16º Festival É Tudo Verdade 2011 – Oficina de Web Doc e 11ª Conferência Internacional do Documentário

Jorge Bodansky (diretor do premiado Iracema uma Transa Amazônica) começou sua consagrada carreira de documentarista pela fotografia. Foi dele a foto que ilustrou a identidade visual do 16° Festival Internacional de Documentários – É Tudo Verdade 2011.

A foto foi tirada em Brasília, quando Bodansky ainda era apenas um aluno do Instituto Nacional de Artes da UNB. A imagem é da antiga rodoviária de Brasilia, que mostra os contornos, traços e vazios da inconfundível cidade ainda em desenvolvimento.

Brasilia esteve bem representada nessa edição do festival: Dos documentários que assisti “Braxilia” de Danyella Proença, “Entre Vãos” de Luisa Caetano, “Meia Hora com Darcy” de Roberto Berliner e “Tancredo, A Travessia” de Silvio Tendler tinham a cidade presente seja como tema, local de gravação ou produção.

Esse foi o quarto ano consecutivo que fiz a cobertura do É Tudo Verdade pela Revista Universitária do Audiovisual, e foi de longe o ano em que pude melhor aproveitar as diferentes atividades que o festival proporciona.

Este artigo é dividido em duas partes. Na primeira farei um pequeno resumo da oficina de Web Doc ministrada por Jorge Bodansky. A segunda parte é destinada as mesas da 11ª Conferência Internacional do Documentário, que teve como tema A Entrevista no Documentário.

Em outro artigo ainda nessa edição da RUA eu e Lígia Gabarra fazemos um apanhado geral das mostras competitivas e das mostras paralelas, contando um pouco sobre os filmes que assistimos ao longo dessa primeira semana de Abril, marcante para realizadores, pesquisadores e amantes do cinema documentário.

Oficina de Web Doc

Ministrada por Jorge Bodansky, a oficina de Web Doc foi realizada nos dias 01 e 02 de abril, na Livraria Cultura do Bourbon Shopping em São Paulo. Essa foi a primeira oficina que Bodansky realizou sobre o tema de Web Doc e por isso disse que estava aberto às diferentes colaborações do público.
A oficina contou com a participação de interessados em documentário de diversas áreas de atuação, o que proporcionou um debate descontraído, aberto e que permeou diversos temas dentro da realização e divulgação do cinema documentário.

Bodansky contou sobre sua extensa experiência ao longo dos anos com trabalhos documentais divulgados na internet. Seu trabalho com o Projeto Pele Verde e TV Navegar (http://tvnavegar.com.br/) são exemplos de sucesso entre essa convergência de novas mídias e documentário.
O projeto TV Navegar – Web TV de temática socioambiental com foco na Amazônia – tem como característica dar voz à população local, capacitando-a a gerar seus próprios conteúdos, numa visão de dentro para fora. A equipe realizou oficinas de vídeo nas comunidades indígenas e ribeirinhas na Amazônia, ensinando aos moradores como utilizar os equipamentos e possibilitando a elaboração e execução de projetos de pesquisa com base na identidade amazônica nas áreas de educação, cultura, turismo e lazer. Esses trabalhos realizados pela comunidade eram disponibilizados no site em vídeos de curta duração. Hoje são mais de 100 vídeos postados no site.

Além disso, as mais de 50 horas registradas ao longo do projeto foram transformadas em um longa metragem – No Meio do Rio entre as Árvores, exibido ano passado no É Tudo Verdade (para saber mais acesse: http://localhost/rua/?p=2784 ).
O diretor apontou a importância dessa convergência entre os projetos. Para ele, é importante que um trabalho de documentário seja utilizado para TUDO, e não apenas para o cinema, ou para a TV ou para a internet. Ele frisou diversas vezes ao longo do encontro a importância de se pensar diversas mídias (internet, celular) como potencial veiculo de divulgação do documentário.

Jorge disse que atualmente acredita que nem mesmo a limitação de tempo deve ser um fator de impedimento para o documentário na internet. Ele lembrou que a tendência de videos curtos (estilo youtube) está entrando em desuso já que hoje em dia podemos conectar o computador na televisão e assistir com alta resolução e conforto. Ao contrario de antigamente quando a qualidade da velocidade da internet e da qualidade da imagem limitavam o espectador a pequenas telinhas de visualização em frente ao computador. Ao contrário do que ele anteriormente pensava ser o caminho correto, pensa que filmes documentários de longa duração também terão espaço na web.

