do exagero, algo que se perdeu no cinema comercial ao longo dos anos, pois clássicos como “Quanto Mais Quente Melhor” (1959) e “Ser ou Não Ser” (1942) que mostravam como o cinema hollywoodiano era inteligente ao retratar a comédia satírica parecem ser uma distante memória que os estúdios não parecem mais estar interessados em reproduzir. “O Crime é Meu” desconstroi a expectativa da descoberta de uma mentira que carrega a narrativa, pois aqui – como na vida real – a verdade é corrompida, sendo representada pela personagem Odette Chaumette, de Isabelle Huppert, que rouba os holofotes com uma excelente performance da veterana atriz.
Porém, a montagem do longa tem sua truncagem abrupta e pode ofender os olhos mais atentos, além de compor planos em excesso dentro das cenas, comprometendo o ritmo do filme. Outro problema é o exagero de personagens que geram tramas paralelas desinteressantes que nunca vão a lugar nenhum, como o interesse amoroso de Madeleine que parece perdido dentro da história, surgindo apenas como ferramenta dos roteiristas.
Portanto, “O Crime é Meu” é um respiro do cinema francês dentre várias comédias vazias hollywoodianas em cartaz, que desenvolve uma reflexão atual da relação de poder entre gêneros a partir da hipocrisia da justiça.