Like a Virgin (Lee Hae-Young e Lee Hae-Jun, 2006)

Samuel Douglas Farias Costa*

Cartaz do filme Coreano " Like a Virgin"

O que na primeira impressão nos parece com uma comédia qualquer, se revela no seu decorrer um filme profundo e extremamente consciente da realidade em que vivemos. Like a Virgin (Cheonhajangsa Madonna, 2006) é uma ótima comédia dramática dirigida pelos sul coreanos Lee Hae-Young e Lee Hae-Jun e vem falar, entre outras coisas, sobre a identidade no mundo contemporâneo.

Muito se ouve falar de críticos de cinema, literatura, e outras artes, de obras que abordam a perda da identidade diante da dinâmica e multiplicidade da vida contemporânea. Pois bem, logo de cara vou por um traço sobre isso. Por sermos seres sociais, queremos nós ou não, possuímos múltiplas identidades. Portanto, perder identidade é uma ilusão, ou no mínimo usar essa expressão é um equívoco. O que ocorre é a mudança dessas identidades que estão em constante construção e transformação. Sobretudo, nas sociedades complexas marcadas pela dominância do capitalismo, do consumo, a heterogeneidade dos grupos, o individualismo, globalização, entre outras coisas, essas identidades se constroem, mudam e reconstroem a todo o momento.  Hoje se identifica com um grupo, amanhã de outro. Like a Virgin vem falar dessa construção e busca por uma identidade nesse contexto social onde as relações são cada vez mais efêmeras e dinâmicas.

Os personagens praticam uma luta tradicional chamada ssireum

Oh Dong-ku (Ryu Deok-Hwan) é um jovem estudante do high school, equivalente ao ensino médio aqui no Brasil, e fã apaixonado e devoto de Madonna (o título é uma referencia à música da cantora). Ele mora com o pai (Kim Yoon-Seok), um alcoólatra violento que vive conflitos no trabalho, e o irmão. Sua mãe (Sang-ah Lee) deixou a família há alguns anos por causa da agressividade do pai. Hoje ela mantém contato com o filho e trabalha como animadora em um parque de diversões. É no meio desse cenário que Oh Dong-ku busca alcançar seu sonho. Ele se sente uma mulher no corpo de um homem e se submete ao trabalho pesado e desgastante de carregar cargas nas costas em um porto para conseguir juntar dinheiro e realizar a cirurgia de mudança de sexo. Na escola ele sonha acordado que terá um romance com seu professor japonês e seus colegas de classe o ironizam, satirizam e humilham por causa de seu jeito afeminado. Apenas um dos alunos é seu amigo, Jong-Man (Park Young-Seo), por sinal, melhor amigo. Este é também um jovem em busca de uma identidade e que vive incerto sobre o que realmente quer fazer da vida. Ele é quem vai atrás de se tornar um lutador de ssireum, uma arte marcial sul coreana tradicional, porém o treinador (Baek Yun-Shik) o rejeita pelo seu condicionamento físico. Ao mesmo tempo o treinador vê em Oh Dong-ku um físico propício ao esporte e o convida para treinar. A princípio ele não se mostra interessado, mas quando fica sabendo do prêmio em dinheiro oferecido como recompensa para o ganhador do campeonato, se entrega ao esporte na esperança de conseguir vencer e pagar a sua cirurgia.

O que vemos na trama é uma abordagem consciente da realidade de um mundo capitalista, onde Oh Dong-ku e sua família se encontra entre os desfavorecidos em uma estrutura social de classes. Esses personagens criam estratégias para viver e se manter economicamente, mas a obra é clara em mostrar que tais caminhos não são o suficiente para tirá-los da condição de oprimidos. Tal situação faz com que Oh Dong-ku aposte no campeonato de ssireum para conseguir o dinheiro. Em palavras mais claras, ser um trabalhador assalariado não te deixará rico! Mas a opressão passa por várias esferas sociais, nem tudo está circunscrito a situação econômica. Para Oh Dong-ku a maior opressão é de estar no corpo de um homem e de não ser aceito socialmente em sua identidade feminina.

Atuação de Ryu Deok-Hwan impressiona

A atuação de Ryu Deok-Hwan é formidável, não é por menos que ele foi nominado ao prêmio de melhor performance de ator do Asia Pacific Screen Award de 2007 e venceu o prêmio de melhor novo ator de 2007 do Grand Bell Award na Coréia do Sul. Neste ultimo festival o filme ainda concorreu na categoria de melhor roteiro.

A fotografia possui um ótimo jogo de câmera, utilizando de ângulos bastante estratégicos e que captam uma ampla quantidade de informações dentro de uma mesma imagem. A trilha sonora nada tem demais, o que é um ponto falho do filme. Da parte sonora, o mais interessante é o som cru que permeia o filme nas cenas sem músicas e que dá uma conotação de realidade em contraposição aos sonhos que Oh Dong-ku tem regularmente com seu professor. Oh Dong-ku é um sonhador.

Apesar de bastante dramático, o filme também é uma comédia, o que rende algumas sequências divertidas e outras exageradas e desnecessárias. Algumas tão exageradas que incomodam. No final há uma espécie de epílogo meio previsível, meio “feel good”, e pode parecer ilusório e bobo, mas quem prestar atenção verá que não é .

Um bom filme, divertido sem deixar de ser sério e comprometido com a abordagem de questões mais amplas, como essa construção de identidades em um mundo tão complexo. Like a Virgin mostra que é possível sim fazer cinema unindo diversão e conteúdo sério de qualidade.

*Samuel Douglas Farias Costa é graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e redator do blog “Avant, Cinema!” <http://avantcinema.wordpress.com>.

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