10ª Conferência Internacional do Documentário: Filme vira Filme

Esse ano paralelamente ao festival ocorreu a 10ª Conferência Internacional do Documentário: Filme vira Filme. O tema da conferência esse ano, o filme de arquivo, permeou a programação de todo o É Tudo verdade, seja nas mostras competitivas ou nas retrospectivas. Esse fato evidencia a grande característica e qualidade que vem acompanhando o festival ao longo desses quinze anos: a contemporaneidade.

A primeira mesa tinha como tema “Panorama contemporâneo do documentário de arquivo.”, e seus participantes foram Michael Renov (Professor de Estudos da Crítica e reitor associado da USC Escola de Estudos Cinematográficos e Co-fundador da Visible Evidence, conferência internacional de estudos sobre o documentário) e Amir Labaki (Crítico de cinema e diretor do “É Tudo Verdade” Festival Internacional de Documentários). A mediadora foi Maria Dora Mourão (Vice-Diretora da ECA-USP, diretora do CINUSP “Paulo Emílio”, Pró-Reitoria de Cultura e extensão da Universidade de São Paulo e Presidente da Sociedade Amigos da Cinemateca).

10ª Conferência Internacional do Documentário

Michael Renov abriu a conferência descrevendo o significado do termo “filme de arquivo” criado por Jay Leyda em seu livro “Films Beget Films” (1964). Renov apontou que, no também conhecido “found footage”, o diretor não grava imagem alguma, dependendo de imagens de outros filmes, a qual edita recriando o velho, dando novos significados.

Renov logo lembrou que esse mecanismo não é exclusividade de cineastas, pesquisadores e teóricos, mas está presente no cotidiano da internet onde os remix são cada vez mais simultâneos ao antigo, formando uma rede online. O palestrante até citou o Festival of (In)appropriation em Los Angeles – EUA  em que os filmes inscritos devem utilizar ilegalmente imagens de arquivos (ou seja, não precisam dos milionários direito de imagem).

O estudo do filme de arquivo está intrinsecamente relacionado ao cinema soviético, pois Leyda viveu muitos anos na URSS durante a produção cinematográfica de Eisenstein e Vertov. Além disso, a montagem tem papel fundamental na escola soviética, da mesma forma que tem no filme de arquivo. Um terceiro ponto lembrado pelo teórico americano é o fato do historiador Leyda apontar Esther Schub (1894-1959) como pioneira do chamado filme de compilação.

Renov então mostrou um pequeno trecho de “Human Remain” (1998) de Jay Rosenblatt (mesmo diretor de “A Escuridão do Dia”, filme vencedor do 15° É Tudo Verdade na categoria curta metragem estrangeiro).

http://www.jayrosenblattfilms.com/human_remains.php

O filme é uma compilação de imagens de ditadores (Adolf Hitler, Benito Mussolini, Joseph Stalin, Francisco Franco e Mao Tsé Tung) em suas horas de sossego, montando novos significados irônicos.  Na sequência indicada, vemos Hitler comendo, conversando entre amigos, rindo, descansando ao som de uma voz over que descreve com sutiliza e sarcasmo as ações do líder.

Renov resaltou então que o filme de arquivo é sobretudo um filmes de ideias, experimental, que busca a re-expressão daquelas imagens já consolidadas. Para exemplificar o palestrante mostrou um trecho de “Everything at Once” (1985) de Alain Beliner. O filme tem um tratamento sonoro muito interessante, construindo uma coesão entre os diferentes planos que se sucedem, trazendo uma reconfiguração entre o espaço-tempo das imagens que nada tem de comum aparentemente. Ele explora um novo significado através da montagem, sucedendo por exemplo uma imagem de um homem que salta de um penhasco e quando toca o mar temos um contra-plano de um golfinho entrando na água azul ao invés do homem anterior. Essa linguagem demonstra a grande potencialidade do documentário de arquivo em trabalhar e juntar imagens e sons separados historicamente.

O ultimo filme mostrado por Renov foi “La Niebla em las Palmeras” de Carlos Molinero e Lola Salvador. http://www.lanieblaenlaspalmeras.com/nieblaingles.asp

Considerado pelos autores o primeiro filme quântico na historia do cinema, o documentário experimental utiliza apenas imagens já gravadas e monta conceitos complexos, relacionando com a física quântica e os átomos o poder dar imagens cinematográficas. “A redenção da realidade física” aponta a narrativa do filme que ainda diz que a imagem é a única forma de congelar o fóton e que uma fotografia é um fóton morto.

