O Guerreiro Silencioso (Nicolas Winding Refn, 2009)

André Renato*

Cartaz Brasileiro do filme "Valhalla Rising"

Os protagonistas nos filmes do cineasta dinamarquês Nicolas Winding Refn são todos patéticos. Este adjetivo, com seu sentido mais literal que remete à compaixão, ao lado de conotações escarnecedoras, talvez seja o mais exato para julgarmos as atitudes e os dramas vividos por personagens masculinos extremamente violentos desde a estreia do diretor, com a história de um traficante raso das ruas de Copenhage em Pusher (1996). Alguma exceção poderá ser feita a Fear X (2003 – primeiro filme anglófono de Refn), com John Turturro interpretando um pacato segurança de shopping – o qual, não obstante, terá seu corpo, alma e vida diluídos numa rede de acontecimentos e pessoas que zombam de qualquer tentativa de “tomada de atitude” por parte do protagonista; e isso encontramos, com matizes diferentes, em todos os filmes de Refn.

Particularmente em Bronson (2008), história real de Michael Peterson, apelidado de Charles Bronson e sensação nos tablóides britânicos como o “prisioneiro mais violento do Reino Unido”. Sua vida é narrada com humor negro, acentuando a fragilidade, o medo e a dúvida quase infantis que corroem fundo o espírito de um pobre brutamontes, o qual se entrega e refestela no ato praticamente compulsório de moer dentes e narizes alheios, da mesma maneira como uma criança pequena simplesmente chora quando vê que não lhe sobraram alternativas. Esse é o beco sem saída em que os machões de Refn se colocam (ou são colocados). Os homens aqui são animais acuados e, exatamente por esse motivo, tornam-se especialmente perigosos. Eis o “galo de briga” que protagoniza O Guerreiro Silencioso (“Valhalla Rising”, Dinamarca / Reino Unido, 2009), que acaba de sair direto em DVD no Brasil – muito discretamente.

Mas, colocando-se à parte o estilo “gangsta movie” de Pusher (que mais tarde viraria trilogia, com duas seqüências lançadas, respectivamente, em 2004 e 2005), de Bleeder (1999) e de Bronson, Nicolas Refn decidiu dar ares mais poéticos a Fear X e, principalmente, a O Guerreiro Silencioso, cujos roteiros ele co-assina (é assim com a maioria dos seus filmes). Se o primeiro tentava fazer um “pot-pourri” estilístico de David Lynch e Stanley Kubrick (a atmosfera onírica de um e a fantasmagoria de outro – pensando em O Iluminado), o último vai respirar os ares de Andrei Tarkovski, Werner Herzog e algo de Terrence Malick. No caso, as vastas paisagens de uma natureza arquetípica: imaculada ou desolada, mas sempre dotada de mistérios inescrutáveis aos que se julgam possuidores da Razão ou possuídos de Cristo.

Prisão do guerreiro pelos Saxoes

“Valhalla Rising” é um filme ambicioso. Em entrevista à Film Comment, seu diretor lhe dá o estatuto de um filme de “mitologia”, um “conto de fadas” cheio de “espiritualidade” e “metáforas”. Com solene minimalismo, a sua mise en scène acompanha as desventuras de um misterioso viking (por volta do século XI), inominado, caolho e mantido cativo por seus compatriotas, aos quais proporciona algum lucro como gladiador, em lutas violentíssimas (este é, sem dúvida, o filme mais violento de Refn). Em certa ocasião, ele conseguirá escapar, matando aqueles que o levavam e deixando-se acompanhar somente pelo menino que lhe dava comida – também sem nome e aparentemente órfão. Os dois, então, esbarram num pequeno grupo de vikings já cristianizados, que estão partindo em Cruzada, e decidem acompanhá-los (o diretor jura que o roteiro apresenta verossimilhança histórica).

Navegando à deriva através de uma neblina densa, interminável e sem qualquer vento, o pequeno barco acabará por chegar não à Terra Santa, mas ao Novo Mundo. A seqüência da viagem é a melhor do filme: a travessia dos continentes ganha as tintas de uma transcendência, evocada pela névoa que não deixa enxergar um palmo adiante dos narizes e potencializada pelas superstições dos cavaleiros cristãos da Idade das Trevas. Quando finalmente desembarcam, veem que o cenário mudou bastante (vastidões de florestas de coníferas, em oposição às montanhas frias, escuras e pedregosas do norte da Europa), mas não perdeu o caráter inóspito e amedrontador. Temem estar no inferno, e que “One Eye” (alcunha que o menino dá ao protagonista) seja o diabo.

Nativos encontram os Europeus em uma terra Inóspita

Logicamente, tudo há de piorar quando o reduzido grupo de descobridores acidentais é descoberto pelos nativos. No geral, essa jornada rumo ao desconhecido vai adquirindo os contornos mítico-arquetípicos de um mergulho na interioridade do ser; e esta não deixa de trazer algum desvelamento de verdades transcendentais (que podem ser simplesmente a epifania de que “tudo é mistério”, como dizia Guimarães Rosa). Este é um leitmotif que anima também as narrativas de viagens cósmicas: A Odisseia no Espaço de Kubrick que o diga, ou o Solaris de Tarkovski. O pequeno ensaio poético de Refn não possui a densidade das obras-primas desses dois grandes mestres, logicamente – tanto porque a sua hora e meia de filme tem bem menos a carregar do que as duas horas e vinte minutos do americano, ou as quase três horas do soviético.

Místico guerreiro Viking permeia uma história densa e violenta

Mas o experimento é válido e perfeitamente legítimo, ainda mais tendo em vista o repertório cinematográfico de uma poesia existencial, metafísica ou fantasmagórica que se pode encontrar nos países nórdicos, de Sjöström e Dreyer, a Bergman. Por isso, muito se enganará quem for até a locadora e alugar O Guerreiro Silencioso (esse título não ajuda nem um pouco), esperando uma aventura épica, algo à lá O Gladiador (2000), de Ridley Scott. O tom aqui é bem mais intimista, lírico e, o que é mais importante, minimalista. Não deixa de ter umas boas pancadarias, mas busca alçar voos acima dos punhos fechados. Seu lançamento por aqui aconteceu sem levantar barulho algum, mas Nicolas Refn vem amadurecendo e se tornando mais sofisticado a cada filme. Sua produção mais recente se chama Drive e conquistou o prêmio de melhor direção em Cannes este ano. Vamos esperar para ver.

*André Renato é professor no Ensino Médio (língua portuguesa, literatura e redação), fotógrafo e cinegrafista. Colabora com a revista dEsEnrEdoS e mantém o blog Sombras Elétricas (www.sombras-eletricas.blogspot.com), nos quais escreve sobre cinema.

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image
    Angelofbarbosa

    nao intidi nada do filme peguei do meio

  2. Author Image
    robson

    Esse filme não pode ser compreendido com o pensar e sim com uma mente não dual, analogamente o guerreiro representa a garra e a força de descoberta para se encontrar o caminho, o sofrimento é a agonia fruto da ignorancia, um olho representa o um com o todo ou aquele que tudo vê, , um estado singular de unissidade com tudo, o silencio a unica resposta em que nao existe dualidade , o final representa o encontro consigo mesmo, onde nao existe mais caminho a ser encontrado, o eu sou com o que é.

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