Crédito da foto: Festival É Tudo Verdade 2011

O documentarista lembrou que a produção do produto audiovisual parte do mesmo principio que antigamente: A IDÉIA. Por isso é preciso ter uma boa idéia antes de pensar o formato de gravação, exibição, etc…
Bodansky contou o caso de Iracema uma Transa Amazonica, seu primeiro filme de repercussão mundial (selecionado para Cannes). O doc drama era inicialmente feita para um programa de televisão alemã. Quando foi selecionado, teve que sair atrás de patrocínio para transformar o filme 16 mm (padrão para TV na época) para 35 mm. Como havia gravado a banda sonora e a imagem em uma película somente, teve grande dificuldade para transferir para 35 mm. Essa experiência mostrou que em futuros trabalhos deveria prever a distribuição de seus trabalhos a longo prazo e não apenas para o programado.

Para ele, o digital trás benefícios, mas também preocupações. Ele afirmou que pelo fato do digital ser barato, possibilitando a gravação de um material muito maior que o da época da película, o realizador estaria perdendo a concentração. Ele alertou que as vezes gravar muito material pode resultar na perda do foco, e que por isso a edição que antes durava 15 dias (em Iracema por exemplo, para 90 minutos de filme) hoje demorava de dois a três meses.

Bodansky mostrou diversos trabalhos interessantes que utilizam a internet como meio de divulgação do documentário. Entre eles o trabalho realizado junto com a cidade do conhecimento da USP pelo professor Gilson Schwartz e pela Universidade Nômade www.universidadenomade.org.br

Além disso, Bodansky ainda relatou a interessante experiência de filmagem de Iracema. O filme foi exibido tanto em festivais de ficção como documentário, graças ao hibridismo que conseguiu durante seu processo de realização. Ele contou que contratou apenas um ator, o motorista de caminhão (interpretado por Pereio), e que a jovem Iracema foi uma não atriz que foi selecionada durante um casting na região amazônica. O diretor disse que as cenas nunca eram repetidas, pois buscava a improvisação do não ator (segundo ele o não ator ao tentar  realizar a cena novamente, tenta copiar o que fez na primeira, ficando falso por não ser ator). Os outros personagens são pessoas que estavam nos locais de gravação, portanto são atores sociais (documentário).

No segundo dia da oficina, foi pedido que cada participante realizasse um vídeo curto de até um minuto sobre o tema WEB DOC. Assistimos aos vídeos e foram feitos comentários sobre a forma de realização, a ideia e a abordagem de cada um. Os vídeos podem ser visualizados no youtube: http://www.youtube.com/user/webdocverdade2011. Aqui uma edição dos diversos vídeos por Cristina G. Müller: http://www.youtube.com/watch?v=45uFhF8Eixk

Após a oficina, foi criado um grupo no facebook para trocar de informações entre os participantes e interessados: WEBDOC VERDADE

No geral a oficina foi muito produtiva. Tivemos a oportunidade de compartilhar experiências entre diversas áreas de atuação, aprender um pouco sobre a vasta experiência de Jorge Bodansky e também criar vínculos através dessas redes sociais divulgando nossos trabalhos.

Ao final assistimos a um curto documentário de Evaldo Mocarzel sobre Jorge Bodansky durante a realização do Projeto Navegar. No documentário Jorge conta mais algumas experiências de sua trajetória além de revelar fatos curiosos de cada filme que realizou.

11ª Conferência Internacional do Documentário – A Entrevista no Documentário

Completando 11 anos em 2011, a Conferencia Internacional do Documentário foi realizada na Cinemateca brasileira, entre os dias 7 e 9 de abril.  Parte integrante e indissociável do festival, a conferência tem permeado diversos temas, as vezes abrangentes, as vezes específicos, mas sempre contribuindo para a prática e para  o pensar documentário.

Esse ano, o tema escolhido foi a “entrevista no documentário”. As 4 mesas tinham o objetivo de discutir se o documentário estaria sofrendo com a banalização da palavras, pelo excesso da utilização da entrevista como única forma e estilo no documentário predominante.  A frase escrita por Jean Claude Bernadet em seu livro Cineastas Imagem do Povo foi muito lembrada constantemente durante o congresso: “a entrevista se generalizou e tornou-se feijão com arroz do documentário cinematográfico e televisivo… A entrevista virou cacoete”. Estaríamos nos prendendo a esse estilo e nos tornando menos criativos?

Ao longo das mesas, foi lembrada a importância da virada da década de 1950 para a de 1960 para que essa discussão tivesse efeito hoje em dia. Nessa época surgiu a possibilidade de gravar som e imagem sincronizadas através do gravador NAGRA. A leveza e agilidade dos equipamentos causaram um turning point no documentário, possibilitando aos realizadores maiores mobilidade, maior interação com os entrevistados e consequentemente novas maneiras de pensar o documentário.