Foi então a vez de Amir Labaki fazer um panorama sobre o filme de arquivo no Brasil. Mas antes Labaki alertou que ao criar um documentário de arquivo, o material de base não é neutro porque é escolhido pelo diretor dentre milhões possíveis. Lembrou ainda da imprecisão que existe ao se trabalhar com imagens de arquivo pois nem sempre as datas e épocas são definidas. Afirmou portanto que a imagem histórica mente.

Labaki disse que nesse novo fluxo narrativo o material ficcional e documental dialogam entre si. Também são estabelecidas novas relações entre as imagens do passado e do presente.

O diretor do festival citou “Nós que aqui estamos por vós esperamos” (1998) de Marcelo Masagão como o primeiro filme de arquivo brasileiro de grande expressão.

Nesse documentário nenhuma imagem retrata a situação real construída e relatada pelos inter-títulos. A narrativa é nova e independente dos fatos históricos que ocorreram com as pessoas mostradas. Em uma sequência por exemplo, vemos um homem na linha de produção de um Ford T. No próximo plano, vemos outro homem distante na imagem, mas que os letreiros dizem ser o mesmo em um piquenique com a família. Está claro que essa relação é construída pelo filme e historicamente falsa. Segundo Labaki, Masagão comentou que no filme “tudo é o que eu quero que pareça”. Nesse novo uso determinado pelo realizador, o cinema derrota a historia, provocou Labaki.

Outro filme lembrado foi “Reminiscências” (1997) de Carlos Adriano. http://www.imdb.com/title/tt0334227/

No documentário experimental, o diretor utiliza apenas 11 fotogramas de um píer na Bahia de Guanabara, RJ, considerado o primeiro registro cinematográfico brasileiro (1897). O filme tem 18 minutos e explora a repetição continua da mesma imagem incessantemente, utilizando recursos da montagem como fusão, sobreposição, colorização, máscaras e texturização.

“Peões” (2004) de Eduardo Coutinho também foi um exemplo lembrado durante a fala do palestrante. O filme contrasta a figura de Lula sindical e presidente. A historia é contada do ponto de vista dos grevistas que participaram das greves do ABC paulista, que através de fotos da greve dão nome aos personagens anônimos e recordam do acontecimento.

Ao fim dessa mesa uma questão levantada por uma pesquisadora e um produtor, que assistiam a palestra, causou certa polêmica, mas foi extremamente bem colocada no âmbito da discussão. O questionamento era direcionado a própria Cinemateca Brasileira, local onde ocorria a palestra. A crítica era em razão dos altos preços para obter o direito da utilização das imagens de arquivo da Cinemateca. O produtor apontou que em seu projeto, o custo para utilizar 15s de imagem de diversos cinejornais chegou a ser orçado em R$ 7,200. Como patrimônio público, esse tipo de memória deveria ser de mais fácil acesso, argumentaram.

A crítica foi rebatida por Maria Dora Mourão, dizendo que a Cinemateca estava aberta ao diálogo para resolver certos problemas, mas que a preservação e manutenção de todo o aparato da cinemateca é caro e que possui pouco pessoal para a demanda de trabalho. Ela acrescentou que a primeira Sociedade de Amigos do Brasil foi a da cinemateca, que existe até hoje e mantém o funcionamento do local.

Outra questão levantada foi o difícil acesso aos arquivos de imagens de redes privadas como a Rede Globo. Essa questão atual vem colocando em xeque o próprio papel das concessões públicas.

A segunda mesa tinha como tema “Duas experiências: o uso de imagens de arquivos e a construção de sentidos”. Os participantes foram Eduardo Escorel (Montador de “Terra em transe”, “Cabra marcado para morrer” e “Santiago”, além de dirigir “Lição de Amor”, “Ato de Violência”, “O Tempo e o lugar”, “35 – O Assalto ao Poder” e “Vocação do Poder”, codirigido por José Joffily), e Susana de Sousa Dias (Cineasta e artista plástica portuguesa, professora na Faculdade de Belas Artes de Lisboa e diretora de “Processo-Crime 141/53-Enfermeiras no Estado Novo” (2000), “Natureza morta” (2005) e “48” (2010)). A moderadora foi Esther Hamburger (Professora e chefe do Departamento de Cinema, Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes da USP. Doutora em Antropologia Social pela University of Chicago.)

Esther Hamburger abriu a discussão levantando as diferentes possibilidades com que os dois realizadores utilizavam imagens de arquivo. Suzana de Souza, por uma lado buscava um viés mais artístico e poético em seus trabalhos “Natureza Morta” e o mais recente “48″ (exibido no festival este ano). Segundo a mediadora, as imagens de Suzana falam e dizem por si, sem necessitar de um narrador. Já Eduardo Escorel é mais histórico e narrativo em seus filmes de compilação.

