Tramas Regurgitadas e o Vício no “Volume”: Como a Disney Destruiu a Saga Star Wars

Por: Athos Rubim

Desde o fracasso da última trilogia da saga Star Wars, a abordagem da Disney para com os produtos da franquia mudou. A partir de 2019, foram lançadas 4 séries (7 temporadas) diretamente para o Disney+ (serviço de streaming da empresa), com mais 2 programadas para estrear ainda esse ano.

A primeira dessas séries foi The Mandalorian (2019-atualmente), criada porJon Favreau ao lado de Dave Filoni, conhecido por ser o “sucessor criativo” de George Lucas devido ao seu trabalho na série animada Star Wars: The Clone Wars (2008-2020). A série fez sucesso, com boa recepção tanto do público quanto da crítica, pois buscou inspiração nas obras que influenciaram George Lucas quando escreveu e dirigiu o primeiro filme. Dessa forma, inaugurando esse novo modelo de produção (séries originais para o streaming) para os produtos da saga iniciada por George Lucas em 1977.

Para as gravações da série, foi utilizado uma tecnologia nova, apelidada de “Volume” (imagem 1), que consiste em um “aquário” revestido por telas de led que permite a projeção de cenários virtuais para preencher o fundo de cenas ao mesmo tempo que se incide a luz correspondente sob os objetos e atores. Essa tecnologia possibilitou que não fossem mais utilizadas com a mesma frequência as “telas verdes”, e, por emitir luz, possibilitou um maior realismo no momento das gravações.

Imagem 1 : estrutura do “Volume”

No entanto, conforme esse modelo foi se afirmando, alguns problemas foram surgindo, como o uso excessivo do “Volume” e, cada vez mais, a falta de inspiração e originalidade nas tramas.

Neste texto, farei uma análise da progressão dessas produções, evidenciando a perda quase constante de qualidade entre as mesmas. Para isso, farei uma breve resenha sobre cada uma das temporadas produzidas, até a última lançada (a terceira temporada de The Mandalorian, de março de 2023).

The Mandalorian – Temporada 1 (2019)

Aqui, vemos Favreau e Filoni se inspirando diretamente nas influências do próprio George Lucas quando escreveu Star Wars em 1977. Gêneros clássicos como o western e o filme de samurai são evocados a todo o momento (imagem 2).

Imagem 2: Fotograma do primeiro episódio de The Mandalorian com um enquadramento
reminiscente de filmes western.

Através de um esquema levemente antológico, a série conta as aventuras de um caçador de recompensas mandaloriano. Para isso, os produtores da série se apoiaram fortemente no apreço dos fãs para com os mandalorianos. Criados com o
personagem Bobba Fett ainda na trilogia original e expandidos na trilogia seguinte, de 1999 a 2005, e, principalmente, na série animada Star Wars: The Clone Wars, com ampla participação de Dave Filoni, os mandalorianos são uma nação unida pela
sua cultura, fortemente ligada à guerra. Após perseguições, guerras e genocídios, a quantidade de mandalorianos nascidos em seu planeta natal (Mandalore) se tornou baixíssima, e a nação passou a incorporar quaisquer seres que jurassem lealdade à
doutrina de seu povo. Somente assim, conseguiram garantir a permanência da nação.

A trama de Favreau e Filoni acompanha então um desses mandalorianos incorporados à cultura (chamados “enjeitados”) que leva a vida como caçador de recompensas. Porém, logo no primeiro episódio, o protagonista encontra um bebê da mesma espécie do famoso mestre Yoda. O Mandaloriano é então instruído a levar a criança de volta ao seu povo, os Jedi, mas, no tempo em que o enredo acontece (alguns anos após os eventos de Return of the Jedi [Richard Marquand, 1983]), os Jedi eram conhecidos apenas como antigas lendas, devido ao genocídioda ordem 66, que se passa em Revenge of the Sith (George Lucas, 2005). Sendo assim, os episódios consistem de aventuras rápidas do protagonista em busca de informações que o levam cada vez mais perto de encontrar algum Jedi. Durante a temporada, vemos O Mandaloriano amolecendo sua casca grossa e permitindo-se fazer alguns laços de amizade, inclusive desenvolvendo uma relação pai e filho com a criança (imagem 3).