 Tendo a entrevista como ponto de partida, a Conferência também prestou uma homenagem aos 70 anos da documentarista russa Marina Goldovskaya. Essa foi inclusive a primeira mesa da conferencia: “Uma Mulher com Uma Câmera: Uma Homenagem a Marina Goldovskaya”.

Um dos principais nomes do documentário russo, Goldovskaya dirigiu mais de 30 filmes, sempre utilizando personagens muito particulares para representar as mudanças políticas da sociedade russa na transição do modelo soviético até os dias atuais. Seus filmes tem a capacidade espetacular de misturar o público com o privado.

Seu pai era um famoso câmera man da época de ouro do cinema russo. Sua família morou em um edifício com diversos cineastas, entre eles Dziga Vertov, Sergei Eiseinstein, entre outros. Apesar da resistência de seu pai, ela logo se interessou pelo cinema e resolveu seguir carreira como cinegrafista. Apesar de começar como fotografa, logo percebeu seu jeito com a direção, mas nunca mais largou a câmera, e em todos os seus filmes ela mesma opera a câmera. Esse fato tem influencia em seu cinema, pois ela consegue uma peculiar aproximação com seus entrevistados.

Muito simpática, serena e sorridente, Maria Goldovskaya dividiu a mesa com o diretor do festival Amir Labaki que apresentou a diretora e depois fez perguntas que ela ia respondendo com característica simpatia e irreverência.

Crédito da foto: Festival É Tudo Verdade 2011

 Ela disse que sempre tentou gravar “a vida como ela é”. E isso lhe causou problemas durante o regime de Stalin pois, segundo ela mesma, “a vida era horrível.” Ela contou que inclusive queriam destruir um de seus filmes, mas conseguiu fugir com a cópia original.

Em seu livro de memórias Goldovskaya conta que no começo existia um preconceito contra mulheres no cinema. Também relata a relação de seu pai com famosos cineastas, inclusive os irmãos Lumier.

Segundo ela, seu filme mais importante foi “O Regime SOLOVKI (1987)”, um filme sobre a principal prisão política dos tempos da URSS, e que foi gravado ainda sobre a pressão do regime, totalmente underground e com os recursos do próprio estado. A diretora contou que escreveu um projeto de 60 paginas: 59 sobre a ilha onde a prisão era localizada, e apenas uma sobre a prisão em si, o que despistou a censura e possibilitou que a equipe tivesse recursos para gravar.

Em seu mais recente filme “Gosto amargo de liberdade (2011)” Goldovskaya apresenta uma forma de discurso diferente dos filmes anteriores. A diretora aparece mais, sua voz esta mais presente assim como sua imagem.  Segundo ela, isso se deve a mudança tecnológica, em que as câmeras portáteis são cada vez menores e mais praticas. Essa mudança foi um processo natural, orgânico.

Amir Labaki perguntou sobre experiência da diretora com a ficção. Ela disse que foi traumática. Na época, participou da filmagem de um cineasta iniciante, segundo ela muito nervoso e confuso. O filme era Rolo Compressor (1960) e o diretor Andrei Tarkovski. A diretora brincou que Tarkovski estava sempre comendo bananas que sua mulher o dava e a todo momento manifestava seus tiques nervosos. Goldovskaya não se identificou com o estresse e com o ritmo alucinado e repetitivo e por isso resolveu fixar sua obra na conversa e no drama da entrevista. “A vida é imprescindível” – disse a diretora.

No segundo dia de conferencia ocorreu a mesa “Técnicas e Procedimentos da Entrevista no Documentário”. Os convidados foram Jorge Campos (documentarista e professor universitário que trabalhou por 25 anos na televisão portuguesa), Silvio Tendler (documentarista de JK – Uma trajetória política (1980), Jango (1984) e Tancredo, Uma Travessia (2011) – esse ultimo apresentado nessa edição do festival), e o mediador foi Sergio Rizzo (jornalista, crítico de cinema e professor da FAAP).

Crédito da foto: Festival É Tudo Verdade 2011

Sergio Rizzo abriu as discussões levantando algumas questões pertinentes a qualquer realizador antes do processo de gravação: Pesquisas prévias devem ser realizadas? Há uso de câmera ou não nas entrevistas prévias? Durante a captação, será desenvolvido um roteiro detalhado ou as filmagens serão mais abertas ao acaso? Onde serão gravadas as entrevistas?Como o entrevistado será posicionado diante da câmera? Como estabelecer a direção do olhar do entrevistado? Ele olha para a câmera? Olha para o entrevistador? 