A moderadora apontou que ambos, no entanto, tratam sobre o período de ditadura em seus países: Portugal (Salazar) e Brasil (Getulio Vargas). Ambos buscaram na temática a relação entre cinema e história. Buscam na memória (imagens) o que se esconde. Como articular essas imagens? Dois professores que mesclam a realização e a academiam, e que buscam a potencialização do cinema para sensações e sentimentos.

Suzana de Sousa Dias então falou sobre sua experiência na realização de “Natureza Morta” (2005). Utilizando apenas materiais de arquivo e sem recorrer a palavras, o filme redescobre e penetra na opacidade das imagens captadas durante os 48 anos da ditadura portuguesa (atualidades, reportagens de guerra, documentários de propaganda, fotografias de prisioneiros políticos, mas também planos descartados nunca utilizados nas montagens finais), permitindo a sua reabertura a diferentes leituras daquela realidade. Tenta assim mostrar o regime autoritário dentro das imagens do próprio regime

Fotos “Natureza morta” (2005) de Suzana de Sousa Dias

A realizadora apontou que tentou trabalhar com a ideia que dentro de uma imagem esconde-se sempre outra imagem. Está para além da crença e verdade da imagem. Essa “nova manipulação” ganha ainda mais força por se tratar de imagens familiares e históricas, conhecidas pela população em geral portuguesa.

Busca nas imagens o que está a mostra além da superfície, evidenciando os “pontos de doenças”. Procurar por esses sintomas foi objetivo do filme. Para isso utiliza a câmera lenta, o re-enquadramento e a fusão para preto como formas de atingir e evidenciar seu objetivo ao espectador.

Suzana disse que usou dois princípios estruturais: o filme não usaria palavras e não seria cronológico. Segundo ela, do presente analisamos o passado. Mas temos que pensar também como o passado chega ao presente. Seu filme não parte, portando, de fatos passados. Pensa ela que o passado não é um fato objetivo (pois é memória e por isso subjetiva). A imagem, por sua vez, não é ponto na linha cronológica, mas transpassa e se modifica, temporalmente impura e indeterminada. O filme não tem palavras para não condicionar a leitura.

A palestrante mostrou os planos originais dos trechos e só então como foram trabalhados em seu documentário. A diferença do significado é gritante. Penetra na imagem e percebe o que esta dentro dela. Os sons metálicos contrastam o plano original silencioso. Isso gera tensão que antes parecia amena. Em outro plano, a câmera em câmera-lenta treme à explosão de uma bomba próxima.  No plano original, isso passa quase imperceptível, mas no editado o movimento evidencia o papel da câmera no presente momento.

Ela optou por tirar a narração original e acrescentar uma trilha musical que muda o sentido. No entanto, afirmou que nunca subverteria a própria imagem, só explorando-a dentro da imagem-frame. Ela não monta planos e contra-planos atemporais à própria imagem. Toda montagem é feita no próprio frame, com aproximação e re-enquadramento, mas nunca juntando duas imagens aleatórias.

Eduardo Escorel definiu de quatro formas as maneiras de se utilizar as imagens de arquivo: arbitrária, ingênua, através da recusa e interrogativa. Escorel mostrou trechos de “35, Assalto ao Poder” e “32, a Guerra Civil”.

No primeiro filme aborda o ano de 1935 quando três levantes militares, em três diferentes capitais brasileiras, tentaram derrubar o governo de Getúlio Vargas. Desvenda a resposta violenta do governo aos insurretos que em muitos casos foram brutalmente torturados. Em poucos dias o movimento foi inteiramente dominado e esse foi um dos primeiros passos para a escalada autoritária de Getúlio Vargas que se manteria no poder até 1945. 35 – O filme documenta todos os lances da insurreição comunista e todas as etapas de um complexo processo que teve como protagonistas, além de Getúlio Vargas, Luiz Carlos Prestes, Octávio Brandão, Olga Benário, Gregório Bezerra, Giocondo Dias entre outros anti-heróis da utopia comunista na América Latina. Mostra, portanto, outro lado do governo populista muito enaltecido na época.

“32, a Guerra Civil” tem como tema a guerra civil em São Paulo que durou três meses. Nela, houve cerca de oitocentas vítimas fatais, mais do que o número de soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial. Apesar do apoio maciço da população e do alistamento espontâneo de 45 mil civis, os paulistas acabaram derrotados. O documentário trata desses eventos e questiona a noção ainda hoje dominante de que a guerra civil tinha propósitos separatistas. Escorel relatou que utilizou jornais regionais da época como pesquisa histórica. Lembrou que muitos deles desmentiam a realidade que os registros documentais tentavam passar e que até então eram as únicas imagens da história do período.