Imagem 3: O Mandaloriano e A Criança em fotograma da primeira temporada de The Mandalorian

The Mandalorian – Temporada 2 (2020)

Seguindo os moldes da temporada anterior, porém agora em maior escala em decorrência do sucesso, Favreau e Filoni novamente adicionam um grande produto à saga Star Wars. Porém, já aqui começa-se a ver indícios do que viria a causar a ruína desse estilo de produção. Diferentemente da primeira temporada, aqui os realizadores se utilizam de personagens já conhecidos para agregar à trama, reintroduzindo Bobba Fett, Bo-Katan, Ahsoka Tano e o grande Mestre Jedi, Luke Skywalker (imagem 4).

Nesta temporada, o arco inicial dos protagonistas, agora nomeados, Din Djarin (mandaloriano) e Grogu (criança) se encerra. Grogu se une aos Jedi quando é entregue a Luke no último episódio da temporada. Para Din, o desfecho é melancólico e incerto, sendo separado de seu “filho”, mas adquirindo o Darksaber (espada dos líderes de Mandalore).

Imagem 4: Foto de bastidores da participação de Luke Skywalker no último episódio da segundatemporada de The Mandalorian (2020).

The Book of Bobba Fett (2021)

A última sequência (pós-créditos) do último episódio da segunda temporada de The Mandalorian mostra Bobba Fett e sua mais nova fiel escudeira, Fennec Shand, assumindo o antigo posto do senhor do crime Jabba the Hutt, no planeta Tatooine. Anunciado assim, uma nova série original para o Disney+, The Book of Bobba Fett, que estreou em 2021.

Nesta série, os problemas mencionados anteriormente já estão muito presentes e, infelizmente, prejudicam a experiência do espectador. Isto causou uma retaliação significativa tanto da crítica quanto do público, fazendo com que a produção não atingisse o sucesso esperado.

O uso abusivo do “Volume” diminui exageradamente o tamanho dos espaços que podem ser trabalhados. Como resultado, temos cenas que deveriam ser grandes batalhas, mas que só contam com menos de 10 lutadores de cada lado. Reduzindo, e muito, o impacto da cena (imagem 5).

Imagem 5: fotograma da batalha final da temporada em The Book of Bobba FettImagem 5

Aliado a isso, vemos uma presença massiva dos chamados “fan services” (inclusão de personagens, ambientes ou quaisquer outras coisas já conhecidas pelo público), que já estavam presentes na segunda temporada de The Mandalorian. No entanto, diferente do que acontece na produção anterior, em The Book of Bobba Fett esses mecanismos são fracamente trabalhados. A começar pelo próprio protagonista, que acaba mais semelhante a uma caricatura do que ao próprio personagem. Além de, no quinto episódio, se ausentar totalmente da trama para dar espaço novamente à história de Grogu e Din Djarin.

Aqui podemos citar o último, e principal, problema da série. Não contente com ser objetivamente ruim, a trama insiste em estragar o enredo de The Mandalorian, que estava correndo perfeitamente bem. Ao invés de permitir que os fatos se desenrolem com calma durante a terceira temporada da série, os realizadores optaram por relegar uma possível parte central desta (o reencontro de Din e Grogu), para um rápido epísodio (desconexo da trama) em The Book of Bobba Fett.

Em última instância, The Book of Bobba Fett é uma série desnecessária que não soube se mostrar digna da existência.

Obi Wan Kenobi (2022)

Desde a pré-produção, a terceira série original Disney+ para a saga Star Wars já estava fadada ao fracasso. Toda a trama de 6 episódios baseia-se em apenas um roteiro para um filme de duas horas que tinha sido concebido para ser o primeiro de uma trilogia. Não obstante, a série insiste em contar fatos que não deveriam ser contados, além de possuir um enredo repetitivo e pouco original.

A narrativa gira em torno de um resgate da jovem princesa Leia que Obi-Wan precisa realizar e se passa 10 anos após os eventos de Revenge of the Sith. Dessa forma, retoma, novamente, personagens muito conhecidos pelo público, como, além dos já mencionados, Darth Vader/Anakin Skywalker, Luke Skywalker e Qui-Gon Jin. Aqui, além dos problemas já encontrados em The Book of Bobba Fett encontra-se uma trama vazia, que não consegue encontrar inspiração em nada além das interações anteriores da própria saga. Juntamente com isso, percebe-se uma falta de cuidado com os efeitos especiais, novamente diminuindo a intensidade de cenas importantíssimas, como um momento em que Darth Vader usa da força para parar uma nave que estava decolando (imagem 6).

