64º Berlinale – Festival Internacional de Cinema de Berlim por Thiago Jacot

*Thiago Jacot

A Zoe, em 2013, me disse em conversa por facebook que tinha conseguido uma credencial de estudante para participar do festival de Berlim. Na época ela estava estudando através de um programa de intercâmbio na Alemanha e, marota do jeito que é, conseguiu essa. Nessa vida de editor da RUA fuçamos arriba, abajo e al centro atrás de novos, no caso dela antiga, colaboradores para as edições da revista. E nesse processo sempre descobrimos coisas desse universo audiovisual. Uma colega nossa do curso de Imagem e Som conseguiu uma credencial para participar da Berlinale! Legal não? Pois é possível conseguir e poucas pessoas sabem disso. Mal sabia eu que um ano depois estaria aterrissando em Berlim, olhando pela janela do avião os lindos lagos congelados nos arredores da cidade, sentindo a ansiedade apertar meu estômago e morrendo de medo por causa do frio. Escutei por cima a conversa de um passageiro alemão daqueles que gostam de falar sobre clima (identifiquei pelo seu sotaque em inglês), que semana passada a cidade tinha feito -12 graus Celsius. Cacilda!!! Se quando fez três eu já estava pedindo arrego, imagina -12?  Acredite, clima é um assunto muito interessante por essas bandas por conta da sua imprevisibilidade.  Bem, como cinema sempre vai ser um assunto mais interessante que clima, penso eu, então voltemos aonde eu estava. O que rola é o seguinte: Existe uma categoria de credenciais concedidas pela Berlinale que são destinadas para estudantes de universidades e escolas de cinema do mundo todo. Porém, você como estudante não pode pedir e se inscrever diretamente para elas. É necessário sua universidade para intermediar o processo. Ou seja, a sua universidade te inscreve. Dessa forma, a Berlinale já sabe a qual instituição você está vinculado e tal. A credencial custa 60.00 euros, e todos os custos adicionais como passagem, transporte e alimentação ficam por sua conta. Mas super vale porque ela te dá acesso a quase tudo como sessões de filmes e masterclass. Não vale para eventos fechados a imprensa, exibições fechadas para convidados e críticos, e as estreias no Berlinale Palaste, que é onde passam as pessoas famosas no tapete vermelho. No meu caso, foi meio corrido, porque eu estava , agora  no final de 2013 falando com a Zoe novamente, pedindo conselhos e dicas de como conseguir a credencial, e na mesma hora me ocorreu mandar um email para a coordenadora do meu curso aqui na Inglaterra. Dito e feito. Ela me responde logo em seguinda que o prazo final para inscrição da credencial era no dia seguinte e me perguntava se eu queria mesmo. Eu respondi: Opa, não pense duas vezes! Depois, o festival entra em contato e lhe envia um código que dá acesso à área do site para efetuar a inscrição. Porém de novo, o fato de se inscrever, segundo o festival, não garante que já se conseguiu. É preciso aguardar o envio de um email de confirmação, o que foi bem simples. Uma vez enviado, pronto, corre para o abraço.

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Marlene Dietrich Platz – Local onde se Localiza Berlinale Palast, o cinema principal. Foto: Thiago Jacot