 
 

Silvio Tendler então ressaltou a importância da palavra no documentário. Ele lembrou que nos primórdios era vedado o direito a fala aos diretores. Os documentaristas tinham que utilizar os entrevistados para expor suas teses, no entanto o recorte sempre foi do diretor. Isso resultava em estereótipos e simplificações que eram prejudiciais ao cinema documentário.

Tendler apontou que utiliza em seus filmes atores da história. Não gosta de cientistas políticos, evitando sempre que puder a essas opiniões de especialistas. Prefere as entrevistas de pessoas que participaram dos eventos. Seu método de entrevista é simples: ele explica o tema do documentário antes ao entrevistado, mas não alerta qual serão as perguntas. Tendler afirma que prefere a surpresa, pois se a pergunta surpreende o entrevistado, a resposta surpreenderá o entrevistador.

Ele ainda defendeu a não utilização de um roteiro de perguntas pré estabelecido, pois busca a liberdade, o acaso, o fluxo da conversa. Suas entrevistas geralmente são demoradas, ele  escuta tudo o que o entrevistado tem a dizer, descontrai o ambiente e então começa a entrevista real. Brincou dizendo que suas entrevistas começam quando acabam.

O documentarista ainda lembrou que preza pelo respeito aos entrevistados, mesmo que discorde de sua postura política e suas opiniões pessoais. Evita o interrogatório e deixa o entrevistado a vontade, sem delimitar para onde direciona o olhar, se posiciona diante da câmera, e busca respeitar os SILENCIOS do entrevistado. Tendler disse que sempre pergunta se o entrevistado tem algo que gostaria de falar que ele não perguntou, deixando livre uma ultima colaboração ao entrevistado.

Jorge Campos abriu sua fala dizendo que ainda não havia retirado a caspa que a televisão havia deixado nele durante esses 25 anos. Sua posição é enfática com respeito ao sistema da TV: o mundo é condicionado ao dispositivo da televisão.

Segundo ele, na TV se “produzem entrevistas”, caça-se o som necessário a idéia pré estabelecida. É a desrealização do mundo. Na Europa, a TV pública já sucumbiu ao mesmo sistema da TV privada: é um entidade conformadora do pensamento, uma máquina de propaganda e de vender produtos. A TV oferece doses homeopáticas de opiniões que divergem da sua ideologia central, com o único objetivo de legitimar o discurso predominante.

No cinema a palavra também é importante, mas existe a importância da imagem ao contrario da TV. Ele defendeu que a imagem é o ponto central do cinema: é preciso restituir a imagem como elemento central de uma narrativa. Disse que nos documentários da televisão, a imagem passa a ter apenas um caráter de ilustração da palavra.

Ele exibiu ao curta de Robert Drew intitulado “Faces os November” em que o documentarista faz o registro sobre o enterro do presidente Kennedy sem utilizar a palavra, apenas com imagens. Os planos apresentam muita contenção e dignidade, diferente do sensacionalismo vigente nos noticiários.

Lembrou um fato interessante, dizendo que Errol Morris (Tênue Linha da Morte) nunca encontrava com seus entrevistados. Ele usava um dispositivo em que fazia perguntas por uma televisão (como uma webcam antiga), pois a melhor coisa que os americanos faziam era ver TV, portanto prestariam atenção em suas perguntas.

Questionados ao final da palestra se entrevistariam pessoas que tivessem opiniões divergentes as suas utilizando métodos como Michael Moore (entrevistas violentas, interrogatórios ofensivos), Jorge Campos lembrou uma brincadeira anárquica famosa para discordar do método: “Se alguém diz ao contrário é porque tem razão”.

Na terceira mesa o tema escolhido foi “Reflexão sobre a função da entrevista no documentário”. Os palestrantes foram Consuelo Lins (documentarista que trabalhou em diversos filmes de Eduardo Coutinho), Pablo Corro (jornalista, professor da Faculdade de Comunicações da Pontifica Universidade Católica do Chile) e a mediação coube a Esther Hamburguer (professora da ECA-USP e diretora do CINUSP).

Consuelo Lins começou sua fala lembrando o já citado texto de Jean Claude, que afirma que a entrevista virou forma repetitiva e preguiçosa de se realizar documentários. No entanto, Coutinho é um diretor que legitima filmes documentários de entrevista. Sua metodologia de entrevista e seu dom de extrair informações cruciais de seus entrevistados faz com que seu cinema seja reconhecido mundialmente.