Imagem 6: fotograma de Obi-Wan Kenobi que demonstra o descaso com a qualidade dos
efeitos especiais.

No fim das contas, Obi-Wan Kenobi é a pior das séries da saga, concorrendo com o episódio 9 (The Rise of Skywalker), pelo posto de pior produto de Star Wars já feito. Pois, além de ser desnecessária e não convencer o público de seu valor, como
The Book of Bobba Fett, a série ousa manchar, desrespeitosamente, o legado de quase todos os personagens mais icônicos do universo criado por George Lucas. Principalmente quando se trata do lendário Darth Vader, que, aqui, preso aos
espaços de 10 metros quadrados permitidos pelo “Volume”, se assemelha a um vilão caricato e sem profundidade de um filme qualquer.

Andor (2022)

Criada pelo roteirista do bem sucedido Rogue One: A Star Wars Story (Gareth Edwards, 2016), Tony Gilroy. Andor recupera um dos personagens principais desse filme, Cassian Andor, um jovem participante da rebelião. A proposta da trama é contar como o personagem se tornou o homem que conhecemos no filme, nesta primeira temporada, acompanhando eventos 5 anos antes dos eventos do filme, que por sua vez, se passa instantaneamente antes do primeiro filme da saga, de 1977.

Apesar de não ser perfeita, a série é um oásis em meio ao lixo que vinha sendo lançado. Nela, podemos ver bons exemplos de fan-service, retomando personagens famosos, mas dando sentido a sua presença ali. Este é o caso da Senadora Mon Mothma, que serve de condutor para um dos focos narrativos do enredo.

Com um tom político, a série explora o frenesi que foi o início da rebelião. Sabendo medir quando usar o “Volume” e quando aproveitar locações e estúdios que possibilitem uma maior amplitude aos espaços. Além de contar com um enredo extremamente original, que se apropria de tropos de gêneros como o heist movie, adaptando-os para o cenário da saga com maestria.

Imagem 7: fotograma de Andor mostra o personagem título se escondendo de Stormtroopers imperiais.

The Mandalorian – Temporada 3 (2023)

Depois de 2 anos, a série que iniciou tudo retornou. Após duas temporadas amplamente vangloriadas por ambos, crítica e público, a expectativa era inevitavelmente alta. Infelizmente, a produção não conseguiu atingir o patamar desejado.

A temporada é recheada de problemas. De início é possível citar o abandono do formato antológico anterior, trazendo agora episódios com ligações mais rígidas entre si, além de ter que retomar as resoluções que se deram em The Book of Bobba Fett logo no primeiro episódio. Din Djarin, agora excluído de seu povo por ter desrespeitado a doutrina, deve buscar remissão ao banhar-se nas águas sagradas de Mandalore, planeta que acredita-se ter se tornado inabitável. Essa premissa, porém, é rapidamente resolvida, desviando o foco da temporada a Bo-Katan e seu desejo de unificar novamente seu povo, que estava espalhado pela galáxia.

Para não dizer que a temporada não tem valor, os episódios 4 e 6 são bons, retomando um pouco dos aspectos das temporadas anteriores. Mas mesmo esses tomam decisões muito erradas, como o mecanismo da transferência do Darksaber a Bo-Katan, que é feita como se os roteiristas houvessem se esquecido do fato, apoiando-se em um evento equivalente a uma nota de rodapé de um episódio anterior. Além do desfecho da temporada, que é rápido e pouco desenvolvido, re-estabelecendo os mandalorianos, agora unificados, em seu planeta natal. Para os protagonistas, que haviam ficado quase em segundo plano, parece que o futuro reserva uma vida pacata em família na orla exterior.

Imagem 8: Mandalorianos vistos de longe em fotograma da terceira temporada de The Mandalorian

Lamentavelmente, a terceira temporada de The Mandalorian serve para solidificar o paradigma infeliz em que vemos as atuais séries live action da saga Star Wars. Paralelamente, com mais séries em produção, como Ahsoka (com estreia marcada para dia 23 de agosto de 2023), as expectativas são baixas, com o público, apesar de continuar esperançoso, se preparando para o pior.

Author Image

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual

More Posts

RUA

RUA - Revista Universitária do Audiovisual