Graças as dicas da Zoe e da agilidade da minha coordenadora, consegui a credencial.  Eles também mandam informações sobre como chegar e em que local coletá-la.  E detalhe:  Só se pode conseguir e se inscrever para uma credencial de estudante uma vez. Então era uma chance que eu não podia perder enquanto eu ainda estivesse na Europa e tivesse uma bolsa de um programa como o Ciências sem Fronteiras que me permitiria arcar com os custos. Existem outras credenciais como a de profissionais do European Film Market, local qual acontecem as rodadas de negócios de projetos, filmes e seus direitos de exibição pelo mundo, mas como estudante uma vez na vida mesmo. Para pegar o ingresso era um espetáculo em si, porque é preciso acordar cedo tipo 06 da manhã e enfrentar a fila de ávidos cinéfilos.  Era um balcão a parte para os credenciados. Eu juro que vi gente dormindo dentro de sacos de dormir em frente a bilheteria às cinco da manhã, ainda mais quando sabiam que era dia de filmes concorridos como Nymphomaniac – director’s cut do Lars von Trier. Era concorrido, mas era um dos momentos mais bacanas. Era o momento que eu debatia e conversava com várias pessoas sobre nossos filmes preferidos no festival, o que assistimos até o momento e o que recomendávamos. Todo mundo lá morrendo de frio, mas aproveitando o café e o chá quente de graça oferecido pela organização. O kit dos mais profissionais era garrafa térmica com bebida quente ou frasqueria com uísque, banquinho dobrável, planilha do excel para organizar todas as sessões do festival. Mas todos tinham a programação do festival na mão e uma caneta, e todos iam circulando os filmes que desejavam ver. Nessa fila, conheci a Simona. Além de gostar muito de gatos, amar Roma e ao mesmo tempo achá-la um caos, Simona é uma produtora italiana que está morando em Berlim tentando a sorte na indústria de lá porque, segundo ela, a indústria cinematográfica na Itália está em colapso. Além de falarmos muito sobre cinema italiano, ela disse que fez entrevista para trabalhar na produção de O Grande Hotel Budapeste do Wes Anderson e Caçadores de Obras-Primas de George Clooney, porque os dois foram filmados na Alemanha. Mas ela disse que muita gente também estava tentando a sorte e não conseguiu a vaga. Mas ia tentando porque havia algo de  fresco no ar de Berlim que a fazia ficar. E olha, ela tem toda razão. A cidade é incrível. Um ambiente extremamente artístico e criativo, várias ruas com street art e grafite nas paredes, uma arquitetura fantástica, um sistema de transporte invejável com vagões de trem lindinhos e amarelinhos. É como se a cidade fosse jovem novamente e, depois da reunificação e a queda do muro, caminhanhasse para novos e frescos descobrimentos, como reinventar-se. A Berlinale realmente conecta a cidade, fantasticamente, pois as sessões de aproximadamente 400 filmes, em 10 categorias diferentes, aconteciam simultaneamente em diversos cinemas da cidade, e quase sempre esgotadas. Por dez dias, Berlim respira e vive cinema. A cidade fica cheia de profissionais, estudantes e público do mundo inteiro.  Era muito comum, nessa ambição audiovisual, eu pegar ingressos para 4 filmes em um dia e sair correndo, com apenas uma hora de intervalo entre uma e outra sessão para tentar chegar no cinema do outro lado da cidade. Não só eu, atesto, porque vi um monte de gente no metrô correndo com a credencial no pescoço ou mesmo carregando uma eco bag estampada com o logo do leão do festival. Era muito comum e lindo ver nas esquinas, no meio da rua, nos cafés e restaurantes, no metrô, no ônibus, pessoas conversando sobre o festival, sobre filmes, sobre cinema! Apenas o fato de eu estar usando credencial fazia um monte de gente me parar na rua, no metrô para trocar ideias, inclusive um alemão que morou em Recife por 13 anos. Esse momentos eram mágicos. Algo que só o cinema poderia proporcionar em um festival como esse. No hostel que fiquei hospedado, praticamente todo mundo estava lá para a Berlinale, pessoas da Inglaterra, da Rússia, Finlândia, Estados Unidos. Fiz muitos novos amigos com diferentes perspectivas sobre cinema, o que dava ao fim do dia um debate bom e acalorado no louge do hostel. Sem falar dos cinemas deslumbrantes. Alguns deles são chamados de Palaste (palácio em alemão) e de fato, são como grandes monumentos ao cinema. São salas gigantes, confortáveis, com cortinas douradas em frente a tela que subiam para revelar o filme que iríamos assistir. O fato de frequentar a sala de exibição já era maravilhoso por apenas estar lá. O meu preferido, com certeza, é o Zoo Palaste.

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Zoo Palast, Berlim.

Com toda essa atmosfera ao meu redor, foi fácil para esse estudante de cinema atingir o êxtase e perceber que pessoas que admiramos e que achamos foda vivem no mesmo universo que nós. Eu estudo roteiro e tive a oportunidade de assistir duas masterclasses da programação da Berlinale Talents (http://www.berlinale-talents.de/campus/event/coveragex) chamadas Once Upon a Time: How to start a film? com Greta Gerwig, Michel Gondry e James Schamus falando do processo criativo deles em cima do roteiro de filmes que eu adoro. São eles:  Frances Ha (Greta escreveu o roteiro em parceria com o diretor Noah Baumbach), O Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças (escrito por Charlie Kaufman) e, um filme que gosto menos, Tempestade de Gelo (escrito por James e dirigido por Ang Lee. James é um importante produtor americano e foi dono da Focus Features);

"Once Upon a Time: How to start a film?" Da esquerda para direita Michel Gondry, James Schamus e Greta Gerwig na Berlinale Talents. Foto: © Peter Himsel
“Once Upon a Time: How to start a film?” Da esquerda para direita Michel Gondry, James Schamus e Greta Gerwig na Berlinale Talents. Foto: © Peter Himsel

e Women On the Verge of a Nervous Breakdown: Successful Screenwriting com Claudia Llosa, diretora peruana e vencedora do Leão de Ouro em 2009 com A Teta Assustada,  o  roteirsta romeno Răzvan Rădulescu (responsável por vários sucessos do cinema romeno contemporâneo como Child’s Pose e 4 meses, 3 semanas, 2 dias no qual foi roteirista consultor) e Tony Grisoni ( roteirista em Medo e Delirio de Terry Gillian e da série Southcliffe, sucesso na TV britânica atualmente).

