Passados quase 20 anos desde a estréia do filme Robin Hood: Príncipe dos Ladrões, de Kevin Reynolds, chega aos cinemas uma nova versão da história, desta vez pelas mãos de Ridley Scott. Este projeto teve início em uma idéia diferente: inicialmente batizado de ‘Nottingham’, contaria a lenda às avessas, com Robin Hood como vilão. Parecia uma premissa interessante, mas infelizmente o diretor descartou esta radical mudança no âmbito da floresta de Sherwood e preferiu o óbvio, ou além do óbvio, já que este novo e atual Robin Hood tem a ambição de contextualizar historicamente o icônico personagem, apresentando-o em um cenário “real”, tal como foi feito anteriormente em filmes como ‘Rei Arthur’ de Antoine Fuqua. Além disso, também conta-se uma história de origem. Em certa medida, pode-se dizer que o filme não é bem sucedido em nenhum dos dois caminhos, pois fica nítida a sensação de que a obra não encontra o seu devido lugar. A princípio, a nova visão do arqueiro é um tanto quanto distinta de tudo o que vimos até agora. Mas o Robin Hood de Ridley não é muito denso, e fica um pouco deslocado na posição em que o inserem – a de um líder inglês bem diferente do bom ladrão que rouba dos ricos para dar aos pobres, aquela a que estamos acostumados.
Aqui temos Robin como um arqueiro a serviço do rei Ricardo Coração de Leão (Danny Huston), em plena Terceira Cruzada. Robin deseja voltar para casa acima de tudo, e para isto se utiliza de artimanhas pouco altruístas, como por exemplo, assumir a identidade de um nobre para garantir sua passagem de volta. O seu país, mal administrado, está esfacelado pela cobrança excessiva de impostos pela coroa, além da ameaça de uma suposta invasão da Inglaterra pelos franceses, e é deste pano de fundo que nasce o sujeito capaz de não só liderar seus compatriotas como lutar contra as injustiças de um monarca incompetente e mimado. Nem mesmo a sutil presença da Magna Carta, cuja instituição é sugerida a certa altura para acalmar os ânimos dos súditos do Rei João (Oscar Isaac), consegue dar o tônus necessário ao roteiro do veterano Brian Helgeland. O roteiro preocupa-se demais em conferir verossimilhança à história e a empatia que o espectador deveria estabelecer com os personagens acaba por ficar em segundo plano.
Russell Crowe, habitual colaborador de Scott, parece pouco confortável nesta empreitada, assim como Cate Blanchett como Lady Marion. O astro neozelandês oferece pouco além do que já vimos em outros de seus trabalhos. Crowe supostamente leu diversos livros sobre o assunto – como declarou em entrevistas – e poderia ter arriscado mais. As boas e divertidas atuações ficam a cargo dos vilões. Oscar Isaac como o Rei João agrada bastante, sobretudo ao retratar de maneira inequívoca as motivações do seu personagem, e Mark Strong compõe uma figura bastante sinistra e intrigante em seu Sir Godfrey. Há que se destacar, também, o veterano William Hurt como o conselheiro William Marshall. Hurt, um ator de primeira linha, pisa em terreno firme como o bem intencionado Marshall. E, é claro, Max Von Sydow, uma lenda da sétima arte, faz um ótimo trabalho como o barão de Loxley. Mas talvez o melhor exemplo de como o filme se torna por vezes equivocado seja o xerife de Nottingham (Matthew MacFadyen). Tradicionalmente a nêmese de Robin Hood, este personagem é representado como uma criatura completamente inócua, que oferece pouca ou nenhuma ameaça ao herói.
Não se pode deixar de notar, contudo, que este filme não foge à regra dos demais de Ridley Scott, na medida em que possui visual nada menos que arrebatador. É louvável a preocupação que Scott possui com cada detalhe visual de seus filmes, desde os figurinos – impressionantes em cada detalhe – até os cenários minuciosamente construídos. As batalhas retratadas, sejam pequenas ou grandes, também compõem boas seqüências, que definitivamente podem valer o ingresso. Aliás, as cenas de batalha chegam ao verdadeiro excesso em seu realismo. A batalha contra os franceses, por exemplo, evoca imediatamente a invasão da Normandia pelos aliados. Outra seqüência específica remete ao ‘Coração Valente ‘ de Mel Gibson, quando soldados encastelados despejam óleo quente sobre prováveis invasores que tentam incessantemente contra o portão da fortaleza. Mas isto não chega a ser exatamente um elogio: o mesmo cineasta britânico que nos trouxe ‘Alien‘ e ‘Blade Runner‘ continua em sua tendência de fazer filmes visualmente espetaculares, mas que carecem de profundidade, de um lugar.
Em tempos de grande inquietação, com ameaças cada vez maiores ao planeta em geral e ao ocidente em particular, fica cada vez mais difícil impressionar audiências que não se impressionam facilmente. Esse ‘realismo’ que tem acometido certos filmes e franquias pode ser inserido neste panorama, na medida em que há a preocupação – às vezes desnecessária – de dar ao espectador algo que ele jamais tenha visto, como um Robin Hood que teria existido, verdadeiramente, na Inglaterra medieval. Talvez o filme alcançasse resultados melhores se a magia que envolve o personagem que conhecemos não tivesse sido de todo descartada. Ou talvez Ridley devesse ter investido na história que colocava Robin como o antagonista, essa sim uma chance de mostrar ao público algo que ele ainda não viu. Para todos os fins, o filme teve relativa aceitação em platéias de todo o mundo, e até o momento a bilheteria já ultrapassa os 280 milhões de dólares, de acordo com o site especializado Box Office Mojo (www.boxofficemojo.com).
Arthur Souza Lobo Guzzo é graduado em comunicação social pela PUC-Campinas e em Ciências Sociais pela Unicamp.
Parabéns Tuco, gostei de sua análise. Talvez eu assista pelas lutas, mas com certeza não pelo romance.
Tuco você foi mais do que um bom comentarista ….me ilustrou muito sobre o filme….