A terceira mesa teve como tema “O documentário de arquivo na América Latina”. Participaram Suzana Foxley Tapia (Roteirista e diretora de documentários, como “Nema Problema”, em parceria com Cristián Leighton, premiado nos festivais de Nova York, de Cinema Latino de Toronto e no FIDOCS (Chile) e o mediador Eduardo Morettin (coordenador do Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais da ECA-USP). Gregorio Carlos Rocha Valverde faltou ao encontro por problemas pessoais.

O desfalque na mesa acabou enfraquecendo um pouco a discussão. Morettin abriu os trabalhos dizendo que o documento não é inoculo e por isso o filme de arquivo tem o sentido no processo de desmistificar significado aparente das imagens. Apontou ainda que o registro é a crônica dos vencedores, sem as palavras dos vencidos. Como escapar daquilo que as imagens abordam?

Suzana apontou em sua fala sobre a descontinuidade que ocorre no Chile como um todo devido aos problemas político/social/natural. Seu primeiro vídeo apresentado na palestra, foi de um terremoto que ocorreu em décadas passadas, devastando o Chile. As imagens daquela época remetiam ao evento recente que ocorreu naquele país, evidenciando o problema da descontinuidade.

A ditadura de Pinochet é outro fator importante para essas rupturas. Apontou que o Chile era um país ameaçado pelo esquecimento, com memória obstinada. Os registros do passado revelam apenas as imagens da ditadura vangloriada por seu próprio regime. Essa regressão histórica é dolorosa aos chilenos. A busca do cinema chileno tenta encontrar novas adaptações através da articulação de novos meios.

É nesse contexto que nasce a utilização recorrente do registro familiar, em contraste com “oficial”. Trabalhos como o do cineasta chileno Christian Leighton (presente na mostra Foco Latino-Americano com seu filme “Kawase-San”) utilizam material de arquivo pessoal e a subjetividade para tentar desvendar a própria história. No Filme Leighton vai de encontro a cineasta japonesa Naomi Kawase (conhecida por seus filmes intimistas e historias perturbadoras de sua própria vida), tentando assim desvendar sua identidade através da relação com sua avô de 99 anos que beira a morte.

A última mesa da conferência contou com participações ilustres. O tema escolhido foi “Rememorando Jay Leyda: uma homenagem no centenário de seu nascimento.” Estiveram presentes como convidados Bill Nichols (professor de cinema na San Francisco State University e autor de dez livros, entre eles, “Introduction to Documentary”) e João Luiz Vieira (professor Associado do Departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense). A mesa foi mediada por Ismail Xavier (professor do Departamento de Cinema, Rádio e TV da ECA-USP).

Ismail Xavier apontou que tanto ele como João Luiz Vieira haviam sido alunos de Jay Leyda e rapidamente passou a palavra a Bill Nichols. O palestrante apontou que Leyda era um pioneiro na década de 50. O historiador de cinema tinha como ideia, já naquela época, elevar o cinema ao status de arte. Nichols definiu sua participação mais como um crítico de cinema (Film review) do que um teórico propriamente dito. Em seus textos escrevia como aquele que fala de filme que não vimos e qualifica, utilizando adjetivos. Diferente modo de análise que o próprio Bill Nichols ensina a seus alunos: “Seja específico, apresente justificativas”.

O palestrante lembrou que para Leyda a sátira é o primeiro passo para a crítica. Mas para ele isso tinha de ir além, não deveria parar na sátira pura, depois deveria existir algo que substitua. Pensava que devia criar algo melhor, utilizando a crítica construtiva. Era um observador participante, estando sempre nos eventos históricos de sua época. Sua vitalidade era justamente devida ao seu aspecto presencial. Não só relatava suas experiências, mas refletia sobre elas.

Segundo o palestrante, para Leyda o filme de arquivo estava relacionado com o cinema soviético, do qual participou diretamente durante o governo Stalin. Pensava no conceito de “retroagir” (Ter efeito sobre o passado; agir sobre coisas passadas ou já existentes; Modificar o que está feito).

Nichols mostrou um exemplo de como a montagem soviética funcionava para também entendermos a ideia da construção de novos sentidos que Leyda apontava para o cinema de arquivo. Uma imagem de um soldado alemão (significante/ator), seguida de uma imagem de lama (obstáculo), seguida da mesma imagem do soldado alemão movendo-se na posição distinta da anterior (resultado/conclusão). Construímos o significado na cabeça: Alemão fugindo, recuando.