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“Women on the Verge of a Nervous Breakdown: Successful Screenwriting” Da esquerda para a direita Răzvan Rădulescu, Claudia Llosa e Tony Grisoni.

Também vi Karim Ainouz, Wagner Moura, Jesuíta Barbosa e o ator alemão Clemens Schick (que mais tarde encontrei e conversei num bar em Berlim) falando sobre Praia do Futuro para jornalistas. Cao Guimarães e Marcelo Gomes em pessoa apresentaram O Homem das Multidões e se ofereceram para conversar com o público, de boa, fora da sala ao término do filme. Vi do outro lado da rua Christoph Waltz, Tony Leung e os membros do júri andando até seus carros, sem muita neura com segurança.  E devo ter chorado quando Hanna Schygulla, a divina atriz alemã nas parcerias com Fassbinder, levantou da cadeira a minha frente para receber uma homenagem no palco no dia da sessão do filme Baal.

Eu juro que eu tento evitar a tietagem, mas é difícil. Eu admiro demais essas pessoas e seus trabalhos.  Você percebe que para além de toda imagem midiática e do imaginário coletivo, esses profissionais que admiramos são reais e estavam ali em Berlim circulando por perto. E como é genial e contagiante! Certamente, para um estudante de cinema é um sonho acontecendo. Mas não se enganem, pois também assisti uma porção de filmes medianos e ruins. Deve ser normal numa seleção desse tamanho. Na minha opinião, os filmes da Competição Oficial eram menos interessantes que os filmes nas sessões chamadas de paralelas, talvez porque eles obedeçam certos critérios de seleção que conversem e sejam mais adequados a um público e um mercado com um certo olhar adestrado. Poucos filmes eram instigantes ou geravam reações na plateia nessa categoria. No entanto, os filmes mais interessantes que vi estavam concorrendo na sessão Panorama.

Hanna Schygulla, a primeira da esquerda com um buque na mao. Foto: Thiago Jacot
Hanna Schygulla, a primeira da esquerda com um buque na mao. Foto: Thiago Jacot

E eu não sei se estava sentindo saudade da minha língua ou de casa, ou se estava influenciado pelo fato de ser brasileiro, mas o meu preferido e também da FIPRESCI (Melhor Filme na Mostra Panorama pela Organização Internacional de Críticos), do Teddy Awards ( Melhor Filme; prêmio para filmes com temática LGBT) e o segundo lugar de melhor filme votado pelo público da Mostra Panorama foi Hoje Eu Quero Voltar Sozinho de Daniel Ribeiro. Não só eu achei, mas como uma plateia lotada, emocionada de brasileiros e estrangeiros aplaudindo o filme por mais de cinco minutos em pé. E isso é ótimo para o filme, com os prêmios e a boa receptividade que o longa recebeu ele conseguiu vender no festival direitos de exibição para vários países. É uma história que merece ser vista por muitos e agora viajará o mundo. Eu sei que me peguei voltando do cinema até o hostel chorando pela rua, no metro, envergonhando tentando esconder os olhos, mas extremamente emocionado com o filme e com que aconteceu. Senti, como um estudante aprendiz que sou, um desejo que eu realmente quero fazer cinema. Se um dia, eu conseguir me conectar com o público da mesma forma através de um filme sincero e verdadeiro, através do meu trabalho, acho eu que seria o cineasta mais sortudo do mundo. Devo dizer obrigado a Berlim e a Berlinale pelos dias cinematográficos e inesquecíveis.

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Elenco e equipe de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho na estreia do filme no Panorama.

 

Confira mais fotos:

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Sony Center – Cine Star – Foto: Thiago Jacot
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Museum für Film und Fernsehen – Museu de Cinema e Televisão – Foto: Thiago Jacot
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Cabine de maquiagem oferecida pela Loreal, uma das patrocinadoras do evento. Potsdamer Platz. Foto: Thiago Jacot
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Friedrichstadt-Palast , uma das salas de exibição. Foto: Thiago Jacot
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Berlim. Foto: Thiago Jacot
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Kino Internacional, um dos locais de exibição e de arquitetura soviética. Foto: Thiago Jacot

*Thiago Jacot é estudante de Imagem e Som na Universidade Federal de São Carlos e atualmente intercambista no curso de Film Studies na Anglia Ruskin University.

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