 

Crédito da foto: Festival É Tudo Verdade 2011

A palestrante passou um trecho do filme de Antonionni, Profissão Repórter, em que Jack Nicholson entrevista um xamã que responde: Essas perguntas que você faz dizem mais respeito sobre você do que minhas respostas dirão sobre mim. Então ele vira a câmera para o entrevistador e diz: Agora você pode perguntar as mesmas perguntas anteriores.

Essa desconstrução da entrevista foi seguida da exibição de um trecho do documentário “Tiros em Columbine” de Michael Moore. No trecho, o diretor não deixa o entrevistado falar, e prejudica o andamento da entrevista com suas perguntas, cortando a palavra de seu interlocutor.  Consuelo apontou que gostaria de escutar mais a opinião do entrevistado, pois representava um preconceito que dizia muito sobre a mentalidade da população conservadora americana, e que entender essa opinião era fundamental para entender o porque das decisões daquela camada da população.

Outro filme exibido foi Babilonia 2000 de Eduardo Coutinho. No trecho, uma mulher afirma que é ateia, e Coutinho pede pra ela explicar o que é aquilo. Essa sensibilidade de Coutinho desautomatiza a entrevista. Não há o julgamento na escuta, o diretor interage sempre, esta sempre atento ao que o entrevistado tem a dizer, por mais que discorde.

Assistimos ainda um trecho de Edificio Master (Eduardo Coutinho) em que uma mulher opina que não existe pobreza no Brasil, as pessoas são pobres porque querem, porque tem preguiça. Apesar de ser uma opinião forte e polemica, Coutinho estimula e encoraja a entrevistada, deixando ela a vontade para expor sua opinião, que apesar de contestável representa a opinião de uma parte da população brasileira.

Pablo Corro apresentou trechos de 3 filmes. O primeiro foi Shoa que mostra o debate entre o realizador e seu entrevistado. O filme trata do holocausto judeu na segunda guerra mundial, e o personagem esta contando como a família de um amigo seu foi massacrada. Em um certo momento ele para e não consegue prosseguir afirmando que é muito horroroso para ser contado. Então o documentarista (em um tom off, como se volta-se de sua representação de documentarista para amigo) e diz: mas você sabe que tem que contar, tem que contar! Em outro momento, outro sobrevivente do holocausto conta a sua historia terrível com um largo sorriso no rosto, e o documentarista se incomoda porque ele esta sorrindo. Nesse caso, vamos a divergência entre a palavra e a imagem, e isso desconcerta o documentarista, ao passo que o entrevistado não vê problema algum nesse fato.

Outro documentário mostrado foi Sacrificio (2001) que mostra a historia da morte de Che Guevara. O terceiro e ultimo foi um trecho de Nostalgia da Luz (Patricia Gasron, 2010) que se utiliza de um espaço arqueológico (onde também são feitas observações astronômicas) para mostrar a contradição chilena em busca de sua memória e sua historia (em quanto tentam descobrir através da arqueologia e astronomia um passado longínquo, o passado recente da ditadura militar – com seus torturadores impunes – é esquecido). 

Pablo Corro apontou que a entrevista é uma relação de choque, de divergência. Lembrou que a expressão da idéia exige a pausa, o silencio, o erro… e que essa liberdade deve ser dada ao entrevistado. A entrevista exige contradições, como no sorriso do homem que conta uma tragédia. São nesses momentos que novos discursos nascem, novos significados, a síntese de uma busca ou de uma idéia.

Infelizmente não pude participar da quarta mesa que discutiu “A entrevista e sua função nos diferentes estilos do documentário” e teve a presença de Michael Renov (reitor da School of Cinematics Arts da University of South California e presente em todas as edições da conferência internacional do documentário) e Elizabeth Cowie (pesquisadora e professora universitária da University of Kent). A mesa foi mediada por Maria Dora Mourão.

*Felipe Carrelli é graduado em Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar .

Leia também a primeira parte da cobertura sobre o 16º Festival É Tudo Verdade.

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Este post tem 2 comentários

  1. Author Image

    Muito bacana a iniciativa da cobertura!!!

    Especialmente da Conferência, que não tive tempo de prestigiar!

    Aproveito para deixar aqui disponibilizado para quem tiver curiosidade, um vídeo de making of da Oficina WebDoc, que aproveitou um pedaço da edição feita pela Cristina Muller, publicado em meu blog pessoal:
    http://videorreporter.blogspot.com/2011/04/webdoc-verdade-2011.html

    Lá tem também uma entrevista que fiz com Bodanzky:
    http://videorreporter.blogspot.com/2011/04/jorge-bodansky-fala-com-exclusividade.html

    Espero que possa contribuir para enriquecer de alguma forma a troca de ideias entre os participantes do grupo e os leitores da ufscar!

    Obrigado!
    PC

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