Essa visão norteava a ideia principal do trabalho de Leyda: Entender de onde viemos para entender onde vamos. Pregava a sensibilidade a forma e do ritmo. O que significa ver historia por pedaços de historia? Bill Nichols terminou sua fala dizendo que o cinema trabalha o inverso da fala. No cinema, vemos uma imagem e construímos um conceito. Na fala criamos conceitos (símbolos) para então pensar em  imagens em nossas cabeças.

Esquerda para direita: João Vieira, Ismail Xavier e Bill Nichols.

João Vieira começou sua apresentação dialogando com o próprio cartaz do É Tudo Verdade 2010. Antes, Bill Nichols dissera que havia estado no Rio de Janeiro no meio das inundações e lama que tomaram conta da cidade na semana anterior. João Vieira relacionou a foto de Hildegard Rosenthal,  a lama, a chuva e a sujeira como uma bela reinterpretação de arquivo do ano de 2010, que segundo um comentário que havia ouvido estava com “encosto”

O palestrante novamente tocou no assunto da paródia apontada por Bill Nichols. Para Leyda, lembrou, sua principal preocupação era o que ficava de transformador depois do primeiro impacto da sátira. Para o historiador, filme era o próprio elemento de história.

Contou um caso relatado por Leyda em seu livro. Draiston[1] era um oficial Francês, judeu que foi acusado de ser espião da Rússia (primórdios do cinema, 1900s) e condenado ao exílio injustamente, já que outro oficial viria a desmentir o caso algum tempo depois. Esse evento foi vastamente divulgado pela Europa e a cobrança por imagens do caso era tanta que Dubie, um cineasta que levava cinejornais a áreas remotas da antiga URSS para o povo, resolveu forjar uma montagem utilizando uma seqüência de 4 seguimentos: Uma cena de um desfile militar Frances, um plano de uma rua de paris, um rebocador finlandês e o delta rio Nilo. Esses planos desconexos viraram através da narração do comentador e graças ao imaginário/ignorância dos espectadores: O capitão Draiston antes de ser preso, o palácio de justiça francês onde foi julgado, o oficial sendo transportado e a ilha do diabo onde havia sido preso.

O surgimento desse “novo” filme foi recebido com entusiasmo segundo os relatos. No pré cinema já existia então a desconfiança para com o material de arquivo.

Em outro caso relatado por Leyda, Eisenstein utilizou material de arquivo da marinha inglesa para compor Encouraçado Potemkin. Alemães ao ver a enorme frota “soviética” no filme ficaram apreensivos, mas depois o engano foi desmentido pelo próprio diretor.

João Vieira lembrou que Leyda buscava o casamento entre a prática e teoria: “cabeça e mãos”. Leyda se colocava como mediador nunca como um visionário. Sua sensatez vinha do fato de ser um cidadão do mundo, sempre socialmente insatisfeito. Participou do período de macarthismo nos EUA quando foi acusado de comunista, na URSS teve que migrar quando percebeu que Stalin não compartilhava de suas ideias, na China saiu um pouco antes da revolução cultural explodir com Mao. Não tinha postura de profeta para o estado das coisas e tinha atitude laica em relação aos arquivos de filmes: sem ser sacro em relação as imagens, historia, etc.

Possuia, lembrou Ismail Xavier, uma lucidez discreta. Condensou experiência e passou sem pompa e sem áurea seu conhecimento. Acadêmico humanista que teve um papel parecido a Paulo Emilio Salles Gomes no Brasil apontou Xavier.

Provocando a discussão, Michael Renov (presente em todas as mesas como ouvinte) levantou a dicotomia entre “manipulação ou recriação de sentido” sobre a utilização pregada pelo cinema soviético e, consequentemente a perspectiva de Leyda para a utilização de imagens de arquivo.

Ismail Xavier e Bill Nilchols responderam que Leyda acreditava no espírito critico do espectador (não no sentido institucional, mas no sentido da subjetividade), daquilo que está acontecendo. Cada caso é um caso, lembrou Ismail, cabendo aquele que assiste entender o sentido independente da forma. “A melhor, maneira não é vir com teoria, o fundamental é o embate, corpo a corpo com cada filme. Filme não pode ser ilustração de teoria. Ele é perceptivo com ou sem teoria. Teoria às vezes atrapalha. Estamos o tempo todo na corda bamba. Na arte geral, na política, na vida, nas relações pessoais, cada situação tem que ser vista individualmente”.

Agradecimentos: Marco Antonio e Waldete Silva.

Felipe Carrelli (felipecarrelli@gmail.com) é graduando do curso de Imagem e Som pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

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